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A responsabilidade civil do Estado

Sílvia Batista Andrade

A responsabilidade civil do Estado passou por uma grande evolução ao longo do tempo, o seu desenvolvimento adveio do direito francês e através da construção pretoriana do Conselho de Estado.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Atualizado em 7 de março de 2008 11:31


A responsabilidade civil do Estado

Sílvia Batista Andrade*

A responsabilidade civil do Estado passou por uma grande evolução ao longo do tempo, o seu desenvolvimento adveio do direito francês e através da construção pretoriana do Conselho de Estado.

Inicialmente vigorava o princípio da irresponsabilidade do Estado, atenuado pela admissão da responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo pudesse ser ocasionado por um comportamento pessoal deste.

Atualmente a doutrina da "irresponsabilidade estatal" está totalmente superada, haja vista que desde a segunda metade do século XIX os poucos países que a sustentavam, passaram a admitir que demandas indenizatórias, provocadas por atos de agentes públicos, possam ser dirigidas diretamente contra a Administração.

Neste diapasão, sendo admitido o Estado como sujeito passivo de demandas indenizatórias, houve a evolução de uma responsabilidade subjetiva, qual seja baseada na culpa, para uma responsabilidade objetiva fundamentada na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso.

Em síntese, a doutrina da responsabilidade civil da Administração Pública evoluiu do conceito de irresponsabilidade para o da responsabilidade sem culpa. Passou-se da fase da irresponsabilidade da Administração para a fase da responsabilidade civilística e desta para a fase da responsabilidade pública.

O tema da responsabilidade civil do Estado desde os primórdios já trazia controvérsias e na tentativa de solucionar o impasse surgiram três teses, quais sejam: da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas as teses oriundas das bases da responsabilidade objetiva da Administração Pública, no entanto com variações no fundamento e forma de aplicação.

A teoria da culpa administrativa leva em consideração a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Nesta teoria não há indagação quanto à culpa do agente administrativo, sendo que exige do lesionado que comprove a falta do serviço para obter a indenização, devendo ser ressaltado que esta falta do serviço apresenta-se nas modalidades de inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço. Ocorrendo qualquer destas modalidades surge a obrigação de indenizar.

A teoria do risco administrativo enseja a obrigação de indenizar da só ocorrência da lesão, causada ao particular por ato da Administração, não exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes.

Em conformidade com os ensinamentos de Helly Lopes Meirelles:

Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se apenas o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração. (Direito Administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.611)

Cabe anotar que o artigo 107 da Constituição Federal de 1969 (clique aqui) e o artigo 37, § 6, da atual Carta Magna seguiram a linha delineada pela Constituição Federal de 1946 (clique aqui), orientando-se pela Doutrina do Direito Público e mantendo a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo.

No tocante à teoria do risco integral, segundo o preceituado pela mesma, a Administração obrigar-se-ia a reparar todo e qualquer dano, não admitindo a alegação de qualquer causa excludente da responsabilidade, como o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Ocorre, que certamente por conduzir ao abuso e a iniqüidade social, a teoria do risco administrativo não obteve aceitação no ordenamento jurídico, sendo certo que no campo da responsabilidade civil do Estado, o ordenamento jurídico pátrio consagrou a regra da responsabilidade objetiva (art. 37, §6º, da Carta Magna, c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002 - clique aqui), cujo corolário é a teoria do risco administrativo.

Nesta nova configuração, de cunho constitucional, para que haja o dever de indenizar, mister que o dano causado guarde uma relação direta, de causa e efeito, com a situação de risco criada pela atividade estatal.

Para esta concepção, o que importa é a relação de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e o ato do preposto ou agente estatal. Necessária se faz a existência de nexo causal, relacionando o dano a uma ação do poder público, por meio de seus serviços ou agentes. Da simples leitura do texto constitucional, percebe-se, claramente, a exigência do liame de causalidade. Não fosse assim, não estaria incursa no texto citado a palavra "causarem".

Destarte, o nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a ação praticada pelo agente público e o dano suportado pela vítima. É a relação entre a conduta e o dano. Para restar configurado o nexo causal entre dano e comportamento, é imprescindível que o primeiro aconteça, exista, como conseqüência do segundo.

Em outras palavras, para que exista dever de reparar é necessário que o dano tenha nascido da conduta do Ente Estatal. Então, havendo dano ao particular e presente o nexo causal (Estado - ação do agente - dano ao administrado), haverá responsabilidade, sem campo para a indagação a respeito da culpa da Administração.

A existência de dolo ou culpa por parte do agente causador do evento danoso somente será considerável em se tratando de direito de regresso do Estado contra ele. Também não se indaga a respeito da licitude ou ilicitude da conduta administrativa. Tal consideração revela-se aqui irrelevante para caracterização da responsabilidade pública.

Portanto, a responsabilidade civil do Estado, extracontratual e de natureza objetiva, tem como pressupostos necessários um dano produzido por agente público, um prejuízo moral e/ou patrimonial aferível em termos econômicos e um nexo causal entre o dano e o ato lesivo.

Assim, o Poder Público está obrigado a reparar o dano por ele causado a outrem por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes. No entanto, exige-se que o lesionado comprove a ocorrência do prejuízo e o nexo causal entre a conduta e o dano, para que lhe assista o sucedâneo indenizatório e surja o dever de reparar. Fora deste quadro esquemático não se configura a obrigação da Administração.

Então, fica a cargo do demandante o ônus da prova do liame de causalidade, segundo o princípio onus probandi incumbit ei qui dicit, non qui negat.

Humberto Theodoro Júnior adverte que "por ser objetiva a responsabilidade civil na espécie, não quer dizer que o autor da ação indenizatória esteja desonerado de toda prova". (In, Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993, p. 121).

Por outro lado, permite-se, também, que a Administração possa comprovar a culpa da vítima para o fim de atenuar a responsabilidade (culpa concorrente) ou excluir totalmente a obrigação de indenizar (culpa exclusiva do particular), afastando o nexo causal.

Se assim não fosse, estar-se-ia prestigiando a teoria do risco integral, modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, que representa uma exacerbação da responsabilidade civil da Administração, abandonada na prática por conduzir ao abuso e à iniqüidade social.

Yussef Said Cahali, em sua monografia sobre a Responsabilidade Civil do Estado, acertadamente escreve que:

A teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização. (In, Responsabilidade Civil do Estado, 2ª ed., 1996, São Paulo, Malheiros Editores, p. 44).

Nessa ordem de idéias, pode-se concluir que está pacificado no ordenamento jurídico o entendimento de que pode o Estado ser responsabilizado pelos danos causados por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes a terceiros e que a inexistência (ou tão somente a não comprovação no processo judicial) de algum dos pressupostos da responsabilidade civil, ou a prova da culpa do administrado (exclusiva ou concorrente) elide ou atenua o dever de reparar o dano, devendo ser lembrado que na hipótese de culpa da vítima, o ônus da prova cabe sempre à Administração.

Referências:

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, com comentários ao Código Civil de 2002. 6 ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais.

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*Advogada do escritório Mirian Gontijo Advogados Associados












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