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Lavagem de dinheiro e crimes ambientais

Editorial do mês de janeiro/2024.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Atualizado às 14:07

A urgência de se levar a sério a necessidade de reduzir o impacto ambiental negativo das atividades humanas sobre a natureza não pode mais ser questionada. Se, antes, ainda havia quem não acreditasse na gravidade e na dimensão das consequências da atuação do ser humano, hoje já não é possível negar que a qualidade da vida humana em nosso planeta está seriamente ameaçada, dadas as claras manifestações do aquecimento global.

A questão é complexa e precisa ser tratada em diversos níveis para que possamos ter alguma chance de a resolver. Refundar decisões econômicas, sociais e políticas é absolutamente fundamental, devendo o Direito atuar no sentido de operacionalizar mudanças profundas. No âmbito jurídico-penal, vem ganhando força, nos últimos anos, a estratégia de se aplicar o arcabouço legislativo e sistêmico desenvolvido para o sancionamento da lavagem de dinheiro para casos em que crimes ambientais sejam antecedentes da lavagem.

O tema tem sido debatido com maior protagonismo nos principais foros de discussão sobre lavagem ao menos desde 2021, quando o Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF, 2021) publicou o relatório "Lavagem de Dinheiro de Crimes Ambientais", no qual examina o fluxo financeiro, alguns casos concretos e os desafios para se prevenir a lavagem de dinheiro oriunda de crimes ambientais. É importante notar que, dentre os casos mencionados, dois deles ocorreram no Brasil.

Em nosso País, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) também vem mencionando o assunto nos últimos anos. Contudo, agora, nas reuniões ocorridas em 2023, que desenharam as estratégias de atuação na área para 2024, o tema ambiental ganhou imenso relevo, a ponto de quatro, dentre as seis ações definidas para o próximo ano, serem relativas ao meio ambiente:

Ação 03/2024: Propor medidas para fortalecer a prevenção, detecção e punição à corrupção, à lavagem de dinheiro e à lavagem de ativos ambientais relacionadas a crimes contra a flora, mediante o aprimoramento dos mecanismos de rastreabilidade e fiscalização da cadeia produtiva da madeira, bem como o estabelecimento de um fluxograma de procedimentos investigativos que aliem a atuação dos órgãos administrativos, de persecução penal e de tutela coletiva.

Ação 04/2024: Aprimorar os sistemas de rastreabilidade da cadeia produtiva do gado com vistas a evitar a corrupção e a lavagem de dinheiro vinculadas a sua criação irregular em áreas não destinadas a esta finalidade, notadamente em áreas desmatadas de forma ilegal.

Ação 05/2024: Elaboração de Diretrizes Nacionais de Integridade para prevenção e combate a corrupção e fraudes associadas a empreendimentos com impacto ambiental.

Ação 06/2024: Avaliação de riscos de integridade no processo de licenciamento ambiental, como forma de prevenir e combater fraude e corrupção (Brasil, 2023).

É importante mencionar, também, os esforços que vêm sendo feitos para regular e controlar mais detalhadamente a cadeia do ouro, cuja mineração clandestina vem causando impactos de grande monta na Floresta Amazônica, além de gerar graves problemas de saúde aos povos originários e ribeirinhos.

Voltando os olhos à nossa legislação, a redação atual da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) já prevê que qualquer infração penal possa ser antecedente de lavagem de dinheiro, não havendo, portanto, impedimento a se considerar um crime ambiental como antecedente de lavagem. É necessário, de todo modo, que a infração antecedente gere algum proveito, a ser objeto do crime de lavagem de dinheiro. A extração de madeira ilegal, por exemplo, gera um produto que pode ser considerado bem, para fins de aplicação do crime de lavagem de dinheiro. Contudo outras espécies de crimes ambientais não podem, em regra, figurar como antecedente de lavagem, como o de poluição, devendo-se, evidentemente, respeitar a própria lógica de estruturação típica do crime de lavagem de dinheiro.

Todavia os maiores desafios do Direito Penal nessa área não residem em limitações dos tipos penais ou numa suposta insuficiência de pena. Temos, de um lado, uma legislação ambiental bastante abrangente quanto à definição de crimes e, de outro, uma Lei de Lavagem que traz penas elevadas.

O grande desafio consiste em conferir à atuação das autoridades ambientais efetividade e protagonismo. Sem elas, não é possível que o Direito Penal consiga desempenhar seu papel de modo minimamente eficiente. Isso decorre de diferentes motivos. O primeiro deles reside no fato de que o Direito Penal deve manter seu papel subsidiário e fragmentário também nessa área, conferindo-se prioridade às atuações fiscalizatória e sancionatória administrativas. O segundo motivo decorre da própria configuração dos crimes ambientais, cuja ilicitude apresenta aspectos quantitativos e definições estabelecidas pela legislação não penal. Assim, por exemplo, o crime de poluição não se configura com o lançamento de certos gases poluentes por automóveis, desde que respeitados os regulamentos administrativos sobre a matéria, embora saibamos que essa é uma das mais relevantes fontes de poluição do ar. Por fim, deve-se citar que a maioria dos procedimentos penais cujo objeto são crimes ambientais surgem a partir da atuação das autoridades ambientais administrativas. Se elas não estiverem devidamente aparelhadas e estruturadas para fiscalizar, tampouco conseguirá o Direito Penal atuar quando devido.

Também no âmbito da lavagem de dinheiro cuja infração antecedente seja um crime ambiental, deve-se manter essa lógica de primazia dos âmbitos de regulação, prevenção e fiscalização não penais, com o desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos financeiros e econômicos para a atuação nessa área. É preciso que, para além de criar obrigações de monitoramento e informação a setores privados, os órgãos de inteligência e as autoridades ambientais tenham estrutura e orçamento para tratar tais dados e utilizá-los em suas estratégias preventivas e fiscalizatórias. Ao Direito Penal deve, como sempre, caber um papel efetivamente subsidiário, a ser exercido com observância às garantias materiais e processuais incidentes.

Exatamente por se reconhecer a importância da atuação do Direito Penal nesse âmbito é imprescindível que não se aceitem intervenções meramente simbólicas, desestruturantes do discurso e que individualizam problemas que são sociais, econômicos e políticos.

Como citar (ABNT Brasil):

IBCCRIM. Lavagem de dinheiro e crimes ambientais. Boletim IBCCRIM, [S. l.], v. 32, n. 374, [s.d.]. Disponível em: https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/boletim_1993/article/view/899. Acesso em: 20 dez. 2023.

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Referências

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613compilado.htm. Acesso em: 11 dez. 2023.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. 21ª Reunião Plenária da Enccla aprova seis ações de combate à corrupção e lavagem de dinheiro para 2024. Brasília: 24 nov. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/21a-reuniao-plenaria-da-enccla-aprova-seis-acoes-de-combate-a-corrupcao-e-lavagem-de-dinheiro-para-2024. Acesso em: 11 dez. 2023.

FATF. Money Laundering from Environmental Crime. Paris: FATF, 2021. Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/content/dam/fatf-gafi/reports/Money-Laundering-from-Environmental-Crime.pdf. Acesso em: 11 dez. 2023.