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Crime de descaminho - impossibilidade da denúncia sem autuação fiscal

Paulo Jose I. de Morais e Aluisio Monteiro de Carvalho

Em junho de 2007 a 6ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, reascendeu a discussão sobre a natureza tributária dos crimes de contrabando e descaminho descritos no artigo 334 do Código Penal.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Atualizado em 22 de outubro de 2008 16:19


Crime de descaminho - impossibilidade da denúncia sem autuação fiscal

Paulo Jose I. de Morais*

Aluisio Monteiro de Carvalho**

Em junho de 2007 a 6ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, reascendeu a discussão sobre a natureza tributária dos crimes de contrabando e descaminho descritos no artigo 334 do Código Penal (clique aqui). Naquela oportunidade, no julgamento do HC 48.805, lavrou-se o seguinte acórdão:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI N.º 9.249/95 (clique aqui). UBI EADEM RATIO IBI IDEM IUS.

1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral.

2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade.

3. Ordem concedida."

A matéria em comento, tempos atrás, havia sido sedimentada junto ao Supremo Tribunal Federal, quando da publicação da Súmula 560, a saber: "Contrabando ou descaminho - Extinção da punibilidade pela satisfação do tributo devido (Súmula 560 do STF) - Não tem lugar se o pagamento é efetuado após o iniciada a ação penal" (TFR - Rec. - Rel. Décio Miranda - DJU 22.3.88).

Todavia, como é cediço, a mencionada Súmula do Excelso Pretório foi posteriormente revogada, tendo o C. Superior Tribunal seguido entendimento diverso desde então, sustentando que os crimes de sonegação fiscal e descaminho possuíam naturezas distintas.

Apesar de ser uma questão que suscita debates acalorados, grande parte da doutrina, contrariamente, entende, no entanto, que ambas as condutas possuem o fito de proteger o mesmo bem jurídico, qual seja, a ordem tributária.

Destarte, tendo em vista o precedente da Corte, recentemente, foi distribuido perante o Superior Tribunal de Justiça o HC 109.205, com o fito de trancar ação penal em curso perante a Justiça Federal de Curitiba, Estado do Paraná.

O mencionado Hábeas Corpus teve a Relatoria da Ilustre Ministra Jane Silva, que ao apreciar as razões expendidas pelo Impetrante, votou pela concessão da ordem, e, portanto, o trancamento da ação penal no que se referia à denúncia pelo descaminho.

Em trecho do brilhante voto, necessário destacar as considerações da I. Ministra:

"Destarte, mostra-se necessária a constituição do crédito tributário, pois, tratando-se de crime de natureza tributária, faz-se necessária a apuração do efetivo quantum do tributo iludido, situação que, consoante o disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional (clique aqui), se opera pelo lançamento tributário, procedimento de competência privativa da autoridade administrativa." (destacamos)

Na lavra de seu voto, a Ministra suscitou o precedente de junho de 2007, acima transcrito, exaltando, como visto, a natureza tributária do crime de descaminho, sendo acompanhada em seu voto condutor pelos Ministros Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura.

Com a devida venia, acertado tal posicionamento, tendo em vista o disposto no artigo 83 da Lei 9.430/96 (clique aqui), regulamentado pelo artigo 1º do Decreto 2.730/98, o qual menciona o crime de descaminho e o crime contra a ordem tributária, como sendo condutas que, ao serem verificadas pela Autoridade Fiscal, após a decisão final, na esfera administrativa, serão objeto de representação fiscal para fins penais encaminhada ao Ministério Público.

Inegável, pois, que o crime de descaminho, possui natureza tributária, quer seja pelas razões acima aduzidas quer seja por uma simples interpretação literal da sua definição legal: "iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria" (descaminho - art. 334, 2ª parte do CP).

Nítido pois, que o Código Penal ao estabelecer o tipo penal de descaminho busca tutelar o interesse arrecadador do Estado Brasileiro, ou seja, como nos crimes contra a ordem tributária, a preocupação do legislador foi em garantir a arrecadação dos seus Direitos e Impostos em razão do ingresso na mercadoria no território brasileiro.

Tal entendimento nos parece lógico e correto uma vez que é da essência desse tipo penal a existência de diminuição e ou não pagamento total dos direitos e impostos devidos no momento da entrada no território nacional - assim como aduz o tipo penal - portanto, para que se saiba qual imposto e quais os valores foram diminuídos e/ou não pagos, imprescindível que o crédito tributário seja regular e legalmente constituído por meio de ato da Receita Federal do Brasil.

Ora, caso não se saiba qual imposto e que valor foi suprimido no momento do ingresso da mercadoria no território nacional como poderá ser imputada essa tipificação penal ao suposto autor do ato indicado?

Resta, portanto, demonstrado que os Tribunais Superiores estão modificando seu posicionamento sobre o tema proposto, confirmando-se a tese de que o descaminho é um tipo penal tributário material, ou seja, apresenta como condição objetiva para punibilidade a necessidade da constituição definitivo do crédito pela autoridade fiscal, respeitando-se o curso normal do processo administrativo.

O entendimento trazido pelo Superior Tribunal de Justiça vai de encontro à lógica e ao bom senso, uma vez que sem o crédito tributário efetivamente constituído, sem possibilidade de defesas e recursos administrativos, não é possível se saber qual imposto foi efetivamente suprimido no momento da entrada da mercadoria no território nacional.

Necessário ressaltar, por derradeiro, que esse entendimento alinha-se também com princípio da economia processual, uma vez que uma denúncia crime sem essa condição poderá ensejar o dispêndio de inúmeras horas de trabalho do judiciário, que poderá ter todo seu trabalho frustrado caso a Receita Federal do Brasil conclua pela inexistência de qualquer crédito e ou imposto suprimido.

Assim, abre-se a hipótese - e o precedente -, da possibilidade de eventual trancamento de inúmeras ações criminais em trâmite nas Justiças Federais de todo o país, haja vista que muitas destas se iniciaram antes do término e conclusão do procedimento administrativo fiscal, e, em muitas delas, o respectivo procedimento sequer foi iniciado.

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*Sócio do escritório Morais - Advogados Associados

**Advogado





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