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As ações revisionais e as novas Súmulas do STJ

Glauber M. Talavera

Reproduzindo as perfídias e ludíbrios da cortina lírica da ópera de Pietro Mascagni - Cavalleria Rusticana, surpreendentemente perseveram entre nós as altercações acerca das taxas de mútuo bancário e, como corolário desta babel, a profusão de ações revisionais.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Atualizado em 15 de junho de 2009 11:31


As ações revisionais e as novas Súmulas do STJ

Glauber M. Talavera*

Reproduzindo as perfídias e ludíbrios da cortina lírica da ópera de Pietro Mascagni - Cavalleria Rusticana, surpreendentemente perseveram entre nós as altercações acerca das taxas de mútuo bancário e, como corolário desta babel, a profusão de ações revisionais.

A taxa praticada na contratação de mútuo bancário é, com efeito, resultado de uma conjunção complexa de fatores sistêmicos diversos, alguns de cunho econômico, outros de caráter jurídico, outros ainda de natureza estrutural, que atuam como elementos componentes da margem de spread que as instituições integrantes do sistema financeiro nacional, para sua intermediação, inserem nas operações de concessão de crédito que realizam.

Sobre a desarrazoada pretensão de tabelamento dos juros bancários, a promulgação da Carta Magna, em 5 de outubro de 1988 (clique aqui) teve repercussão assaz importante nos contratos de mútuo bancário. Com efeito, a redação do art. 192, § 3º. da Norma Fundamental prescrevia limitação aos juros reais praticados no país. A partir de então, debates contundentes acerca da auto-aplicabilidade ou não da norma insculpida no texto constitucional passaram a ser travados.

Após a elaboração do Parecer SR-70 do então Consultor Geral da República, Saulo Ramos, asseverando a imprescindibilidade da promulgação de lei complementar regulamentadora do sistema financeiro nacional para conferir eficácia plena ao dispositivo limitador dos juros reais cobrados na dinâmica do mercado financeiro, o Partido Democrático Trabalhista propôs ação direta de inconstitucionalidade distribuída sob o nº. 4-7, pugnando pela auto-aplicabilidade da norma fixadora do teto dos juros reais. O STF, por seis votos a quatro, julgou a ação improcedente, entendendo que, efetivamente, a aplicabilidade da limitação estipulada pelo constituinte estava, por vontade do próprio poder constituinte originário, sujeita à promulgação de lei complementar regulamentadora do sistema financeiro nacional.

O julgamento da ADin 4-7 foi a senha para que fosse apresentado um sem-número de projetos de lei que dispunham acerca da regulamentação do sistema financeiro nacional, reproduzindo, com algumas variações, a limitação à cobrança de juros reais a 12% ao ano estampada no art. 192, § 3º da CF/88.

Entre tantos projetos, a maioria de qualidade duvidosa, cabe menção, a título ilustrativo para meramente melhor referenciar a questão objeto de exame, ao PL 36/00, de autoria do ex-Senador Carlos Bezerra (PMDB/MT). O projeto regulamentava o §3º do art. 192 da CF/88 e dispunha sobre a cobrança de juros reais máximos de 12% ao ano praticados em todas as operações de concessões de crédito realizadas quer por integrantes quer por não integrantes do sistema financeiro nacional. Pela conceituação adotada, de tecnicidade questionável, considerou-se juros reais "o excedente da taxa nominal de juros, nela incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente vinculadas à concessão do crédito, sobre a variação do Índice de Preços ao Consumidor - IPC no período de tempo a que se referir a taxa nominal". A cobrança de juros em patamares superiores ao limite imposto foi descrita como crime - fato típico e antijurídico - cuja prática por instituição integrante do sistema financeiro nacional teria como conseqüência a punição de seus diretores com pena de reclusão de um a dois anos, sem prejuízo de multa correspondente ao dobro do valor do crédito concedido sobre o qual incidiria taxa de juros real superior ao limite estabelecido na lei. Por fim, fulminava com nulidade de pleno direito as garantias contratualmente constituídas com objetivo de assegurar o cumprimento de obrigações assumidas em avenças contendo estipulações vedadas pela lei impositiva de limitações à contratação de juros acima do patamar estabelecido.

O projeto de lei referenciado é emblemático, pois a pregação pelo tabelamento dos juros praticados no mercado financeiro foi progressivamente angariando novos adeptos e estabelecendo uma caixa de ressonância, tanto na doutrina como na jurisprudência, embora notadamente adstrita aos que desconheciam a matéria.

Todavia, em boa hora, a tese defendida por aqueles que tencionavam submeter a contratação de mútuo bancário a uma espécie de tabelamento sucumbiu, perdendo seu principal ponto de apoio por força do termo inicial de vigência da EC 40 (clique aqui), que em 29/5/03 revogou os incisos e parágrafos do art. 192 da Carta Magna, suprimindo do texto constitucional, consequentemente, a estipulação restritiva acerca da cobrança de juros. Em boa hora porque o tabelamento puro e simples, apriorístico e em termos absolutos, dos juros praticados no mercado financeiro parece-nos medida desarrazoada, defendida por aqueles que, no afã de dar vazão a seu inconformismo por supostos abusos praticados pelas instituições integrantes do sistema financeiro nacional, desconhecem as especificidades do objeto - os juros, frutos do capital, contrapartida pela disponibilidade do dinheiro, um dos preços essenciais da economia.

Tantas e tão diversas entre si são as variáveis que atuam na determinação da taxa de juros praticada pelos agentes do mercado financeiro, que não se concebe submetê-las a um mecanismo imobilizador de suas flutuações provocadas ora por influxos endógenos ora por influências exógenas (neste sentido, Frederick Schauer. Las reglas en juego: Un examen filosófico de la tomada de decisiones baseada en reglas en el derecho y en la vida cotidiana).

Em suma, o descabimento da medida que impõe o tabelamento da taxa de juros praticada no mercado financeiro decorre da inconveniência prática representada pela sujeição de um preço da economia que é, em última análise, produto de uma conjugação complexa de fatores sistêmicos a um limite pré-estabelecido, estático, que, absolutamente, não reflete a dinâmica do contexto em que estão inseridos os agentes que atuam no mercado financeiro.

Num cenário que tem a volatilidade como marca registrada é inoportuno e inconveniente privar a autoridade monetária nacional da possibilidade de manejo do arsenal instrumental de que dispõe para defender a moeda nacional de ataques especulativos e, desta forma, adequar o nível de liquidez e o volume de crédito da economia aos padrões exigidos em face dos macro objetivos perseguidos. A pré-fixação dos juros, à revelia das forças de mercado é, por este motivo, um despropósito.

Conquanto a EC 40 tenha sido concebida com o evidente propósito de extinguir a controvérsia sobre o tabelamento dos juros e, neste mesmo sentido, tentando reproduzir a melodia da sonora flauta mágica de Mozart, tenha sido arquitetada para por termo à banalização da propositura de ações revisionais, cuja multiplicidade está relacionada menos ao suposto inconformismo dos autores e mais ao ingente trabalho de inculcação por meio da publicidade imoderada veiculada por alguns advogados, o problema ainda persiste em face de ideologia que, ao que parece, fez morada em alguns setores do Judiciário cujas decisões nos trazem à lembrança o surrealismo do pintor catalão Joan Ponç e do romeno Victor Brauner.

Olvidando, entre outros muitos, o voto antológico do Ministro Ari Pargendler no julgamento do REsp 407.097-RS (clique aqui) e o voto lapidar do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito proferido no julgamento do REsp 271.214-RS (clique aqui), os setores insurgentes do Judiciário levaram o STF a editar em 20/6/08 a Súmula Vinculante 7 (com redação idêntica à da Súmula 648 do STF - clique aqui ), na qual vociferou uma vez mais contra os que desconhecem a matéria e insistem em enfunar o peito contra os Tribunais Superiores e fomentar o tabelamento dos juros por meio de decisões que, não bastassem primar pela atecnia, têm o condão, cada qual, de arregimentar nova brigada de inadimplentes que ensejam salvo-conduto para livrar-se das peias de suas obrigações (vide Noam Chomsky, The architecture of language).

Neste mesmo sentido, a Segunda Seção do STJ, como descritor normativo que refere-se a fatos passados e prescritor de condutas futuras, também padecendo dos efeitos colaterais de tais decisões de bruscos diapasões, recentemente editou a Súmula 380, na qual assevera que a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Mais que isso, o STJ editou a Súmula 381 que preceitua que nos contratos bancários é vedado ao julgador conhecer de ofício a abusividade das cláusulas e, ainda, editou a Súmula 382, na qual estabelece que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Desta forma, ressalvados os exageros que devem ser coibidos em qualquer seara, com a edição destas Súmulas que definitivamente juridicizam estes fatos e os subsumem às normas, resta totalmente exaurida sua análise sob as perspectivas da sintática, da semântica e da pragmática. Assim, com apelo meramente teorético, o discurso sobre as limitações de juros e as ações revisionais doravante ganha exclusivamente os campos etéreos da metafísica, sendo página virada na experiência concreta do mundo da vida.

Em outras palavras, parafraseando a esperança de Maquiavel em suas Histórias Florentinas: "Cosa fatta, capo ha", ou seja, "O que tem começo tem fim".

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*Advogado e professor do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas





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