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Terceirização de serviços e a necessária elaboração de uma norma legal

José Eduardo Duarte Saad

Bem se sabe que existe um razoável vazio legal sobre terceirização de serviços, inobstante o disposto no art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho, da Lei n. 6.019/74 e da Lei n. 7.102/83. Ele é preenchido pelos termos da Súmula n. 331, do Tribunal Superior do Trabalho.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Atualizado às 07:16


Terceirização de serviços e a necessária elaboração de uma norma legal

José Eduardo Duarte Saad*

I) Terceirização de serviços e a ausência de norma legal. Suas conseqüências negativas:

Bem se sabe que existe um razoável vazio legal sobre terceirização de serviços, inobstante o disposto no art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui), da Lei n. 6.019/74 (clique aqui) e da Lei n. 7.102/83 (clique aqui). Ele é preenchido pelos termos da Súmula n. 331, do TST.

Todavia, a aplicação dessa súmula tem provocado uma apreciável insegurança jurídica para os trabalhadores e para os empresários em geral, não sendo aconselhável que ela seja mantida ou estimulada neste momento da atividade econômica nacional e internacional. Impõe-se que essa matéria seja regulamentada por um diploma legal.

A Súmula n. 331, do TST, está vazada nos seguintes termos:

"Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988 - clique aqui).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666, de 21.6.1993 - clique aqui)".

Nessa linha de construção de regras pela jurisprudência, observa-se que foram aprovados 3 Enunciados sobre "terceirização" pela "1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho", encerrada no dia 23.11.07, no TST. Ei-los:

"Enunciado n. 10 - "Terceirização. Limites. Responsabilidade solidária. A terceirização somente será admitida na prestação de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as empresas";

"Enunciado n. 11 - "Terceirização. Serviços públicos. Responsabilidade solidária. A terceirização de serviços típicos da dinâmica permanente da Administração Pública, não se considerando como tal a prestação de serviço público à comunidade por meio de concessão, autorização e permissão, fere a Constituição da República, que estabeleceu a regra de que os serviços públicos são exercidos por servidores aprovados mediante concurso público. Quanto aos efeitos da terceirização ilegal, preservam-se os direitos trabalhistas integralmente, com responsabilidade solidária do ente público";

"Enunciado n. 16 - "Salário. I - Salário. Princípio da isonomia. Os estreitos limites das condições para a obtenção da igualdade salarial estipulados pelo art. 461 da CLT e Súmula n. 6 do Colendo TST não esgotam as hipóteses de correção das desigualdades salariais, devendo o intérprete proceder à sua aplicação na conformidade dos artigos 5º, caput, e 7º, inc. XXX, da Constituição da República e das Convenções 100 e 111 da OIT. II - Terceirização. Salário eqüitativo. Princípio da não-discriminação. Os empregados da empresa prestadora de serviços, em caso de terceirização lícita ou ilícita, terão direito ao mesmo salário dos empregados vinculados à tomadora que exercerem função similar".

Essa "1ª Jornada" foi realizada sob promoção conjunta da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho - ANAMATRA, do próprio TST e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho - ENAMAT, com a participação de magistrados do trabalho, membros do Ministério Público do Trabalho, advogados, professores e auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. Nessa oportunidade, foram aprovadas 79 ementas. É curial que tais Enunciados não têm um caráter jurisdicional. Eles demonstram, apenas, uma tendência intelectual dos participantes desse evento. São eles um indicativo de como serão, em sua maioria, os julgamentos em especial de 1ª instância.

Note-se, neste passo, que nos posicionamos a favor da tese de que a terceirização não se há de restringir às atividades-meio de uma empresa, como consta da Súmula n. 331, do TST.

Como crítica a essa Súmula, dizemos que cabe ao administrador do empreendimento verificar o que mais lhe convém, isto é, se a terceirização deve limitar-se a algo que não se relacione com a sua atividade principal ou se esta poderá, também, ser incluída no processo.

Ora, a Constituição Federal não abriga qualquer disposição que vede tal tipo de negócio jurídico e, por via de conseqüência, inexiste lei ordinária que proíba semelhante operação.

Está o empresário, em seu labor, sob a proteção de dois dispositivos da Lei Fundamental, quais sejam o art. 5º, XIII e art. 170. O primeiro estabelece que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Nada e nem ninguém podem impedir o exercício de atividades lícitas inerentes à administração de uma empresa.

Mas essa liberdade sofre, ainda no plano constitucional, certo condicionamento. É o que deflui do segundo dispositivo citado (art. 170) da Lex Legum:

"A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social...".

A liberdade econômica ou a livre iniciativa não podem ser levadas a extremos que importem no aviltamento do trabalho humano. Os assalariados, por seu turno, estão impossibilitados de exigir vantagens e privilégios que põem em risco o bem-estar de todos, ou melhor, da comunidade. Como se vê, vários são os planos da liberdade que se limitam reciprocamente.

Recorde-se que o princípio da legalidade, albergado na Constituição, tem o seguinte significado para o particular: "este é livre de praticar o ato desde que não seja proibido por lei".

Já para o Poder Público, o princípio da legalidade tem outro significado, qual seja "ele só pode praticar aquilo que estiver previsto em lei".

Colocada a questão nesses termos, observa-se que é importantíssimo que se elabore norma legal, na forma da Constituição, no sentido de disciplinar a contratação por uma empresa de todas suas atividades empresarias - fim ou meio - para serem executadas por uma ou mais outras empresas.

E mais.

É ponto pacífico que os trabalhadores, que trabalham por força de um contrato de terceirização, merecem uma atenção especial no que tange às normas de segurança, higiene e medicina do trabalho em virtude da próprio realidade em que se desenvolve tais trabalhos terceirizados. Muitas vezes, a empresa contratada e seus trabalhadores não têm o completo domínio das condições ambientais existentes na empresa contratante.

Nesse caso, deve o Ministério do Trabalho e Emprego lançar mão da faculdade que lhe outorga o art. 200, da CLT, para acrescentar certas normas relativas à contratação de serviços terceirizados dentro da Portaria n. 3.214/78, que trata da segurança, higiene e medicina do trabalho. Assim procedendo, esse órgão ministerial dará maior efetividade às normas relativas a essa matéria, como todos reclamam.

Ora, existe uma distinção entre eficiência, eficácia e efetividade. A ciência da administração ensina que eficiência não se confunde com eficácia. Enquanto a eficiência está relacionada com a excelência dos meios utilizados para consecução dos objetivos, a eficácia refere-se ao resultado, aos fins efetivamente perseguidos. Da conjugação desses fatores surge o conceito de efetividade, obtida com a adequação de meios e fins. Assim, a eficiência corresponde à otimização dos meios, a eficácia, à consecução do fim esperado ("fazer a coisa certa") e a efetividade corresponde à conjugação desses dois fatores, "fazendo a coisa certa da maneira certa". Aliás, de uns tempos a esta parte, a expressão "efetividade" está sendo utilizada na ciência processual: "a efetividade da jurisdição", por exemplo.

Estas são nossas considerações iniciais antes de adentrarmos no exame da recente minuta de anteprojeto de lei, elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e colocada sob o crivo de consulta pública no mês de dezembro passado em seu site oficial.

II) Minuta de anteprojeto de lei elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Virtudes e vícios:

Como nós apontamos acima, hoje, não temos uma lei disciplinando integralmente a terceirização. A ausência dessa lei provoca inúmeras distorções, o que estimula a precarização dos trabalhos de um trabalhador, além de agravar, também, a insegurança jurídica do empregador. A Súmula n. 331, do TST, é insuficiente e sua aplicação ainda mais agrava essa situação.

Essa súmula, além de não ser lei, mas mera criação jurisprudencial do C. TST, não abrange todas as questões presentes nessa matéria, trazendo, com isso, uma enorme insegurança jurídica a todos.

Por essa razão, mister se faz a elaboração rápida de um marco legal para tratar da terceirização dos serviços, com o fornecimento, ou não, de materiais. E este é um dos objetivos da minuta do Anteprojeto de Lei elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego: estabelecer um marco legal regulamentador para a contratação de serviços terceirizados.

Do exame dessa minuta de anteprojeto de lei, constata-se que existem nela algumas virtudes, tais como:

a) elimina a precarização do trabalho do trabalhador e dá ao empregador maior segurança jurídica, posto que fixa o entendimento de que existe, por exemplo, a possibilidade de terceirização de serviços relativos a qualquer tipo de atividade da empresa contratante, seja ela atividade-meio, seja atividade-fim;

b) esclarece que só será admitida a terceirização de serviços especializados. Entende-se como serviço especializado nessa minuta de anteprojeto de lei aquela atividade prevista no objeto do contrato social da empresa contratada. Por exemplo: empresa de informática, só poderá prestar serviços terceirizados de informática. Não poderá ela, por exemplo, prestar serviços de administração ou de limpeza. Os serviços deverão ser específicos e conforme os limites do objeto social da empresa contratada;

c) faz a distinção entre responsabilidade subsidiária e responsabilidade solidária da empresa contratante;

d) serão garantidos aos trabalhadores terceirizados os benefícios próprios da sua categoria profissional específica e não aqueles previstos no regramento coletivo da empresa contratante onde prestam serviços;

e) ....etc.

Apesar dessas virtudes, observamos que tal minuta ostenta alguns vícios, que precisam ser neutralizados, com a lapidação de sua redação. Eis alguns deles:

a) Da aplicação a todos os contratos. Seus riscos: nos moldes como foi redigido o texto final da minuta elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a regulamentação pretende ser aplicável a todos os contratos civis e mercantis, que envolvam a prestação de serviços, com ou sem fornecimento de materiais, mesmo quando esses serviços sejam prestados fora do estabelecimento da empresa contratante. Veja-se, por exemplo, esta situação de uma empresa montadora de veículos, que contrata uma outra indústria para lhe fornecer os freios, ou, então, que contrata uma empresa para fornecimento de tapetes de seus automóveis. Outro caso é o da indústria de calçados, que contrata serviços de outras empresas especializadas para cortar, costurar etc sapatos. Essas empresas contratadas teriam que abrir a folha de pagamento dos salários de todos seus empregados para a empresa contratante, quebrando, inclusive, o sigilo de suas informações contábeis. Ela provoca, nesse passo, uma inaceitável burocratização nas atividades comerciais das empresas em geral.

O art. 1º, dessa minuta, está redigida da seguinte forma: "Os contratos de prestação de serviços terceirizados, assim considerados aqueles executados por uma contratada, pessoa jurídica especializada, para uma contratante, pessoa física ou jurídica de direito privado, serão pactuados na forma desta Lei. Parágrafo único. Considera-se pessoa jurídica especializada aquela que possua em seu objeto social atividades específicas relacionadas ao serviço contratado".

Podemos pensar na seguinte redação do art. 1º, restringindo essa lei à terceirização de serviços, com fornecimento de materiais ou não, a serem executados dentro das próprias instalações da empresa contratante, desburocratizando tal tipo de contratação:

"Art. 1º - Os contratos de prestação de serviços terceirizados, com o fornecimento ou não de materiais, assim considerados aqueles executados por uma contratada, pessoa jurídica especializada, nas dependências internas de uma contratante, pessoa física ou jurídica de direito privado, serão pactuados na forma desta Lei."

Além disso, apesar de defendermos a manutenção do parágrafo único do art. 1º, da minuta em análise, pensamos ser conveniente a inserção de um parágrafo 2º, vazado nos seguintes termos:

"§ 2º - Ficam excluídos desta lei os contratos de prestação de serviços em que figure como contratada uma pessoa jurídica de profissionais liberais, desde que inexista a subordinação direta, jurídica ou técnica, dos trabalhadores desta à contratante."

Claro está que, com essa nova redação, deverá haver adaptação redacional de outros artigos dessa minuta de anteprojeto de lei. Por exemplo, adaptação da redação do art. 2º, III, art. 7º, II, e art. 10.

b) Da responsabilidade da contratante (art. 7º , II): da maneira como esta lançada essa responsabilidade prevista no art. 7º , II, dessa Minuta de Anteprojeto, houve a transferência de obrigações próprias de um empregador, no caso empresa contratada, para uma empresa contratante, que não tem vínculo jurídico algum com os trabalhadores da primeira (como por exemplo a ampliação dos refeitórios, ambulatórios, etc...);

c) Do regramento coletivo: é preciso deixar mais clara a redação do art. 8º, no sentido de que fique assegurado aos trabalhadores terceirizados os direitos previstos no regramento coletivo de sua categoria profissional, e não no regramento coletivo da categoria preponderante dos trabalhadores da empresa contratante. A redação mais adequada é no seguinte sentido: "Os direitos e obrigações dos trabalhadores da contratada serão aqueles existentes nas convenções coletivas de trabalho e nas sentenças normativas de sua categoria profissional".

Além do expurgo desses vícios, entendemos que essa minuta de anteprojeto de lei deve contemplar a situação de que a empresa contratante não seja considerada responsável por multas legais de qualquer natureza ou contratuais em que a contratada nelas incorra em virtude do inadimplemento das obrigações decorrentes do contrato celebrado na forma dessa minuta, tais como aquelas previstas no art. 467 e no art. 477, § 8º, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Esse situação por nós indicada tem a justificativa de que a contratante não pode ser responsabilizada por multas legais ou contratuais que surgirem em virtude de atos ou omissões praticados pela empresa contratada. Aliás, a jurisprudência recente tem se inclinado para este sentido de nosso pensamento.

A minuta desse anteprojeto de lei merece um outro esclarecimento que, sendo a prestação de serviços terceirizados ajustada, a falência, a recuperação judicial ou a insolvência civil da pessoa jurídica contratada, antes ou após o término desse contrato, não implicará na responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

Outro acréscimo de um parágrafo deverá ocorrer no art. 5º dessa minuta. Deve ficar aí esclarecido que a responsabilidade solidária da contratante prevista nos §§ 1º e 2º desse artigo não será presumida, mas apurada na forma prevista no art. 186, do Código Civil (clique aqui).

Merece haver a inserção desse parágrafo no citado art. 5º da minuta, posto que a responsabilidade da contratante não pode surgir por mera presunção. Deve ser ela apurada na forma do art. 186, do Código Civil, que estabelece o seguinte:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudêcia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilicito".

Conclusões:

1) A elaboração de lei disciplinadora da terceirização no país já se arrasta desde 1985. Até a presente data nada foi feito, o que obrigou o TST a editar a Súmula n. 256, em 30.9.86, hoje revisada pela atual Súmula n. 331, que não abarca todas as sensíveis situações decorrentes de tal tipo de contratação. Aliás, o próprio eminente Ministro Vice-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, José Ajuricaba da Costa e Silva, já sustentava, em fevereiro de 1994, que esse entendimento sumular não podia subsistir por muito tempo, tornando-se absolutamente necessário que fosse elaborada, com urgência, uma lei (conf. s/artigo "Terceirização. A Solução Jurídica Japonesa", in Rev . LTr 58-02/141).

2) Hoje, mais do que nunca, precisamos de maior celeridade na conclusão final dos estudos oficiais relativos à normatização legal de tão relevante questão para o país, notadamente neste momento em que ele é sacudido pela reconhecida crise financeira internacional, que confirma não sermos nós uma ilha dentro de um pretenso paraíso celestial. Toda a sociedade clama por um rápido posicionamento, não podendo o Poder Legislativo ficar inerte diante de tão delicada e complexa matéria. E muito menos o Poder Executivo, pensamos nós.

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*Advogado do escritório Saad Advocacia. Consultor Jurídico da FIESP, membro do Instituto dos Advogados - SP. Ex-Procurador-Chefe do Ministério Público do Trabalho/SP. Ex-Assessor Jurídico de Ministro do STF





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