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Da efetiva aplicação do Código de Trânsito Brasileiro

A Lei n°. 11.705/08 (clique aqui), ao contrário do que é noticiado, não introduziu em nosso ordenamento jurídico profundas alterações no que diz respeito ao crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (clique aqui).

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Atualizado em 10 de julho de 2008 08:05


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a efetiva aplicação do Código de Trânsito Brasileiro

Mauricio Januzzi Santos*

A Lei n°. 11.705/08 (clique aqui), ao contrário do que é noticiado, não introduziu em nosso ordenamento jurídico profundas alterações no que diz respeito ao crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (clique aqui

O artigo 306 antes de ser alterado era assim redigido:

"Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem".

Quando o legislador colocou a expressão: "sob a influência de álcool", não foi dito qual a quantidade, ou seja, qual a concentração de álcool por litro de sangue era exigida para se configurar o crime; o que significa dizer que qualquer concentração já seria apta a consumar o crime. Poderia muito bem o sujeito ser processado se tivesse dirigindo veículo, sob a influência de 4 decigramas de substância etílica por litro de sangue. Tal conduta hoje é apenas infração administrativa prevista no artigo 165 que altera a redação do caput do Código de Trânsito Brasileiro.

Já, com o advento da Lei n°. 11.705/08, o artigo 306 exige hoje que o condutor do veículo esteja com a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas para então configurar o ilícito penal.

Em outras palavras, por incrível que pareça, isto quer dizer que a legislação ficou mais branda no que diz respeito à consumação do crime de embriaguez ao volante.

Em ambos os casos, ou seja, com a redação antiga ou com a nova redação dada ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro dada pela Lei n°. 11.705/08, a prova da existência do álcool no sangue do individuo se dará tão somente pelo Bafômetro ou pelo Exame químico-toxicológico do sangue, isto é, através da chamada prova pericial.

Surge daí a pergunta: E o cidadão pode recusar-se a se submeter a este exame? Segundo as lições da Profª. Ada Pellegrini Grinover, em sua obra: "As Nulidades no Processo Penal" (6ª Edição, São Paulo, revista dos tribunais, 1997, página 172) o cidadão não só pode como deve se recusar a realizar os exames citados acima, não respondendo por qualquer crime, inclusive pelo delito de desobediência (art.331 do CP - clique aqui), pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Qual a conduta então? Diante da recusa legítima do condutor do veículo, o agente policial poderá conduzir o motorista suspeito perante a autoridade policial - Delegado de Polícia -, que o submeterá a testes de alcoolemia, exame clínico e etc. (art. 277 do CTB).

Ocorre que, os testes de alcoolemia, exame clínico e outros não são capazes de diagnosticar qual a concentração de álcool por litro de sangue. Isto é, não se pode determinar qual a quantidade de álcool foi ingerida pelo condutor do veículo em decigramas por litro de sangue.

Como a Lei n°. 11.705/08 exige uma quantidade igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue e não havendo como determinar esta quantidade através do teste de alcoolemia e exame clínico, impossível a configuração do crime, na forma como esta redigido.

Já com a antiga redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro bastava conduzir o veículo "sob a influência de álcool", sem a necessidade de se auferir a quantidade de álcool por litro de sangue, através de exame pericial, que o ilícito penal esta configurado.

O simples exame clínico realizado pela autoridade policial - delegado de Polícia - já servia para configurar o crime, sendo na ausência deste exame, admitida a prova testemunhal, através do depoimento dos policiais que havia feito a abordagem do condutor do veículo para já se achar consumado o crime.

Com relação à pena prevista no artigo 306 do Código der Trânsito Brasileiro, qual seja, detenção, de seis (6) meses a três (3) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Assim, como a lei prevê pena mínima de (6) seis meses de detenção, o condutor poderá ser preso em flagrante, porém a autoridade policial terá que logo em seguida, arbitrar fiança, pois este ilícito penal esta incluído dentre aqueles em que cabe o arbitramento de fiança por parte do Delegado de Polícia (art. 322 do CPP - clique aqui). Assim, o condutor não ficará preso, a não ser que não pague a fiança que foi arbitrada.

Resumindo, a Lei nº. 11.705/08 sob o pretexto de endurecer os chamados crimes de trânsito, não só assim não o fez, como permitiu através da exigência obrigatória de prova pericial, uma porta de acesso à impunidade.

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*Professor de Processo Penal da PUC/SP e Presidente da 93ª Subseção da OAB/SP - Pinheiros





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