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Lei e Justiça

Fernando Andrade Ribeiro de Oliveira

A questão relativa à eficácia do Poder Judiciário, também no que diz respeito à punição de pretensos criminosos, particularmente daqueles condenados por sentença ainda não transitada em julgado, revigorou-se intensamente nos últimos tempos. Muitos cobram daquele Poder postura mais ativa, com menor apego à letra da lei, se necessário for para que se responda ao sentimento de justiça predominante na sociedade. Outros sustentam que a justiça deverá ser aquela contida na lei, rigorosamente interpretada conforme o que nela está escrito, pena de colocar-se em risco a segurança jurídica.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Atualizado em 22 de maio de 2009 11:06


Lei e Justiça

Fernando Andrade Ribeiro de Oliveira*

A questão relativa à eficácia do Poder Judiciário, também no que diz respeito à punição de pretensos criminosos, particularmente daqueles condenados por sentença ainda não transitada em julgado, revigorou-se intensamente nos últimos tempos. Muitos cobram daquele Poder postura mais ativa, com menor apego à letra da lei, se necessário for para que se responda ao sentimento de justiça predominante na sociedade. Outros sustentam que a justiça deverá ser aquela contida na lei, rigorosamente interpretada conforme o que nela está escrito, pena de colocar-se em risco a segurança jurídica.

Dogma invocado como de indispensável e estrita obediência para a vigência de um estado democrático de direito.

O tema que de há muito é objeto da preocupação dos juristas, foi em parte objeto de artigo de nossa autoria publicado em maio de 2005. Dizíamos, então, que para ser eficaz, atendendo, com eficiência, aos reclamos da sociedade, impende que o juiz, ao decidir a questão submetida à sua jurisdição, busque sempre reduzir a distância que afaste a lei do direito. Para que, como advertia Kirchman já há mais de século e meio, o espaço que com o tempo vai se abrindo entre ambos, visto que a lei é rígida e progressivo o direito, não converta a lei em falsidade.

Ou como disse o Desembargador Aprígio Ribeiro, quando do discurso que proferiu em 1959, como paraninfo dos formandos da então denominada Faculdade Mineira de Direito, "a socialização e humanização do direito são dois processos que se desenvolvendo paralelos à elaboração legal, permitem que as ordenações escritas não percam logo a sua vitalidade vindo a reclamar o destino das antiqualhas de museu".

A questão nos remete a uma indagação que ocupou a mente dos pensadores desde a antiguidade, como lembra Cláudio Lembo, em artigo publicado no Informativo do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP: qual o melhor governo? Será o governo dos homens ou o governo das leis?

A "busca do melhor governo: o governo dos homens ou o governo das leis" é uma indagação que sempre esteve na mente dos pensadores, desde a antiguidade. Até que vencida foi pela opção feita com a vitória das revoluções burguesas, momento em que o "governo das leis definiu-se como o mais apto a garantir os direitos das pessoas, na forma proclamada pelas solenes declarações do Século XVIII", no dizer do Professor mencionado.

Com essa escolha, e a conseqüente tripartição dos poderes estatais, ficou assegurado ao Poder Judiciário o exercício soberano da função jurisdicional que implica, também, no controle da constitucionalidade dos atos praticados pelos demais Poderes. Expandindo-se, então, e voltamos ao Professor mencionado, a função jurisdicional no espaço do Estado. O que levou o Poder Judiciário a abandonar sua postura neutra, limitada a aplicar a lei ao caso concreto que lhe era submetido e passando a analisar os textos legais de conformidade com o momento do julgamento. Seja, levando em conta a progressividade do direito passou-se a admitir que a lei não deva ser interpretada como um texto frio e atemporal, desprezando-se, por inteiro, o sentimento de justiça que a deve inspirar porque predominante na sociedade quando de sua efetivação. Até porque sabemos todos que afinal a lei é aquilo que os tribunais dizem que é.

Contudo, convenha-se que frequentemente não será fácil, por vezes talvez nem mesmo possível, que submetido um caso concreto à apreciação do juiz este tenha como identificar o princípio de justiça dominante na sociedade com prevalência tal que deva reger a decisão a ser por ele proferida.

Ou até mesmo se sempre haverá um sentimento de justiça que, a propósito, predomine como afirma a Professora Fátima Baracho Macaroun, em artigo publicado por este Estado de Minas, "o princípio de justiça tem concepções bem variadas quando analisado a partir da diversidade social e cultural de cada sociedade, sendo empregado sob diferentes formas".

De fato. Focada, por exemplo, a atenção no Brasil, país muito amplo e com realidades sociais e culturais por vezes radicalmente diversas, há de se convir em que o sentimento de justiça, em cada uma delas, varia por vezes substancialmente ao longo de seu território.

Muito a propósito, a referência que o Professor Denis Rosenfield, em artigo publicado em um jornal carioca, faz ao fato de que em algumas aldeias indígenas o infanticídio é prática comum, cabendo ao livre arbítrio dos pais manterem ou não em vida um recém-nascido. Prática que, culturalmente admitida, importaria em relativizar uma cláusula pétrea da CF (clique aqui que assegura o direito à vida. Além de agredir frontalmente direito fundamental inerente a todos ser humano.

Claro, o exemplo se vale de uma situação limite. Mas que exprime, maximizada embora, a diversidade das culturas dominantes no país. E, via de conseqüência, a dificuldade do magistrado em julgar levando em conta, na interpretação da lei, dada sua uniformidade em todo o território nacional, sentimento de justiça que se nele se possa ter como predominante.

Dificuldade agravada pela prevalência da visão de um federalismo simétrico que desconsidera a heterogeneidade, social e cultural, do país.

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*Presidente da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil. Membro do Conselho Superior do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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