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TJ/SP - Desembargador cita ´justiça divina´ ao negar indenização

O desembargador Júlio Vidal, da 28ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, proferiu acórdão em que lamenta ter que negar a indenização pretendida por mãe de vítima fatal em acidente ocorrido em Ribeirão Preto/SP. Para o relator, o laudo oficial era "imprestável para se aferir a culpa". Assim, disse o desembargador que resta à família esperar pela justiça divina.

Da Redação

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Atualizado às 08:40


Falha humana

TJ/SP - Desembargador cita 'justiça divina' ao negar indenização

O desembargador Júlio Vidal, da 28ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, proferiu acórdão em que lamenta ter que negar a indenização pretendida por mãe de vítima fatal em acidente ocorrido em Ribeirão Preto/SP. Para o relator, o laudo oficial era "imprestável para se aferir a culpa". Assim, disse o desembargador que resta à família esperar pela justiça divina.

M.C.M.O. perdeu a filha em um acidente de trânsito entre uma moto e um carro. O condutor do carro fugiu após a batida, e, de acordo com o relatório do acórdão, os "demais ocupantes do automóvel apresentavam forte odor etílico". Entretanto, a inexistência de testemunhas presenciais idôneas, e a prova inconclusiva acerca da velocidade dos envolvidos não comprovaram a embriaguez do condutor do carro.

Assim, a sentença de improcedência da ação foi mantida pelo TJ/SP: "como o trabalho realizado pela polícia científica não concluiu que o capotamento se deu por conta da velocidade e inexistindo prova da suposta embriaguez do condutor, bem como o mero fato de ter ocorrido fuga do sítio dos acontecimentos não implicar em culpa do motorista fugitivo (conquanto intuitivo), lastimavelmente, a improcedência da ação era medida que se impunha, até mesmo para evitar que, a pretexto de realizar justiça nesse caso, seja cometida eventual injustiça com imputação duvidosa de culpa a quem não tenha sido o causador do acidente", diz o acórdão.

No final da decisão, Júlio Vidal enfatiza que "se serve de consolo à apelante, diga-se que a justiça humana, por ser humana, é falha, e imprescinde de prova, mas existe fisicamente a lei da ação e reação, de modo que, eventuais causadores de danos que passem impunes na lei dos homens não os passarão diante dos preceitos daquela regra universal, sem se esquivar, para quem acredita, da justiça divina."

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9090372-95.2007.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante M.C.M.O. sendo apelado J.S.M..

ACORDAM, em 28a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este

acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MELLO PINTO (Presidente) e CÉSAR LACERDA.

São Paulo,05 de julho de 2011.

JÚLIO VIDAL

RELATOR

Comarca: Ribeirão Preto - 6a. Vara Cível

Processo n°: 1824/03

Apelante: M.C.M.O.

Apelado: J.S.M.

VOTO N.° 1 6 . 4 53

Acidente de trânsito. Ação de reparação de danos. Colisão de carro com motocicleta. Morte da motociclista. Condutor que foge após a batida. Demais ocupantes do automóvel que apresentam forte odor etílico. Indícios de culpa do apelado. Cruzamento dotado de sinalização semafórica. Inexistência de testemunhas presenciais idóneas. Sinistro que não deixa sinais de frenagem. Prova inconclusiva acerca da velocidade desenvolvida pelos envolvidos. Não demonstração de embriaguez do condutor do carro que, segundo os demais ocupantes do veículo, não teria ingerido bebida alcoólica e fugira em estado de choque. Ausência de elementos que pudessem confirmar, com segurança, a indiciária culpa que brotava em desfavor do apelado. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido.

Vistos.

Cuida-se de Ação de Reparação de Danos Morais e Patrimoniais ajuizada por M.C.M.O. em face de J.S.M., julgada improcedente na r. sentença de fls. 163/166, condenando a requerente nas despesas do processo e honorários do advogado, estes fixados em 10% do valor da causa corrigido desde a propositura da ação, observada a gratuidade da justiça.

Inconformada, apela a vencida (fls. 171/180), sustentando ter experimentado danos materiais e abalo moral irreparável diante da morte violenta de sua filha motociclista em acidente de veículos, sinistro que ocorreu, a seu ver, em face da negligência e imprudência do requerido. Alega que, muito embora o laudo produzido pela polícia científica em nada tenha contribuído para elucidação dos fatos, a dinâmica da colisão demonstra a culpa do apelado pela produção do acidente, eis que a motocicleta conduzida pela vítima já estava terminando de fazer o cruzamento quando foi atingida pelo veículo do demandado. Aduz que o réu imprimia velocidade excessiva, circunstância aferível pelo fato de ter colidido, arrastado a motocicleta da falecida e capotado em seguida. Afirma que os testemunhos dão conta de que os ocupantes do veículo provinham de bar e exalavam forte odor etílico, tendo um deles afirmado que não viram que o cruzamento era dotado de semáforo. Pugna pela inversão do julgado e a condenação do adverso nos termos constantes da inicial.

Anota-se que o recurso é tempestivo e dispensado do preparo, foi recebido, regularmente processado e contrariado (fls. 184/186).

É o relatório.

Lamentavelmente, o apelo da autora não merece provimento.

Com efeito, muito embora as provas amealhadas apresentem indícios que apontam o requerido como sendo o causador do acidente, tem-se que esse conjunto probatório revela-se inconclusivo para, com segurança, decretar a culpa do apelado pela produção do sinistro que ceifou violentamente a vida da filha da autora, sem se olvidar que a falecida deixara órfã criança de pouca idade.

Restou efetivamente apurado que o local da colisão trata-se de cruzamento dotado de sinalização semafórica, sendo que inexistiram testemunhas presenciais que dessem conta da velocidade imprimida pelos sinistrados ou de quem teria avançado o sinal vermelho.

Há apenas relatos dos passageiros do veículo envolvido no acidente que, a par de se apresentarem exalando forte odor etílico, afirmaram não ter observado qual a fase semafórica que ostentava o sinaleiro, ressalvando que o requerido não tinha ingerido bebida alcoólica e evadira-se do local por ter entrado em estado de choque.

O requerido, suposto causador da batida, não foi encontrado na data dos fatos, razão pela qual não é possível afirmar que ele estivesse embriagado ou que agira de forma imprudente.

O laudo policial juntado aos autos é igualmente imprestável para se aferir a culpa, limitando-se apenas a relatar que não havia marcas de frenagem de sorte a estabelecer a velocidade dos veículos envolvidos na colisão.

A alegação da apelante no sentido de que o impacto ocorreu quando a motocicleta estava concluindo a travessia do cruzamento não encontra respaldo nesse mesmo laudo, uma vez que nele constou a existência de marcas de atritamento no quadrante inferior esquerdo (fls. 19).

Causam espécie e não se olvidam as circunstâncias de ter ocorrido capotamento do automóvel mesmo diante de uma batida com motocicleta, de ter o requerido e os demais acompanhantes convenientemente fugidos a pé após o embate e, bem assim, de que esses mesmos ocupantes do carro, salvo o condutor, terem feito uso de bebida alcoólica.

Contudo, como o trabalho realizado pela polícia científica não concluiu que o capotamento se deu por conta da velocidade e inexistindo prova da suposta embriaguez do condutor, bem como o mero fato de ter ocorrido fuga do sítio dos acontecimentos não implicar em culpa do motorista fugitivo (conquanto intuitivo), lastimavelmente, a improcedência da ação era medida que se impunha, até mesmo para evitar que, a pretexto de realizar justiça nesse caso, seja cometida eventual injustiça com imputação duvidosa de culpa a quem não tenha sido o causador do acidente.

Destarte, repita-se, embora os elementos colhidos durante a instrução probatória indiquem indiciariamente ser o requerido o provocador da morte da filha da autora, na ausência de prova robusta e firme nessa direção, mormente de testemunhas presenciais idóneas, é que será mantido o decreto de improcedência, tal como ocorrera na ação penal ajuizada em face do apelado.

Se serve de consolo à apelante, diga-se que a justiça humana, por ser humana, é falha, e imprescinde de prova, mas existe fisicamente a lei da ação e reação, de modo que, eventuais causadores de danos que passem impunes na lei dos homens não os passarão diante dos preceitos daquela regra universal, sem se esquivar, para quem/acredita, da justiça divina.

Ante o exposto, n/eg/ a-se provimento ao recurso.

Júlio Vidal

Relator

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