Planos de saúde e robótica
Panorama normativo e jurisprudencial atualizado envolvendo a cobertura para cirurgias robóticas nos planos privados de assistência à saúde.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:56
Recentemente, com a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 7265 - a qual tratou sobre a constitucionalidade do § 13 do art. 10, da lei federal 9.656/1998, inserido na lei dos planos de saúde por força da polêmica lei federal 14.454/22 - a segurança jurídica acerca do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS foi revigorada.
Na ocasião, o STF, em resumo, definiu que, como regra, o rol de procedimentos é taxativo, ou seja, procedimentos não previstos no rol estão excluídos da cobertura assistencial obrigatória.
Reconheceu-se, contudo, haver exceções. Conforme constou na decisão do STF, "em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado; (ii) inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol (PAR); (iii) ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS; (iv) comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidência de alto grau ou ATS, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível; e (v) existência de registro na Anvisa".
A referida decisão ainda não transitou em julgado, mas é improvável que haja qualquer alteração relevante.
Enfim, fato é que a interpretação em favor do caráter taxativo, em regra, do rol da ANS foi sacramentada, sendo restauradas - e, diz-se mais, qualificadas - as premissas reconhecidas em junho de 2022 pela 2ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 1.886.929/SP e ERESP 1.889.704/SP.
O rol da ANS, cumpre esclarecer, é, na verdade, uma lista em forma de tabela, contendo inúmeros serviços assistenciais (incluindo cirurgias, exames, terapias, etc.), com a indicação das segmentações (ambulatorial, hospitalar, obstetrícia, odontológica e referência) que efetivamente contemplam cada um dos serviços. Essa lista, atualmente, e já há alguns anos, está prevista no Anexo I da RN/ANS 465, de 2021.
A lista, ou seja, o rol, também esclarece quais procedimentos caracterizam-se como de Alta Complexidade (PAC) - aspecto importante para questões envolvendo doença e lesão preexistente e cobertura parcial temporária - e quais possuem DUT - Diretrizes de Utilização.
A segurança jurídica decorrente do reconhecimento do caráter taxativo do rol é de inestimável importância para o funcionamento e para a sustentabilidade do setor. Além disso, a primazia da taxatividade prima facie acarreta diversas repercussões, dentre as quais o reforço, também, das demais regras inerentes ao rol.
Uma dessas regras é aquela prevista no art. 12 da RN/ANS 465, segundo a qual "Os procedimentos realizados por laser, radiofrequência, robótica, neuronavegação ou outro sistema de navegação, escopias e técnicas minimamente invasivas somente terão cobertura assegurada quando assim especificados no Anexo I".
Dito de outra forma: para um procedimento por robótica (ou outra técnica minimamente invasiva) ser passível de cobertura obrigatória, deve necessariamente haver, no próprio Rol, expressa referência nesse sentido, não bastando a mera previsão quanto ao procedimento em si. Em outras palavras, para que esta ou aquela técnica seja exigível pelo beneficiário, ela precisa estar expressamente prevista no rol, sob pena de, do contrário, estar fora da cobertura considerada obrigatória.
Compreendida essa premissa, fato é que, até recentemente, não existia no rol qualquer previsão para procedimentos por robótica. É por isso que se dizia, ao menos considerando o regramento regulatório do setor, que planos de saúde não garantem cobertura para procedimentos por robótica.
Essa situação, contudo, já apresentava sinais de (alguma) obsolescência. A robótica já está presente no país há alguns anos, tendo sido inclusive objeto de regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina, por meio da resolução 2.311/22.
A referida norma prevê, por exemplo, que o paciente submetido a tratamento por robótica deve obrigatoriamente ser esclarecido sobre os riscos e benefícios do procedimento, inclusive assinando termo de consentimento livre e esclarecido específico para a cirurgia.
Outra previsão relevante, apenas para citar outro exemplo, é a de que os cirurgiões devem possuir treinamento específico ou capacitação específica para realização de cirurgia por robótica.
De alguns anos para cá, indicações médicas para que pacientes sejam submetidos a cirurgia por robótica têm sido cada vez mais frequentes. Entretanto, dada a não previsão da técnica no Rol, praticamente nenhum plano de saúde a autorizava; eventuais autorizações, quando ocorriam, se davam por liberalidade ou algum acerto específico entre médico, paciente, hospital e plano de saúde.
Como decorrência, diversos casos eram (e continuamente são) judicializados, não sendo raros os casos que inclusive alcançaram o STJ. Uma pesquisa no sítio desse tribunal, utilizando os termos "plano de saúde" e "robótica", estampa isso: 15 acórdãos e mais de 400 decisões monocráticas.
E em uma breve varredura dessas decisões, especialmente as colegiadas, três questões principais chamam atenção:
a) a grande maioria das decisões entendeu por condenar o plano de saúde a cobrir a técnica robótica;
b) essa prevalência, porém, não é absoluta, conforme se observa, por exemplo, da recente decisão proferida no âmbito do REsp 2.132.123/SP, que concluiu por validar a negativa de cobertura para cirurgia robótica, sob o fundamento de que existiria substituto terapêutico eficaz e coberto pelo plano de saúde (relator ministro Raul Araújo, 4ª turma, julgado em 20/10/2025, DJEN de 29/10/2025);
c) um tipo de procedimento está envolvido na maior parte dos casos: prostatectomia, cirurgia para remover total ou parcialmente a próstata, geralmente indicada para tratamento de câncer de próstata.
Apesar da recente decisão do STF, ainda não se pode afirmar que uma negativa de cobertura para cirurgia robótica será respaldada pela corte superior, até porque muitos desses casos envolvem tratamento para câncer, patologia para a qual o STJ historicamente tende a criar mecanismos interpretativos cuja consequência prática é superar toda e qualquer cláusula excludente de cobertura.
A despeito desse panorama e dessas incógnitas, fato é que, para efeitos da cirurgia de prostatectomia, as divergências jurídicas (e judiciais) envolvendo a existência ou não de cobertura pelos planos de saúde para a técnica robótica estão com os dias contados.
Na sexta-feira, dia 5 de dezembro de 2025, a ANS aprovou a incorporação da prostatectomia radical assistida por robô ao Rol, tornando-se a primeira cirurgia por robótica a ser/estar obrigatoriamente coberta pelos planos de saúde.
Esse encaminhamento já era esperado, pois há alguns meses, em outubro de 2025, a CONITEC já havia recomendado a incorporação do procedimento no Sistema Único de Saúde. Logo, por força do art. 10, § 10, da lei federal 9.656/1998, a inclusão junto ao rol da ANS era um caminho sem volta.
O referido dispositivo legal prevê que "As tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, instituída pela lei 12.401, de 28 de abril de 2011, cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, serão incluídas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar no prazo de até 60 (sessenta) dias".
E foi o que aconteceu, tendo sido publicada a RN 654, de 12 de dezembro de 2025, que determina a incorporação do procedimento de prostatectomia radical assistida por robô no rol da ANS, programada para entrar em vigor em 1° de abril de 2026.
É digno de destaque o fato de a incorporação vir acompanhada de Diretriz de Utilização, segundo a qual o procedimento é de efetiva cobertura obrigatória para "o tratamento de paciente com câncer de próstata localizado ou localmente avançado" (173, Anexo II, RN/ANS 465/21).
Do ponto de vista jurídico, o saldo desses acontecimentos parece ser favorável para toda a sociedade: de um lado, foi revigorada a taxatividade prima facie do rol da ANS, agora inclusive com respaldo da Suprema Corte, assim como foi reforçada a necessidade de uma técnica minimamente invasiva estar explícita no rol para ser de cobertura obrigatória; e, de outro, a cirurgia robótica, enfim, chega aos planos de saúde, inclusive por meio daquele que, ao que tudo indica, tem se mostrado o procedimento dessa natureza mais judicializado.
O que não se pode desconsiderar, porém, é o inevitável encarecimento decorrente da incorporação dessa nova tecnologia às coberturas obrigatórias, sendo imperativo que esses acontecimentos venham acompanhados do respeito às demais regras, tais como as relativas aos reajustes, às condições de rescindibilidade e aos limites das coberturas assistenciais.
Bernardo Franke Dahinten
Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Advogado em Porto Alegre/RS.
Augusto Franke Dahinten
Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Advogado em Porto Alegre/RS.



