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Relatório denuncia violação de direitos humanos na Delegacia de Pinhais/PR

A rebelião de presos na Delegacia de Pinhais

Da Redação

sexta-feira, 8 de abril de 2005

Atualizado às 09:35

 

 

 

Direitos Humanos

 

Relatório denuncia violação de direitos humanos na Delegacia de Pinhais/PR

 

A rebelião de presos na Delegacia de Pinhais, no dia 30/3, expôs o caos a que está sujeita a maioria dos detidos nas cadeias do Paraná. Um relatório elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR depois da rebelião denuncia a violação do direito à vida. "A tortura moral, psicológica e física vai além do que se pode definir como desumano e degradante. A insegurança é de todos: presos e policiais", informa o relatório. O documento, assinado pela secretária da comissão, advogada Isabel Kugler Mendes, foi encaminhado ao presidente da comissão, advogado Cleverson Marinho Teixeira, e ao presidente da OAB/PR, Manoel Antonio de Oliveira Franco.

 

A presidência da OAB/PR vai enviar o relatório a autoridades estaduais - governo do Estado, Secretaria de Estado da Justiça, Secretaria de Estado da Segurança Pública, Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, presidência do Tribunal de Justiça, presidência da Assembléia Legislativa e Ministério Público. De acordo com o documento, a delegacia tem capacidade para 16 presos, mas abrigava 93 no dia da rebelião. Entre eles, sete adolescentes, que foram feitos reféns durante o motim.

 

O relatório informa que a falta de banheiros obriga os presos a urinar em garrafas e defecar em sacos plásticos. Segundo a relatora Isabel Kugler Mendes, dez ou até mais presos se amontoavam em dois beliches existentes em cada cela. Os outros detentos dormiam em pé, agarrados nas grades, porque não havia espaço sequer para se sentarem. O documento aponta ainda problemas como a falta de ventilação; a deterioração dos sistemas hidráulico e elétrico e das grades da cadeia; alimentação insuficiente; e a existência de uma única torneira para servir de chuveiro e bebedouro.

 

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR, Cleverson Marinho Teixeira, a superlotação das cadeias do Paraná prepara "homens-bombas", pré-dispostos a atitudes extremas. Segundo o advogado, os presos são, antes de infratores, seres humanos para os quais a legislação determina tratamento adequado. Teixeira esteve nesta semana na Assembléia Legislativa para participar de uma audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Casa. O secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, foi convocado para dar explicações sobre a situação das cadeias do Paraná.

 

Leia abaixo o relatório assinado pela advogada Isabel Kugler Mendes.

__________

 

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL PARANÁ

 

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

 

 

RELATÓRIO DELEGACIA DE PINHAIS

DATA: 31/3/05 

 

ILUSTRÍSSIMO  DR. CLEVERSON MARINHO TEIXEIRA

 

DD. PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

 

No dia 30 de março de 2005, às 14horas, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraná, na pessoa dos  advogados, Marino Galvão e  Isabel Kugler Mendes, essa Secretaria da Comissão, compareceram a Delegacia de Polícia do Município de Pinhais para, conforme  incumbência recebida DE Vossa Senhoria, do Dr, Cleverson Marinho Teixeira, Presidente da Comissão, para averiguar as ocorrências que vêm se verificando naquela delegacia, como fartamente  tem sido noticiado pela imprensa desde o dia 28 do corrente. 

 

DOS FATOS

 

"GREVE E REBELIÃO

 

A greve de fome dos detentos de Pinhais começou  no almoço de segunda-feira. Eles reivindicavam a transferência de presos já condenados, já que as  da unidade, com  capacidade para quatro pessoas cada, abrigavam um total de 93 detentos. Sem terem as reivindicações atendidas, deram início a uma rebelião, por volta das 2 horas da madrugada. Fizeram sete adolescentes como reféns, quebraram as câmeras de vigilância e arrancaram as grades das celas. A situação foi contornada na terça-feira na carceragem, depois que o  delegado Gerson Machado negociou a transferência de alguns detentos." (Jornal do Estado - caderno "b" - edição 31/03/05)

 

 

DA INSPECÇÃO

 

A visita dos representantes da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania foi iniciada quando, no pátio da Delegacia de Pinhais, alguns  detentos estavam  sendo colocados dentro de um veículo (caminhão), transferidos para outras delegacias da Região Metropolitana, segundo esclarecimento do Superintendente Barbosa. Na seqüência constatou-se que: 

- Parte externa da delegacia: prédio deteriorado - construído há mais de 20 anos - nunca foi reformado e não recebe conservação; não oferece segurança a presos ou funcionários;

 

- Jogadas no pátio três portas de ferro (que foram arrancadas das celas  pelos detentos) totalmente enferrujadas;

 

- No interior da delegacia os sinais de deterioração, pelo tempo de uso, são visíveis em todas as salas usadas pela administração, como as celas com paredes esburacadas, sem pintura, grades enferrujadas;

 

- O primeiro contato feito com os presos foi através de uma pequena grade (parlatório) e, posteriormente, acompanhados pelo Delegado, os representantes da OAB entraram nas celas;

 

- Verificou-se no primeiro momento: que, cerca de dez detentos estavam no corredor almoçando:  a alimentação péssima (feijão e arroz), retirada de panelas largadas no piso,  servida em pratos e outras vasilhas de plástico, Para comer usavam, como talher,  até tubo  de pasta dental vásio e amassado;

 

- Alimentação- duas por dia (almoço e jantar) além de má, ainda insuficiente em razão do aumento populacional diário - o Estado destina 2 reais/dia por preso, com que, segundo o delegado, é impossível comprar uma alimentação digna;

 

- Nas celas superlotadas abrigando ainda 47 presos em condições  lastimáveis e desumanas, era impossível conceber que ali encontravam-se horas antes, mais 37 presos;

 

- Buracos utilizados como latrina estão entupidos, detentos  urinam em garrafas e defecam em sacos plásticos (ao lado das panelas de alimentos encontravam-se diversas garrafas cheias de urina, depois retiradas para entrarmos );

 

- Nas celas uma única torneira que serve de bebedouro e de "chuveiro";

 

- Nos beliches, dois em cada cela, amontoam-se dez, ou mais presos  para dormir e os demais dormem em pé, uns encostados nos outros, agarrados nas grades, porque falta espaço até para sentarem-se;

 

- Condições de higiene nenhuma (os presos relataram que tentam desentupir as latrinas despejando água, com garrafas,  e por vezes as fezes voltam e invadem o piso da cela);

 

- Sistema hidráulico e elétrico totalmente deteriorados - feitos para atender 16 pessoas e  não 100;

 

- As celas não têm ventilação e a unidade não tem solário;

 

- População carcerária tendo, em media, 18 a 21 anos;

 

- Entre os 93 presos havia diversas pessoas doentes - entre esses um portador de hanseníase;

 

- Entre os presos 11 já condenados e recolhidos há quase dois anos,  menores  com quase um mês de prisão e, entre os demais  com mais de cinco meses de detenção;

 

- Muitos presos por delitos simples e sem necessidade  de prisão;

 

- Delegado  Gerson Machado prestou à Comissão todos os esclarecimentos solicitados, demonstrando que há meses vem encaminhando requerimentos, ao Juízo Penal da Comarca, como a outras autoridades competentes, informando e pedindo medidas quanto a situação da delegacia: carceragem, menores, doenças, falta de condições físicas, alimentação e outros, porém sem qualquer solução  

CONCLUSÃO

 

A situação verificada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, com relação a condição dos presos da Delegacia do Município de Pinhais é tão desumana e degradante, que é possível afirmar com toda segurança que ali os direitos humanos, a Constituição da República e o Código Penal foram totalmente relegados e violados pela total falta de condições do sistema.

 

Não se pode desconhecer a culpa  pela prática dos delitos imputados aos  93  homens ali encarcerados, mas não podemos retirar deles o sagrado direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança. São eles também  cidadãos brasileiros e para eles não se pode  negar, pelo menos, a inviolabilidade do direito à vida - mais fundamental de todos os direitos, pois que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.

 

O que se viu dentro daquelas celas infectas, num ambiente que, se definir como de calabouços é pouco, encontra-se apenas o direito à morte.  Diz o preceito constitucional do art. 5º, III, que "ninguém será submetido a tortura e nem a tratamento desumano ou degradante". A tortura moral, psicológica e física a que são submetidos 93 presos em cubículos - sem ventilação, insalubres - feitos para receber 16 pessoas, vai além do que se pode definir como desumano e degradante. A insegurança é de todos: presos e policiais.

 

A pena tem finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novas infrações.  O fim intimidativo da pena visa impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes. O que, considerando que a quase totalidade dos 93  detentos encontram-se penalizados por força de  mandado de  prisão preventiva, jamais poderá ser alcançado. Ao contrário, dentro de cadeias como a de Pinhais, são moldados homens revoltados contra a sociedade e disposto a violentarem e matarem antes de retornarem às condições em que hoje   vivem.

 

Anexamos ao presente relatório os jornais Gazeta do Povo, Jornal do Estado e Estado do Paraná, todos com amplas reportagens sobre a matéria e que  poderão servir de subsídios a esse. Inclusive a Gazeta do Povo  mostra que as delegacias do Paraná estão abrigando 6 mil detentos, sendo a capacidade para apenas 2.322 internos.

 

Na certeza de que Vossa Senhoria e a Presidência dessa Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, tomarão as medidas cabíveis na defesa da sociedade e, em especial daqueles que desafortunadamente são vítimas de um sistema que de há muito necessita ser humanizado, encerramos lembrando  que a dignidade da pessoa humana vem posta como um dos fundamentos do Estado brasileiro no art. 1º,  da Constituição.

 

 

É O RELATÓRIO.

 

ISABEL KUGLER MENDES

Secretaria

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