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O poder pessoal e o poder institucional - O perigo da confusão entre os dois

Já escrevi e falei sobre este tema inúmeras vezes - o Poder Pessoal e o Poder Institucional - e acho que vou continuar a escrever e a falar. Como uma pregação!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Atualizado em 23 de junho de 2009 10:31


O poder pessoal e o poder institucional - O perigo da confusão entre os dois

Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza*

Já escrevi e falei sobre este tema inúmeras vezes - o Poder Pessoal e o Poder Institucional - e acho que vou continuar a escrever e a falar. Como uma pregação! As manchetes, as imagens e as vozes estão na mídia, a nos assustar e a nos envergonhar: a farra das passagens, o uso indevido do cartão corporativo, as "assessoras domésticas", as verbas indenizatórias, os favorecimentos estranhos, as negociatas, as propinas, a briga de dois juízes supremos.

Legislativo, Executivo e Judiciário, órgãos montesquianos do Poder do Estado, a confundirem o poder pessoal e o poder institucional ! Por quê ? Por questões de consciência frouxa, em alguns casos, ou por esquecimento (ou desconhecimento) dos antigos e sempre atuais princípios da imprescindível Teoria Geral do Estado.

Com o surgimento do Estado Moderno (século XIII), entendido como a "institucionalização do Poder", aparece um necessário desdobramento entre o titular do Poder, que é o Estado (tendo como fonte desse poder o povo) e os agentes do exercício desse poder, que são os governantes, os administradores, os legisladores, os julgadores e os servidores públicos. Agentes eleitos ou investidos legalmente na função.

Na vida da Sociedade e do Estado, terão que conviver, sem se confundir, as duas modalidades de poder, o pessoal e o institucional. O poder pessoal é inerente à pessoa; é a capacidade de opção individual, que é própria do ser humano, dotado de razão. Esse poder, que Rousseau chama de soberania individual, inalienável, viverá no indivíduo, para objetivos seus, particulares.

Constituído o Estado, surge o poder institucional, entendido como a força que a própria pessoa tem, ou melhor, exerce, não por inerência pessoal e, sim, em virtude do cargo ou posição que ocupa na instituição chamada Estado. Esse poder, funcional, não é para objetivos pessoais e, sim, para a obtenção de fins públicos, não disponíveis ao bel-prazer do agente.

É o poder que permite, por exemplo, ao juiz, um ser humano como os demais, possa julgar o seu próprio semelhante, absolvendo-o ou condenando-o, adjudicando-lhes bens ou dele os tirando! É um imenso poder, sim, porém a ser exercido num determinado ordenamento jurídico e dentro de sua jurisdição, com observância rígida do due process of law.

Apenas o entendimento do poder institucional explica o fato louvável (e de se esperar) de um ocupante de elevada posição oficial ou social compreender a exigência de exibir um documento, quando solicitado a fazê-lo por um "simples" guarda de trânsito, esse, sim, no exercício pleno e legítimo de seu posto.

O poder institucional explica que um sargento discipline, hoje, o aluno do CPOR e que venha, amanhã, a ser comandado pelo novo oficial. As pessoas são as mesmas; as posições institucionais é que se trocaram.

Hans Kelsen adverte, com toda propriedade, que "o verdadeiro sentido do poder estatal não é o de que um homem está submetido a outro homem, mas, sim, o de que todos os homens (governantes e governados) estão subordinados às normas."

Infelizmente o que se vê na prática neste 120° aniversário da República do Brasil, com lamentável, condenável e crescente freqüência (por ignorância ou por má-fé), é a confusão dos dois conceitos por quem nunca deveria, nem poderia, fazê-lo. O art. 37 da CRFB manda que a administração pública seja feita com moralidade e impessoalidade!

O cartão de crédito, o apartamento, o carro e os cargos de confiança ditos funcionais, que já são benesses (pode-se entendê-las até como necessárias), evidentemente que não podem ser usados como bens particulares, pessoais. Os contratos com empresas para execução de serviços públicos têm que existir, é lógico, mas não para propiciar vantagens pessoais e espúrias aos administradores institucionais.

Uma discussão entre juízes de um colegiado, doutrinária, jurídica, até dura e áspera às vezes, é saudável e institucional, mesmo em sessão secreta. Porém um imperdoável bate-boca pessoal, irreverente, ainda que permeado de "vossas excelências", é qualquer coisa de inconcebível.

Todos esses desvios de conduta, maiores ou menores, criminosos ou vexatórios, nos entristecem e nos fazem pensar na falta de preparo, de consciência ou de controle, de muitos homens públicos. Não conhecem esses nem a teoria nem a prática (ou delas se "esqueçam") da distinção entre o poder pessoal (pelo qual o indivíduo deve pagar por seus atos) e o poder institucional (cujo uso indevido faz padecer a nação).

Em Boa Esperança, no sul de Minas, houve, na Velha República, um administrador municipal, chamado Joaquim Cândido Neves, o Capitão Neves. Em sua casa, havia duas escrivaninhas. Uma, sua, pessoal, e a outra, da Câmara, institucional. Caso o assunto a ser tratado fosse particular, o visitante era convidado a se assentar à primeira mesa. Na sua secretária, o fazendeiro Joaquim Cândido fazia negócios seus, pessoais, disponíveis, particulares. Na mesa da Câmara, o Capitão Neves, benemérito alcaide, tomava decisões públicas, sérias, institucionais, em benefício da sua cidade, sem disponibilidades irresponsáveis ou interesseiras.

Estão faltando mais Capitães Neves neste país...

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*Editor-Adjunto da Editora Del Rey







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