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Da possibilidade do juiz criminal declarar o réu indefeso

Declaro o réu indefeso. Oficie-se à OAB no sentido de indicar outro advogado dativo, bem como de analisar eventual infração disciplinar cometida pelo causídico desidioso". Tal despacho apresentado, infelizmente e não raras às vezes, surge em processos criminais. No processo penal vigoram entre outros, os princípios da ampla defesa, da plenitude da defesa e da busca pela verdade real. O último princípio elencado aduz que o magistrado não está limitado à atuação da acusação e defesa no que tange a produção de provas. Deve sempre buscar a verdade real. A máxima civilista da verdade formal onde somente se analisa o que está nos autos, é rechaçada na seara criminal. A figura da Deusa Themis representando a Justiça com seus olhos vendados não tem lugar nos processos criminais. O juiz deve abrir seus olhos e buscar a produção de provas, se atentando para a boa atuação do causídico de modo que, se condenado o réu, a pena seja aplicada no limite de sua real culpabilidade com a máxima certeza acerca da materialidade e autoria.

terça-feira, 11 de março de 2008

Atualizado em 26 de fevereiro de 2008 10:28


Da possibilidade do juiz criminal declarar o réu indefeso

Ulysses Monteiro Molitor*

"Declaro o réu indefeso. Oficie-se à OAB no sentido de indicar outro advogado dativo, bem como de analisar eventual infração disciplinar cometida pelo causídico desidioso". Tal despacho apresentado, infelizmente e não raras às vezes, surge em processos criminais. No processo penal vigoram entre outros, os princípios da ampla defesa, da plenitude da defesa e da busca pela verdade real. O último princípio elencado aduz que o magistrado não está limitado à atuação da acusação e defesa no que tange a produção de provas. Deve sempre buscar a verdade real. A máxima civilista da verdade formal onde somente se analisa o que está nos autos, é rechaçada na seara criminal. A figura da Deusa Themis representando a Justiça com seus olhos vendados não tem lugar nos processos criminais. O juiz deve abrir seus olhos e buscar a produção de provas, se atentando para a boa atuação do causídico de modo que, se condenado o réu, a pena seja aplicada no limite de sua real culpabilidade com a máxima certeza acerca da materialidade e autoria.

A Constituição Federal (clique aqui) prevê também o princípio da ampla defesa (art. 5º, LV) permitindo ao réu o direito de exercer sua defesa pessoalmente, juntamente com a atuação eficiente de um advogado. Tal afirmação não impõe obrigação de absolver o réu ou ter sua pena fixada no mínimo legal e no regime menos gravoso. Significa que tem o acusado direito a uma defesa técnica com zelo e presteza.

Exemplificando, analisemos as alegações finais. Nela, deve o defensor apresentar todas as teses possíveis de defesa, sendo vedada a aceitação da imputação que está sendo feita ou ainda a negativa geral de autoria. Devem ser apresentadas teses que busquem a absolvição do réu, e de forma subsidiária, teses que busquem a exclusão de qualificadoras e agravantes e, por fim, que se uma pena for imposta, considerando a dosimetria da pena, que esta não seja exacerbada. Exceção ocorre nas alegações finais do rito do Júri (art. 406, CPP - clique aqui) onde o advogado pode silenciar-se eventualmente e guardar suas teses defensivas para exposição em Plenário.

Não se trata de uma benevolência sem razão ao réu, mas sim do direito de provar sua inocência ou, se condenado, de ter a pena individualizada na medida de sua culpabilidade. A fragilidade dessa peça defensiva que antecede a sentença obriga o magistrado a não sentenciar e desconstituir o advogado desidioso.

Outra hipótese que causa a desconstituição do advogado surge na petição de alegações finais quando a defesa se limita a dizer que "o réu é inocente conforme demonstrado na instrução processual, razão pela qual deve ser absolvido". A frase exposta pode ter grande valia numa petição ao encerrar a exposição dos seus fundamentos mas, isolada, nada quer dizer.

Porém, vale lembrar que por ocasião da defesa prévia (onde se exige apenas a abertura de prazo para sua apresentação e pode ser dispensada) não é adequada a exposição da tese defensiva tendo em vista que a instrução processual ainda está no seu início e, eventualmente, as provas produzidas durante a instrução policial podem não ser confirmadas em juízo.

Outra possibilidade que se exterioriza de um modo mais constrangedor ocorre no Plenário do Júri onde, em virtude da Plenitude da Defesa, princípio constitucional que impõe a possibilidade de defesa perante o Tribunal do Júri de maneira cabal, percebendo o juiz presidente que o defensor apresenta teses não jurídicas inconciliáveis com a verdade dos fatos ou incompatíveis entre si, surge o dever de dissolução do Conselho de Sentença, após declarar o réu indefeso e marcar novo julgamento com outro defensor nomeado ou indicado pelo acusado.

Quando o artigo 564, III, l, do CPP, afirma a ocorrência de nulidade por falta de acusação ou defesa na sessão de julgamento, não se refere apenas a presença física destes, mas sua atuação positiva e eficiente.

Peculiar situação encontramos no Julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Recurso Especial n°. 752.921-RS (DJ 17.12.2008), onde o próprio advogado desidioso requereu a nulidade do processo por ausência de alegações finais. O STJ declarou a nulidade do processo por violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mas determinou expedição de ofício à OAB para apuração de responsabilidade do advogado.

Isto porque paralelamente a exclusão do advogado no processo criminal, cabe ainda por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, por representação ou de ofício, a apuração do ocorrido tendo em vista que o Estatuto da OAB prevê no artigo 34 como infrações disciplinares, entre outras, os atos de "prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio" (inciso IX) e "incidir em erros reiterados que evidenciem a inépcia profissional" (inciso XXIV).

Por força constitucional o "advogado é indispensável a administração da justiça" (art. 133). Entretanto, honrado prestígio traz grandes responsabilidades. Felizmente, aos bons advogados não há o que temer pois o profissionalismo e a dedicação somente enobrecem o exercício da advocacia.

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*Advogado e Professor de Direito Processual Penal e Prática Jurídica Penal da Universidade IMES de São Caetano do Sul/SP





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