O novo entendimento da SPU sobre áreas presumidamente da União
Esta análise detalha as mudanças introduzidas pelo ofício circular 2934/25 da SPU nacional, que uniformiza o entendimento sobre o domínio da União em áreas sem demarcação oficial.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
Atualizado às 13:54
O que muda com o novo entendimento administrativo da SPU sobre áreas presumidas da União: análise do ofício circular 2934 da SPU sobre imóveis da união em áreas presumidas.
Esta análise detalha as mudanças introduzidas pelo ofício circular 2934/25 da SPU nacional, que uniformiza o entendimento sobre o domínio da União em áreas sem demarcação oficial, alinhando-se à jurisprudência do STJ. O documento explora as repercussões diretas nos processos de inscrição de ocupação e os respectivos RIPs - Registro Imobiliário Patrimonial, incluindo a manutenção de registros existentes, a suspensão de novas inscrições e a permissão para transferências, culminando na definição da usucapião como a nova estratégia processual a ser adotada nessas áreas.
O recente ofício circular C 2934, de 2025, estabelece uma mudança fundamental na atuação da SPU - Secretaria de Patrimônio da União. A SPU decidiu uniformizar administrativamente seu entendimento com a jurisprudência consolidada do STJ, que veta a existência de reconhecimento de domínio presumido da União sobre áreas que não possuem a LPM - Linha do Preamar Médio oficialmente demarcada e homologada.
Esta nova diretriz, que terá amplas repercussões, determina que a SPU não pode mais se declarar proprietária de áreas com base em presunção, exigindo para tanto o termo de incorporação. Conforme o item 3.1.2 do ofício, em consultas sobre áreas não demarcadas, a SPU deve agora emitir uma CND - Certidão Negativa de Domínio, fazendo constar a ressalva expressa de que a área em questão está sujeita a uma futura demarcação pela União.
Repercussões sobre processos de RIP em áreas não demarcadas
O ofício circular 2934 impacta diretamente nos processos de inscrição de ocupação, lembrando que a IN 03 de 2016 já vedava o regime de aforamento nessas áreas, em locais como Camocim no Ceará, que não possui a LPM de 1831 oficialmente demarcada. No Ceará, a superintendência da SPU prevê a conclusão do processo demarcatório até o final do ano de 2026, mas até lá, as seguintes regras passam a ser aplicadas:
Manutenção de RIPs existentes: Fica proibido o cancelamento ou a revisão automática de RIPs já constituídos em regime de ocupação apenas pela ausência da demarcação da LPM. Isso significa que o pedido de cancelamento do RIP não pode prosperar até que a linha seja oficialmente demarcada. Esta nova orientação é considerada um argumento decisivo contra o cancelamento.
Suspensão de novas inscrições: O ofício veda a criação de novas inscrições de ocupação em áreas não demarcadas. Como resultado, processos que tramitavam há anos, ficarão suspensos. Novos pedidos de inscrição serão negados.
Permissão para transferência de titularidade: A transferência de titularidade de RIPs já existentes continua permitida. Consequentemente, a SPU não pode emitir certidões de dispensa da CAT - Certidão de Autorização para Transferência de Titularidade, pois a transferência entre particulares permanece possível. A exigência da CAT continua válida mesmo em áreas sem demarcação e continua devendo ser exigida pelos tabeliães e registradores nas transações imobiliárias, de acordo com o decreto-lei 2.398/87.
Além disso, a comunicação oficial aos cartórios para alteração de procedimentos ou abertura de matrículas em nome da União só ocorrerá após a homologação da LPM e a emissão dos respectivos termos de incorporação.
O efeito colateral mais relevante do ofício é reorganizar o "caminho" disponível ao particular em áreas sem demarcação formal.
- Para quem não tem RIP: a via administrativa da inscrição de ocupação tende a ficar bloqueada, porque os pedidos devem ser indeferidos e substituídos por CND com ressalva.
- Para quem já tem RIP: há um reforço objetivo contra teses de cancelamento automático, pois o cadastro deve ser mantido ativo até homologação ou prova técnica inequívoca em sentido contrário.
- Para transações: permanece a possibilidade de transferência, com continuidade da CAT, o que preserva a dinâmica de mercado dos RIPs regulares já constituídos.
Estratégia jurídica adaptativa: A usucapião
Diante da suspensão de novas inscrições de ocupação pela SPU, a estratégia jurídica recomendada para a regularização de imóveis em áreas não demarcadas passa a ser a usucapião. A discussão aponta para a viabilidade da usucapião extrajudicial, realizada diretamente em cartório, como uma alternativa.
A nova diretriz da SPU invalida a antiga prática do órgão de impugnar processos de usucapião com base em domínio presumido. Anteriormente, a SPU poderia contestar a posse alegando que a área pertencia à União, mesmo sem demarcação. Agora, sem essa presunção, a impugnação por parte do ente público torna-se mais complexa, exigindo a comprovação de que a área foi devidamente incorporada ao patrimônio público por meio de um processo discriminatório legal e o termo de incorporação.
Repercussões registrais e notariais
O ofício circular é particularmente enfático ao disciplinar a interface com o sistema extrajudicial:
- É vedado às SPUs Estaduais expedirem ofícios ou orientações aos cartórios dispensando a exigência de CAT sob o argumento da ausência de demarcação.
- A comunicação oficial para alteração de procedimentos ou abertura de matrículas da União somente ocorrerão após a homologação da LPM ou LMEO, mediante emissão dos Termos de Incorporação.
- Ainda assim, admite-se comunicação esclarecedora para reafirmar que, havendo transferência de ocupações regularmente inscritas e mantidas pela SPU, a exigência e a emissão de CAT continuam válidas mesmo sem LMEO ou LPM posicionada.
Do ponto de vista normativo, essa manutenção da CAT se harmoniza com o regime do Decreto-Lei nº 2.398/87, que já estrutura a lógica de controle patrimonial nas transferências envolvendo ocupações e aforamentos, e reforça a necessidade de cautela dos tabeliães e registradores na exigência da apresentação da CAT.
Conclusão
O ofício circular SEI 2934/25/MGI consolida uma diretriz nacional clara: sem LPM ou LMEO formalmente posicionadas, não há espaço para novas inscrições de ocupação, devendo a SPU indeferir pedidos e emitir CND com ressalva de futura demarcação.
Em contrapartida, preserva-se a estabilidade do acervo patrimonial já constituído, ao proibir cancelamentos automáticos de RIPs existentes e ao manter plenamente funcional a transferência com emissão de CAT, inclusive com orientação expressa para impedir qualquer "dispensa administrativa" dirigida aos cartórios.
Do ponto de vista estratégico, o cenário impõe uma reorientação: em áreas não demarcadas, a regularização via SPU tende a ficar travada para novos ingressos, enquanto a via possessória e registral, com destaque para a usucapião (judicial e, quando tecnicamente viável, extrajudicial), ganha centralidade como mecanismo de estabilização dominial entre particulares.
Em suma, o ofício circular 2934 aumenta a previsibilidade administrativa, reduz a margem para soluções precárias baseadas em indefinição demarcatória e exige do advogado uma atuação ainda mais técnica: separar casos com RIP ativo daqueles sem RIP, estruturar a prova possessória e registral para estratégias de usucapião, e manter a CAT como eixo obrigatório de conformidade nas transferências envolvendo ocupações regularmente inscritas.


