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Créditos tributários e o papel da negociação coletiva

Marcela do Carmo Vilas Boas, Gustavo Galvão e Morvan Meirelles Costa Junior

O texto aborda os impactos da reforma tributária sobre o consumo na apuração de créditos de CBS e IBS, com foco na qualificação dos benefícios concedidos aos empregados.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Atualizado às 07:08

A promulgação da EC 132/23, que implementou a reforma tributária sobre o consumo (RTC) na CF/88, e a subsequente LC 214/25, que a regulamenta, marcam um divisor de águas na tributação indireta no Brasil. Esta nova arquitetura legal, projetada para simplificar e tornar mais eficiente a arrecadação, implica em profundas transformações na gestão fiscal das empresas, especialmente no que tange à apuração de créditos tributários escriturais, típicos da sistemática não-cumulativa de apuração desses tributos.

A RTC reside na substituição gradual dos atuais tributos sobre o consumo previstos na legislação nacional, por novos tributos em teoria mais modernos e "racionais". O PIS e a Cofins serão substituídos pela CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços plenamente a partir de 2027, e o ICMS e o ISS, serão substituídos pelo IBS - Imposto sobre Bens e Serviços de forma gradual a partir de 2029 e plenamente a partir de 2033. 

Um ponto crítico de atenção reside na qualificação das despesas com benefícios concedidos aos empregados para fins de creditamento de CBS e IBS. Tradicionalmente, muitos desses benefícios são considerados liberalidades do empregador, gerando incertezas quanto à sua dedutibilidade, especialmente na apuração do PIS e da Cofins pelo regime não-cumulativo e, no novo modelo, em teoria, direito a crédito escritural da CBS e IBS. Para maximizar a eficiência tributária sob o novo regime da CBS e do IBS, é imperativa a congruência entre as esferas do Direito do Trabalho e do Direito Tributário.

Em primeiro lugar, temos a EC 132, que promoveu diversas alterações em artigos do capítulo I do título VI da CF/88, dispondo sobre o IBS, de competência compartilhada entre estados e municípios, e da CBS, de competência da União, bem como a extinção, conforme a gradação temporal acima, dos citados tributos indiretos. 

Em segundo lugar, atendendo ao comando constitucional, a LC 214 regulamenta as disposições da EC 132, detalhando a lógica de apuração da CBS e do IBS, o regime de creditamento desses novos tributos, as suas bases de cálculo, as alíquotas de referência (ou ao menos os mecanismos para o seu cálculo), os regimes específicos e diferenciados, e os regimes de transição, seja específicos para algumas atividades, considerando a necessária substituição dos tributos indiretos atualmente previstos na legislação tributária nacional.

Conforme o disposto no art. 57, inciso II da LC 214, bens e serviços de uso e consumo pessoal do contribuinte de CBS e IBS, tais como aqueles por ele adquiridos e fornecidos de forma não onerosa ou em valor inferior ao de mercado à sua força de trabalho, em princípio não terão o condão de gerar crédito dos novos tributos ao contribuinte que os adquiriu.

A exceção acima, ou seja, ainda que pela sua natureza e circunstâncias de oferecimento aos seus colaboradores, ainda assim esses dispêndios serão capazes de gerar crédito de não-cumulatividade ao contribuinte do CBS e IBS, referem-se, dentre outros, justamente aos benefícios trabalhistas concedidos aos empregados, desde que expressamente previstos em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

A negociação coletiva, converte-se em verdadeiro instrumento de governança fiscal, funcionando como meio de lastrear juridicamente a despesa e, ao mesmo tempo, preservar a transparência nas relações de trabalho. A inclusão de benefícios no acordo coletivo oferece dupla segurança: do ponto de vista tributário, legitima o crédito de CBS e IBS sobre essas parcelas; do ponto de vista trabalhista, previne questionamentos sobre discricionariedade e favorece a previsibilidade nas relações sindicais.

Ainda assim, essa inovação exige cautela. O risco atual não está mais na criação de obrigações permanentes, mas sim na gestão das expectativas e na coerência da política interna de benefícios. Quando um benefício é formalizado em acordo coletivo de trabalho e renovado sucessivamente ao longo dos anos, tende a consolidar-se como prática incorporada à cultura organizacional, o que torna sua retirada politicamente sensível e potencialmente geradora de conflito coletivo. Além disso, a eventual aplicação diferenciada de benefícios entre grupos de empregados pode suscitar questionamentos individuais com fundamento no princípio da isonomia e da inalterabilidade contratual lesiva.

Para fins de creditamento, somente os custos relacionados a empregados diretamente vinculados à operação são elegíveis. Esse recorte exige cuidado na redação das cláusulas coletivas, sob pena de gerar inconsistência entre o que é declarado para fins fiscais e o que é devido como obrigação trabalhista. Ao lado disso, a ausência de critérios objetivos pode abrir margem para alegações de discriminação ou desigualdade interna.

Portanto, a RTC não apenas redefine a tributação sobre consumo, mas também inaugura uma nova fronteira de diálogo entre o Direito Tributário e o Direito do Trabalho. O aproveitamento de créditos sobre benefícios dependerá, cada vez mais, da capacidade das empresas de estruturarem acordos coletivos robustos, juridicamente coerentes e fiscalmente estratégicos. Trata-se de um campo de atuação que exige análise técnica integrada, combinando sensibilidade sindical, domínio das normas trabalhistas e compreensão sistêmica do modelo de creditamento da CBS e do IBS.

Marcela do Carmo Vilas Boas

Marcela do Carmo Vilas Boas

Advogada no escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados. Especialista na área trabalhista com expertise na área de contencioso trabalhista estratégico, no âmbito individual e coletivo.

Gustavo Galvão

Gustavo Galvão

Advogado no escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados. Head da área trabalhista da banca. É um dos membros do Comitê de Governança e sócio do Conselho.

Morvan Meirelles Costa Junior

Morvan Meirelles Costa Junior

Advogado no escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados.

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