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Pluralismo religioso é tema de seminário internacional em Brasília

Num cenário de revoluções comportamentais, John Lennon musicou e gravou em 1971 a letra que se perpetuou como o hino da paz mundial. Em poucas palavras, "no countries", "no religions". Ontem, no entanto, quase 30 anos depois do lançamento de Imagine, religião e Estado reuniram-se em busca de um ponto de equilíbrio (living life in peace?) em diversas questões que decorrem de substanciais transformações na sociedade.

Da Redação

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Atualizado às 08:47


Pluralismo religioso

Seminário coloca temas polêmicos em discussão


"Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace"



"Imagine não existir países
Não é difícil de fazê-lo
Nada pelo que lutar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz"

(Imagine - John Lennon - 1971)


Num cenário de revoluções comportamentais, John Lennon musicou e gravou em 1971 a letra que se perpetuou como o hino da paz mundial. Em poucas palavras, "no countries", "no religions". Ontem, no entanto, quase 30 anos depois do lançamento de Imagine, religião e Estado reuniram-se em busca de um ponto de equilíbrio (living life in peace?) em diversas questões que decorrem de substanciais transformações na sociedade.

União homoafetiva, uso científico de células-tronco, ensino religioso nas/das escolas públicas (a discussão gira em torno do agente educador e, portanto, do conteúdo de interesse e da responsabilidade que cabe ao Estado), colocação de símbolos religiosos em espaços e órgãos públicos, aborto e feriados religiosos estiveram na pauta do dia proposta pelo CNJ com o seminário internacional "O Estado laico & a liberdade religiosa", realizado em Brasília.

O caminho do meio, como pareceu bem aos interlocutores, deve ser o esforço perseverante e amplo - porque abrange não somente legisladores, mas também agentes estatais e mesmo a esfera individual - de traduzir valores religiosos em razões públicas. Isso é, colocar de lado a justificativa do "é pecado" e dar lugar a argumentos passíveis de aceitação tanto pelos que professam uma fé diferente como pelos que não professam nenhuma fé.

A César o que é de César, a Deus o que é de Deus


A tradução de crenças em razões públicas parece ser uma forma conveniente e proveitosa de deixar cada coisa em seu devido lugar. Permite a cooperação entre as instituições, mas evita que o Estado sofra interferência da religião e que a religião sofra interferência do Estado.

A ideia de um Estado laico é concomitante ao surgimento do pluralismo religioso, que tem raízes no protestantismo e também na Revolução Francesa. No caso do Brasil, essa pluralidade não existia até poucos anos, e os grupos minoritários não tinham visibilidade. Com as revoluções comportamentais, identidades que estavam à margem passam a ser requeridas e certas situações questionadas. É o caso do feminismo e o aborto, do grupo GLBT e as relações homoafetivas, das minorias religiosas e a laicidade do Estado: demandas reprimidas que agora existem e exigem seu reconhecimento perante a lei.

Como bem ressaltou o professor de Direito Constitucional, Daniel Sarmento, todas essas novas questões que se levantam devem ser tratadas tendo como premissa uma democracia deliberativa, um diálogo que permita às partes a mudança, a revisão da posição inicial com o objetivo de promover o bem comum em vez de interesses egoístas ou uma agenda anterior. E isso somente é possível quando se deixa de enxergar o outro como um inimigo, e a alteridade é reconhecida como um ser livre, igual, capaz de ter e expressar juízo sobre os assuntos.

Laicidade e laicismo

A laicidade, que pode ser definida como a não assunção de atividades religiosas pelo Estado, não deve ser confundida com laicismo, que é a hostilidade para com a religião, em rejeição à sua influência na vida pública.

O tema foi abordado no evento pelo padre Rafael Stanziona de Moraes, que comentou pontos acerca da neutralidade do governo. Para ele, o Estado laico deve fazer valer a igualdade perante a lei, mas não deve sob esse pretexto proceder com animosidade para com a religião.

Um exemplo. Os símbolos do Estado não devem ser os símbolos da religião, e em razão disso não devem existir nos órgãos públicos. Coisa diferente, todavia, são os espaços públicos. O mundo é culturalmente formado por símbolos, e para o padre não é possível desprezar anos e anos da História. Deve-se retirar os crucifixos do CNJ, mas não se pode tirar o Cristo Redentor do Rio de Janeiro.

Outro ponto foi a neutralidade do Estado quanto à valoração das crenças. Não deve o governo transmitir a ideia de uma equivalência moral de conteúdos entre as religiões, nem mesmo deixar nas entrelinhas que sejam igualmente boas. Deve o Estado governar com base em razões públicas, e não emitir juízos de valor.

Liberdade de religião

Para outro palestrante, o professor Massimo Introvigne, embora os Estados afirmem ter liberdade religiosa o que acontece na prática é diferente. Fica-se reduzido à possibilidade de realização de cultos e ao direito de professar a fé pessoal.

O direito à liberdade para o sociólogo deve ir além: direito de converter e ser convertido, imprimir e distribuir publicações, ensinar os preceitos religiosos, expandir a doutrina para territórios estrangeiros (já que muitos vistos são negados para ministros religiosos), e direito até de mudar de religião, sem sofrer pressão por parte da família ou do Estado.

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