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Os rábulas de D. João VI

Roberto Paraiso Rocha

Nestas comemorações do centenário da chegada de D. João VI ao Brasil e no mês em que se celebra o Dia dos Advogados (11 de agosto) - é bom recordar aqueles que, em l808, arribaram nestas plagas com o nosso então Príncipe Regente. Para começo de conversa, a maioria deles - como acontecia com os desta Colônia - não era de advogados, mas de simples rábulas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Atualizado em 14 de agosto de 2008 15:06


Os rábulas de D. João VI

Penas, beca, capelo, perucas e rapé

Roberto Paraiso Rocha*

Nestas comemorações do centenário da chegada de D. João VI ao Brasil e no mês em que se celebra o Dia dos Advogados (11 de agosto) - é bom recordar aqueles que, em l808, arribaram nestas plagas com o nosso então Príncipe Regente. Para começo de conversa, a maioria deles - como acontecia com os desta Colônia - não era de advogados, mas de simples rábulas.

Não no sentido comum atual de "advogado de limitada cultura e chicaneiro" (Houais), mas designando aqueles que, na Colônia, no Império e no início da República, exerciam a profissão sem possuírem o diploma de bacharel.

Era uma classe de "práticos do Direito", também denominados de "provisionados" - pois exerciam funções advocatícias graças a uma "carta de provisão", que lhes permitia atuar em um determinado processo judicial. Somente em 1985 foram proibidas novas inscrições destes "provisionados" na Ordem dos Advogados.

Para os brasileiros, naquela época, era muito difícil formar-se em direito, já que teriam de procurar as academias portuguesas, especialmente a famosa Faculdade de Coimbra. Assim, somente os mais abonados tinham condições financeiras para isso. Sem dúvida, foi graças à presença da Corte Portuguesa no Brasil que se criaram, em Olinda e S. Paulo (1827), os primeiros cursos jurídicos e foi nelas que se forjaram as mentes da maioria dos estadistas do Império e do início da República.

Imagem - Mas a figura daqueles rábulas e advogados era muito diferente daquela que agora ostentam os jovens causídicos, hoje quase todos sem barba, cabelos curtos, vestindo elegantes ternos pretos, gravatas vistosas, camisas de panos finos e de mangas compridas, com belas abotoaduras. E alguns fumando elegantes cigarrilhas.

Naqueles tempos d'El Rei, os causídicos eram, em geral, gordos senhores, usando sapatilhas com grandes fivelas, escrevendo com penas de aves e obrigados ao uso de becas, capelo e perucas. E todos habituados ao uso do rapé.

Penas - A redação das peças processuais era feita à tinta, com o uso de penas de aves, procurando-se sempre a mais bela caligrafia - sob pena (perdão pelo trocadilho) de não serem lidas pelos juízes e, assim, certamente indeferidas. Mal poderiam eles imaginar a revolução que viria com a máquina de escrever e jamais poderiam sonhar com a maravilha da digitação em computadores!

Becas - De uso obrigatório nos recintos forenses, era um "traje talar", de cor preta - uma espécie de batina, vestida por cima dos trajes comuns. Como se pode imaginar, um tremendo incômodo neste nosso clima tropical. Por isso, muitos as colocavam sobre o corpo quase nu, correndo o risco das ventanias e acidentes que revelassem a verdade sob os fatos...

Hoje, o uso da beca está restrito ao ambiente dos Tribunais, com um figurino mais simplificado e sempre colocada sobre os ternos (vestidos ou terninhos femininos) ainda geralmente exigidos aos advogados.

Capelo - Com a firme esperança de que o corretor automático de textos de meu computador - ou o revisor da revista - não tenham "corrigido" a palavra para cabelo... - devemos lembrar que se trata de uma espécie de chapéu, de formato alto e circular, usado na cabeça ou trazido nas mãos. Hoje, somente usado nos Tribunais, pelos magistrados, em cerimônias solenes.

Perucas - Como ainda hoje na Câmara dos Lordes da Inglaterra e em alguns países de tradição britânica, as perucas eram de uso habitual. E sem falar nas perucas comuns, de uso não raro pelos causídicos de pouca proteção capilar superior...

Rapé - "Tabaco em pó, para cheirar" (Aurélio), foi vício que nasceu e morreu com o regime imperial. Dele, não escapavam os bacharéis... Nos versos humorísticos e maliciosos de Luiz Gama - ex-escravo e poeta de valor - aqui transcritos com alguma licença poética - todos tomavam o rapé

... Toma "quem inda é calouro,

Que o tomar não é desdouro

...............................................

Toma a velha, a moça toma,

Toma a negra, toma a branca,

Toma o rico, toma o pobre

Tendo a venta sempre franca.

..............................................

Toma o rude lavrador,

Toma o sábio professor.

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Secretário e bedéis,

Veteranos, bacharéis..."

*

- Hoje, transformaram-se os hábitos, alterou-se o perfil dos advogados, a mulher conquistou seu merecido espaço, mudaram-se os trajes, mas esperamos que não se tenha perdido o ideal da busca pelo aperfeiçoamento intelectual, moral e ético de todos - rábulas ou sábios!

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*Procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado. Professor Titular da Faculdade de Direito - UERJ aposentado





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