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O conceito de consumidor na ótica do STJ

Marcos Braid

A defesa do consumidor possui proteção constitucional, tanto como direito fundamental (art. 5º, XXXV), como princípio da ordem econômica nacional (art. 170).

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Atualizado em 20 de agosto de 2008 14:45


O conceito de consumidor na ótica do STJ

Marcos Braid*

A defesa do consumidor possui proteção constitucional, tanto como direito fundamental (art. 5º, XXXV), como princípio da ordem econômica nacional (art. 170).

A Lei 8.078/90 (clique aqui), atendendo ao mandamento constitucional estabelecido no artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, veio regulamentar o que a doutrina chama de "um novo direito privado", estabelecendo normas de proteção e defesa do consumidor.

Mas qual o conceito de consumidor? Quem está amparado pelo CDC (clique aqui)? Qual o alcance do seu significado?

O conceito de consumidor há muito gera polêmica na doutrina e jurisprudência. O artigo 2º da lei consumerista traz como definição principal de consumidor "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviços como destinatário final".

Em torno dessa questão surgiram duas teorias: A primeira teoria, chamada finalista, propõe que se interprete a expressão "destinatário final" de maneira restrita, sendo imprescindível à conceituação de consumidor que essa destinação final seja fática e econômica, ou seja, que a aquisição/utilização de um bem ou serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente e não sirva de instrumento para revenda ou uso profissional. Já para a teoria maximalista, esse conceito deve ser alargado ao extremo, pouco importando a destinação econômica do bem ou serviço, se utilizado ou não para obtenção de lucro. Essa teoria exige apenas um ato de consumo, que a pessoa física ou jurídica retire o bem ou serviço do mercado para ser caracterizado como consumidor.

A experiência demonstrou que a adoção absoluta de uma dessas visões não atendia ao próprio espírito do Código. Imaginar o Código de Defesa do Consumidor como um código geral de consumo no entendimento dos maximalistas era o mesmo que esvaziar o campo de atuação do Código Civil (clique aqui). Do mesmo modo, aplicar as normas consumeristas tomando por base a intocável noção de destinação econômica, sem se ater à própria vulnerabilidade do adquirente, afrontaria aos princípios e normas gerais ali insertos.

A jurisprudência pátria, depois de muito tempo de discussão, criou um finalismo aprofundado, abrandando o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor e concentrando-se na noção de vulnerabilidade. Sobre o tema o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que "a relação jurídica qualificada por ser de consumo não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável, de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro", sendo certo que "mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes."1

A vulnerabilidade, portanto, e aqui se inclui a técnica, jurídica ou econômica, é o ponto de partida fundamental para verificação da aplicabilidade ou não das normas do CDC. Com base na mitigação da teoria finalista não se deixou de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço, mas, em hipóteses excepcionais, tem-se admitido que diante da hipossuficiência concreta de determinado adquirente, profissional ou não, seja considerado consumidor. A título de exemplo, considera-se consumidor aquele advogado ou pequeno escritório que adquire livros para auxiliar na defesa dos seus clientes. Por outro lado, no tocante às concessionárias de telefonia, o STJ2 já se posicionou no sentido de não considerar vulnerável empresa com fins lucrativos, fornecedora de acesso à internet, que utiliza os serviços de telefonia com o intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva, sendo esta relação regulada pelo direito comum.

O conceito de consumidor e o seu alcance, portanto, passa necessariamente pela análise in concreto da noção de vulnerabilidade, independente do adquirente ser profissional ou não, pessoa física ou jurídica. Alguns doutrinadores vão mais além, defendendo a aplicabilidades das normas principiológicas positivadas no CDC em qualquer contrato, mesmo nos celebrados entre partes substancialmente equiparadas.

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1 REsp 476428/SC, rel. Min. Nancy Andrighi)

2 REsp 660026-RJ, rel. Min. Jorge Scartezzini

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*Advogado, sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados









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