MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Migalhas Quentes >
  4. TJ/SC - Empresa indenizará devedor por cobrança de dívida no local de trabalho

TJ/SC - Empresa indenizará devedor por cobrança de dívida no local de trabalho

A 2ª câmara de Direito Civil do TJ/SC condenou a empresa Wama Cobranças ao pagamento de danos morais no valor de R$ 2 mil a A.P., pela remessa de cobrança ao serviço dele. A decisão reformou sentença da comarca de Porto Belo/SC e reconheceu o constrangimento do funcionário, já que a correspondência chegou a ser aberta por terceiros.

Da Redação

sexta-feira, 25 de março de 2011

Atualizado às 08:19

Cobrança

TJ/SC - Empresa indenizará devedor por cobrança de dívida no local de trabalho

A 2ª câmara de Direito Civil do TJ/SC condenou a empresa Wama Cobranças ao pagamento de danos morais por enviar carta de cobrança ao serviço do devedor. A decisão reformou sentença da comarca de Porto Belo/SC e reconheceu o constrangimento do funcionário, já que a correspondência chegou a ser aberta por terceiros.

Na ação, o apelante A.P. afirmou ter recebido a carta aberta, em que constava o endereço da empresa onde trabalhava. Esse fato, segundo ele, tornou pública a dívida e o colocou "em situação melindrosa ou vexatória perante seus colegas de trabalho", tendo atingido sua intimidade.

Para o desembargador Luiz Carlos Freyesleben, relator do caso, o fato da empresa cobrar o devedor por correspondência em seu endereço de trabalho "tipifica verdadeiro exercício irregular de direito ou, por outra, exercício arbitrário das próprias razões, tudo visando a que o autor pagasse, sob pressão e a qualquer custo, a dívida, que jamais negou".

Freyesleben salientou que a credora tem o direito de cobrá-la pelos meios normais, mas não de expô-lo ao ridículo, exigindo o pagamento através do Judiciário. "Assim, mesmo tendo como errada a conduta do devedor, ao deixar de honrar seus compromissos, socorre-lhe remansosa jurisprudência, uma vez que o apelante tem razão. [.] Nesse caso, em particular, não me assalta dúvida sobre o fato de que a apelada, na ânsia de haver seu crédito, excedeu os limites do exercício regular de seu direito, e veio a cometer ato ilícito passível de indenização, pois a ninguém é permitido exercer arbitrariamente suas próprias razões", concluiu Freyesleben.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

___________

Apelação Cível n. 2011.005057-3, de Porto Belo

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS.ENVIO DE CORRESPONDÊNCIA PARA O LOCAL DE TRABALHO DO DEVEDOR, VISANDO A COAGI-LO A PAGAR A DÍVIDA. ABERTURA DA MISSIVA POR TERCEIRA PESSOA.SITUAÇÃO VEXATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CARACTERIZADA. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO.

Configura dano moral a cobrança vexatória de dívida no local de trabalho do devedor, independentemente de comprovação do prejuízo material sofrido pela vítima ou da prova objetiva do abalo à sua honra e à sua reputação, porquanto presumam-se as consequências danosas resultantes do fato.

A indenização por dano moral, revestida de caráter pedagógico, há que ser arbitrada com efeitos de corrigenda, com a intenção de demover o ofensor da prática de ilícitos, de sorte a frear seus impulsos e, assim, impedir sua reincidência. Doutro lado, há de servir de lenitivo para a vítima, e deve o juiz cuidar para não enriquecê-la sem causa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.005057-3, da comarca de Porto Belo (1ª Vara), em que é apelante A.P.e é apelado Wama Cobranças Ltda. - ME:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

A.P.apela de sentença do Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de Porto Belo que, em ação indenizatória por danos morais, movida contra Wama Cobranças Ltda. - ME, julgou improcedente o pedido e condenou o apelante ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixou em R$ 1.000,00, suspendendo a cobrança das custas por ser o autor beneficiário de justiça gratuita.

O apelante alega haver sofrido constrangimento e passado vergonha em seu local de trabalho, em razão de correspondência que lhe foi enviada pela recorrida, cobrando-lhe parcela de uma dívida. Destaca que a carta foi endereçada a sua empresa empregadora, e que foi recebida por um dos funcionários, que a abriu. Diz que a cobrança, realizada em seu local de trabalho, tornou pública a dívida e o colocou em situação melindrosa ou vexatória perante seus colegas de trabalho. Assim, ante o cenário criado, sentindo-se atingido em sua intimidade, requer o provimento do apelo, com o objetivo de pedir a condenação da ré a indenizar-lhe por danos morais, arcando com as custas do processo e os honorários advocatícios.

Houve contrarrazões, nas quais pediu a manutenção da sentença (fls. 60-63).

VOTO

Trata-se de apelo interposto por A.P.contra sentença do Dr.Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de Porto Belo que, em ação indenizatória, movida pelo apelante contra Wama Cobranças Ltda. - ME, julgou improcedente o pedido.

A remessa da missiva ao endereço profissional do apelante é fato incontroverso, endereçada que foi à empresa "Portobelo S/A, a/c A.P.(Porcelanato), conforme consta do envelope juntado à fl. 10.

Na verdade, se o autor não pagou sua dívida, não há dúvida de que a credora tem o direito cobrá-la pelos meios suasórios normais, e não lhe é possível expor o devedor ao ridículo, pois, como último recurso utilizável, a credora e a empresa contratada para cobrar o crédito dispunha do caminho do Judiciário. Assim, mesmo tendo como errada a conduta do devedor, ao deixar de honrar seus compromissos, socorre-lhe remansosa jurisprudência, uma vez que o apelante tem razão.

Sabe-se que a caracterização da responsabilidade civil depende da demonstração dos seguintes pressupostos:

culpabilidade do agente, do dano decorrente do ato e do nexo de causalidade entre a atitude e o prejuízo suportado pelo lesado. Em outras palavras, anota Maria Helena Diniz que, 'para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a)fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente' (Código Civil anotado, Saraiva, 1999, 5. ed., p. 169) (Ap. Cív. n. 2000.018091-2, da Capital. rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 1º-4-2005).

Yussef Said Cahali ensina que tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral (Dano Moral. 2. ed. RT, 2000, p. 20-21).

Nesse caso, em particular, não me assalta dúvida sobre o fato de que a apelada, na ânsia de haver seu crédito, excedeu os limites do exercício regular de seu direito, e veio a cometer ato ilícito passível de indenização, pois a ninguém é permitido exercer arbitrariamente suas próprias razões.

O artigo 186 do Código Civil conceitua ato ilícito como aquele dimanado de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, capaz de violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

Mais adiante o legislador ampliou tal conceito estabelecendo: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (artigo 186).

De acordo com o previsto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, é vedada a exposição do consumidor inadimplente a ridículo ou qualquer outra espécie de constrangimento ou de ameaça para cobrar-lhe dívida, sob pena de responsabilidade civil pelos danos provocados.

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

É a exata situação encontrada neste processo.

O fato de a apelada ter enviado correspondência de cobrança ao local de trabalho do devedor, com o objetivo de, intencionalmente, expô-lo à irrisão de seus colegas de trabalho, assim entendido por endereçar, primeiramente, à empresa empregadora aos cuidados do recorrente, tipifica verdadeiro exercício irregular de direito ou, por outra, exercício arbitrário das próprias razões, tudo visando a que o autor pagasse, sob pressão e a qualquer custo, a dívida, que jamais negou. Todavia, sabe-se que a cobrança de dívida há que ser feita pelos meios suasórios regulares e discretos, devendo o credor remeter-se ao Judiciário, se não obtiver o resultado normal esperado.

Em casos similares, este Tribunal de Justiça decidiu:

Configura dano moral indenizável a cobrança vexatória de dívida no local de trabalho do devedor, bem como ligações e visitas frequentes a familiares e terceiros, independentemente de comprovação do prejuízo material sofrido pela vítima ou da prova objetiva do abalo à sua honra e à sua reputação, porquanto são presumidas as consequências danosas resultantes desses fatos (AC n. 2009.041907-9, Des. Subst. Henry Petry Junior) (Ap. Cív. n. 2009.063430-3, de Indaial, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 18-2-2010).

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. COBRANÇA QUE IMPÕE O CONSUMIDOR À CONDIÇÃO VEXATÓRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MINORAÇÃO QUE SE IMPÕE. JUROS MORATÓRIOS A CONTAR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54 DO STJ). CORREÇÃO DE OFÍCIO. ADEQUAÇÃO DOS HONORÁRIOS A TEOR DO ART. 20, § 3º DO CPC. REDUÇÃO (Ap. Cív. n. 2008.044089-9, de Canoinhas, rel. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 9-3-2010).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS MORAIS. COBRANÇA DE DÍVIDA. LIGAÇÕES FREQUENTES PARA DEVEDOR, FAMÍLIA E TERCEIRO AMIGO. SITUAÇÃO VEXATÓRIA. ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CARACTERIZADA. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA. EXAME DAS PECULIARIDADES DA ESPÉCIE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA QUANTIA FIXADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Configura dano moral indenizável a cobrança vexatória de dívida no local de trabalho do devedor, bem como ligações e visitas frequentes a familiares e terceiros, independentemente de comprovação do prejuízo material sofrido pela vítima ou da prova objetiva do abalo à sua honra e à sua reputação, porquanto são presumidas as consequências danosas resultantes desses fatos (Ap. Cív. n. 2009.041907-9, de Biguaçu, rel. Juiz Henry Petry Junior, j. 3-11-2009).

Está claro, pois, que a apelada excedeu seus poderes de cobrança, expondo indevidamente o devedor, com o fim de coagi-lo a pagar a parcela devida, de sorte a denegrir sua imagem perante seus colegas de trabalho.

Não havendo dúvida sobre a existência do alegado dano moral, ingressa-se no exame do valor da indenização. E, quanto a isso, sabe-se que a fixação de um valor em dinheiro, como forma de abrandar a dor da vítima, tem outra função importante que não é outra senão a de servir, a um só tempo, de fator preventivo-repressivo contra o ofensor, desde que atendidos, para isso, a critérios básicos, tais como:

a) a intensidade e duração da dor sofrida; b) a gravidade do fato causador do dano; c) a condição pessoal (idade, sexo etc.) e social do lesado; d) o grau de culpa do lesante; e) a situação econômica do lesante. (Cf. Prof. Fernando Noronha) (Ap. Cív. n. 1997.003972-7, de Mafra, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 13-5-1999).

É patente, aqui, que, à míngua de parâmetros fixos com que trabalhar, o juiz depende quase só de seu bom-senso para chegar a um valor condizente com a lesão produzida, sem atingir mortalmente a situação econômico-financeira do causador do dano de ordem moral.

Na hipótese, o autor é conferente, e litiga sob justiça gratuita, pois, é pessoa de modestos ganhos.

A despeito de haver sofrido dano moral em decorrência da cobrança vexatória praticada pela apelada, a indenização de que é merecedor há que ser proporcional aos seus rendimentos para não tornar vantajoso o vexame experimentado.

A apelada, por outro lado, é empresa de bom porte financeiro. Por isso, ao exceder os limites de seus direitos para cobrar seus créditos, deve ser chamada à responsabilidade para que o fato não torne a acontecer. Para tanto, a quantia a que será condenada há que ser apenas razoável, com vistas a não arredar o caráter utilitário da ação e desta espécie de condenação.

Diante de tais considerações e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, afigura-me justo fixar a indenização em R$ 2.000,00, com correção monetária a contar deste julgamento e juros moratórios a partir do evento danoso, que se deu em 1º-12-2008, data do registro em cartório, pelo responsável pela abertura da correspondência, do ocorrido (fl. 9), aplicando-se ao caso a Súmula 54 do Superior Gabinete Des. Luiz Carlos Freyesleben

Tribunal de Justiça. Por tudo isso, voto pelo conhecimento do apelo do autor, ao qual provejo para julgar procedente o pedido, a fim de condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, nos termos da fundamentação. Assim, tendo a sentença sido reformada, condena-se a apelada ao pagamento das custas processuais e dos honorários do advogado do autor, os quais fixo em 15% do valor da condenação (CPC, art. 20, § 3º), observada a Lei n. 1.060/1950. Em suma, meu voto é pelo conhecimento e provimento do apelo de A.P.para julgar procedente seu pedido, a fim de condenar a apelada em R$ 2.000,00 por danos morais, mais correção monetária, a partir deste julgamento e em juros de mora, a contar do evento danoso, além das custas processuais e dos honorários advocatícios.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do recurso e deram-lhe provimento. O julgamento foi realizado no dia 24 de fevereiro de 2011 e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins (Presidente) e Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 10 de março de 2011.

Luiz Carlos Freyesleben

RELATOR

______________