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HC não pode ser utilizado como "super" recurso

"O HC não pode ser utilizado como ´super´ recurso, que não tem prazo nem requisitos específicos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente instituído." O entendimento, da ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi aplicado pela 6ª turma do STJ para negar o pedido da defesa de condenado por homicídio que contestava excesso de linguagem na pronúncia.

Da Redação

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Atualizado às 10:16


Propósito

HC não pode ser usado como 'super' recurso

"O HC não pode ser utilizado como 'super' recurso, que não tem prazo nem requisitos específicos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente instituído." O entendimento, da ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi aplicado pela 6ª turma do STJ para negar o pedido da defesa de condenado por homicídio que contestava excesso de linguagem na pronúncia.

O réu foi condenado em uma das duas acusações de homicídio a que respondia, devendo cumprir 15 anos de reclusão, conforme decisão do Júri realizado em outubro de 2010. Segundo a relatora, o pedido afronta os limites específicos do HC, pois estava sendo usado como substituto de recurso.

Para os ministros, a defesa deveria ter contestado eventual excesso de linguagem na decisão de pronúncia pelo meio próprio, que é o recurso em sentido estrito. Porém, na oportunidade, o defensor público desistiu de modo expresso de recorrer, afirmando que a medida não seria do interesse da defesa. Contudo, após o trânsito em julgado desse ponto, o mesmo defensor impetrou HC.

Panaceia

"Não há nada a reparar no julgado em xeque, pois, de fato, o habeas corpus não é panaceia para todos os males e deve se conformar ao propósito, histórico, diga-se de passagem, para o qual foi instituído, ainda na Idade Média, destinado a coibir violação ao direito de ir e vir das pessoas, em caso de flagrante ilegalidade, demonstrada por inequívoca prova pré-constituída", registrou a ministra.

Segundo a relatora, o habeas corpus não pode ser usado "apenas e simplesmente porque se trata de um processo criminal e, nele, o réu não obteve algum benefício que pretendia ou teve a sua situação agravada".

__________

HABEAS CORPUS Nº 104.273 - SP (2008/0080474-9)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : LUÍS CARLOS ROCHA GUIMARÃES - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE : R.N.A

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . USO IMPRÓPRIO. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NA ORIGEM. ACÓRDÃO DA ORIGEM ESCORREITO. NÃO CONHECIMENTO DA SÚPLICA SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CÂMARA FORMADA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA.
1. Em regra, o foro próprio para a discussão de excesso de linguagem na pronúncia é o recurso em sentido estrito, meio legalmente cabível. Na espécie a defesa, de modo expresso, desistiu de interpor o recurso e, após o trânsito em julgado da pronúncia, fez impetrar habeas corpus, suscitando o excesso de linguagem, transmudando o writ em sucedâneo recursal.

2. O habeas corpus, contudo, não pode ser utilizado como um "super" recurso, que não tem prazo nem requisitos específicos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente instituído, é dizer, o de impedir ameaça ou violação ao direito de ir e vir, nos casos de flagrante ilegalidade, não ocorrente na espécie.

3. Assim, não decidido o assunto na origem, não merece conhecimento, sob pena de supressão de instância.

4. Os julgamentos de recursos proferidos por Câmara composta, majoritariamente, por juízes de primeiro grau não são nulos, eis que não violam o princípio do juiz natural. Ressalva do entendimento da relatora.

5. Habeas corpus conhecido em parte e, na extensão conhecida, denegada a ordem.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a denegou, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 22 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

Trata-se de habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado em favor de R.N.A., impugnando acórdão proferido pela 8ª Câmara do 4º Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Informa o impetrante que o paciente foi denunciado e pronunciado pelo crime disposto no artigo 121, § 2º, incisos II e IV e pelo crime disposto no artigo 121, §2º, inciso II, c/c artigo 14, inciso II, ambos combinados com o artigo 69, todos do Código Penal.

Inconformada com o excesso de linguagem da decisão de pronúncia, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual restou denegado por não ser considerado a via própria ao fim colimado.

Alega o impetrante que há nulidade absoluta na decisão de pronúncia em face do excesso de linguagem usado pelo magistrado de origem, o qual emitiu juízo de valor sobre a inexistência de legítima defesa quando proferiu sua decisão, ofendendo, assim, o princípio da ampla defesa e a soberania do tribunal do júri.

Aduz, ainda, que o órgão colegiado que julgou o prévio writ era composto em sua maioria por juízes convocados, ofendendo-se, assim, o princípio do juiz natural.

Desta forma, pugna pela declaração da nulidade do referido acórdão que denegou prévio writ, bem como da decisão de pronúncia, face ao excesso de linguagem.

Prestadas informações (fls. 47/49), o Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial da súplica e, na parte conhecida, pela denegação da ordem (fls. 94/95).

Informações complementares (fls. 104/104), prestadas em agosto de 2010, deram conta de que o Júri estava marcado para 26 de outubro de 2010.

Em contato telefônico com a Vara do Júri de Campinas/SP, apurou-se que, de fato, foi o Júri realizado naquela data, tendo sido o paciente condenado a 15 anos de reclusão, por prática de homicídio contra a vítima José dos Santos Filho e absolvido em relação à vítima Solange Aparecida dos Santos.

É o relatório.

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora):

O Tribunal de origem não conheceu do recurso em sentido estrito manejado pela defesa, se valendo dos seguintes fundamentos:

"A hipótese é de não conhecimento do pedido, porquanto inadequada a via eleita.

In casu, o impetrante deveria ter demonstrado seu inconformismo contra a r. decisão de fls. 26/30, através do recurso ordinário cabível para o caso, ou seja, o de Recurso em Sentido Estrito, previsto no artigo 581, inciso IV, do Código de Processo Penal, instrumento adequado ao alcance de sua pretensão.

O habeas corpus não é sucedâneo de recurso cabível não interposto oportune tempore.

Também "não é o remédio heróico instrumento adequado para apressar a tramitação de processos ou a prática de atos processuais", segundo jurisprudência do saudoso Tribunal de Alçada Criminal (Julgados do TACRIM 25/142, 36/99, 38/91, 39/94, 40/52, 45/401, 52/85 e 53/464).

E ainda. "Não se presta o habeas corpus a corrigir ou imprimir rapidez à marcha processual, destinando-se, isto sim, a amparar a liberdade da pessoa humana e seu direito de ir e vir" (TACRIM-SP-HC - Rel. JORGE TANNUS - JUTACRIM 65/123).

Em face do exposto, NÃO CONHEÇO DA ORDEM." (fls. 26/27)

Não há nada a reparar no julgado em xeque, pois, de fato, o habeas corpus não é panacéia para todos os males e deve se conformar ao propósito, histórico diga-se de passagem, para o qual foi instituído, ainda na Idade Média, destinado a coibir violação ao direito de ir e vir das pessoas, em caso de flagrante ilegalidade, demonstrada por inequívoca prova pré-constituída.

Não pode, portanto, ser utilizado como um "super" recurso, que não tem prazo nem requisitos específicos, apenas e simplesmente porque se trata de um processo criminal e, nele, o réu não obteve algum benefício que pretendia ou teve a sua situação agravada.

Na espécie, mais se avultam essas assertivas, pois o mesmo defensor público que, ao tomar conhecimento da pronúncia, desistira, de modo expresso, de apresentar o competente recurso em sentido estrito, com a afirmação textual que não era "interessante para a defesa" (fls. 55/56), após o trânsito em julgado, fez impetrar ordem de habeas corpus, perante o Tribunal de origem, deduzindo o excesso de linguagem que ora pretende ver reconhecido, em afronta, a meu ver, dos contornos específicos do writ, fazendo-o transmudar-se em sucedâneo recursal.

Assim, não decidida a questão na origem, não merece conhecimento, sob pena de supressão de instância:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. MATÉRIAS NÃO DECIDIDAS NA ORIGEM. NÃO CONHECIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DEFICIÊNCIA DE DEFESA. SÚMULA 523 DO STF. APELAÇÃO. NÃO INTERPOSIÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

1. Não se conhece, em habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, de matérias não decididas na origem, sob pena de supressão de instância.

2. Segundo entendimento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, cristalizado na súmula 523, a deficiência recursal somente enseja nulidade se demonstrado prejuízo, o que inocorre na espécie.

3. A falta de interposição de recurso de apelação, por si só, sem demonstração de prejuízo para o réu, não rende ensejo a nulidade por falta de defesa, porque vige, em matéria recursal, o princípio dispositivo, segundo o qual não é a defesa obrigada a recorrer, havendo, inclusive prevalência da vontade do advogado, que é um técnico, sobre a do réu, em caso de eventual conflito nesta seara.

Súmula 705 do STF.

4. Habeas corpus conhecido em parte e, nesta extensão, denegado. (HC 107.253/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe 15/06/2011)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS INTERPOSTO INTEMPESTIVAMENTE: RECEBIMENTO COMO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CARACTERIZAÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES (SE MATERIAL OU FORMAL). REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM NÃO CONHECIDA.

1. Ainda que intempestivo o recurso ordinário, na esteira da remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é admissível o seu recebimento como writ substitutivo.

2. O habeas corpus não deve ser conhecido, porque a matéria suscitada no presente reclamo não foi analisada pelo Tribunal de origem, não cabendo a este Superior Tribunal antecipar-se as instâncias ordinárias, sob pena de indevida supressão de instância.

3. Ademais, da acurada leitura dos autos, depreende-se que o deslinde da controvérsia depende da caracterização do concurso de crimes imputado ao Paciente, se material ou formal, circunstância que demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na estreita via do writ.

4. Recurso ordinário recebido como habeas corpus substitutivo, ao qual se nega conhecimento.
(RHC 23.116/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 17/12/2010)

Relativamente à questão de ter sido o julgamento proferido por câmara composta majoritariamente por juízes convocados de primeira instância, vê-se que o sistema de substituição por parte de juízes convocados de 1º grau para a composição de Câmaras no Tribunal de Justiça de São Paulo é caso delicado e merece reflexão.

Em São Paulo, o sistema de substituição foi criado e regulado pela Lei Complementar Estadual n.º 646, de 8 de janeiro de 1990, que assim dispõe:

"Artigo 2º - Por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, os Juízes de Direito Substitutos em Segundo Grau substituirão membros dos Tribunais ou nele auxiliarão, quando o acúmulo de feitos evidenciar a necessidade de sua atuação.

Parágrafo único - A designação para substituir ou auxiliar nos Tribunais de Alçada será realizada mediante solicitação das respectivas Presidências.

Artigo 3º - O Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, durante a substituição, terá a mesma competência atribuída ao substituído, exceto em relação às matérias administrativas".

Existe também a Resolução n.º 204/05 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que trata a matéria da seguinte forma, no que interessa:

"Artigo 3º - O acervo de processos ainda pendente de distribuição será distribuído a todos os Desembargadores Substitutos em Segundo Grau.

§ 1º - Quando da promoção, o Juiz Substituto em Segundo Grau se desvincula dos processos em seu poder, não haja lançado visto, assumindo o eventual acervo da vaga do Desembargador para a qual se promoveu.

Artigo 4º - O Juiz Substituto em Segundo Grau oficiará como relator, revisor ou vogal".

Analisando detidamente o tema, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal desde há muito adotou o entendimento, de forma relativamente tranquila, quanto à constitucionalidade do sistema de substituição, admitindo a possibilidade de que o Estado de São Paulo crie cargos de juiz substituto por meio de lei complementar:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . NULIDADE DO ACÓRDÃO. ADVOGADO. RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. PRETENSÃO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SISTEMA DE SUBSTITUIÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA ADOTADO PELO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO. (...)

IV - O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que o sistema de substituição em segunda instância adotado pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo não é ofensivo à Constituição (Lei Complementar Estadual nº 646/90).

V - HC indeferido."
(HC n.º 81.347/SP, Relator: Ministro Carlos Velloso; Julgamento 1.4.2003; Órgão Julgador: Segunda Turma; DJ de 9.5.2003)

Mesmo assim, a matéria ainda causa perplexidade, sendo que o Conselho Nacional de Justiça foi consultado sobre a questão pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O pedido foi arquivado no dia 17 de abril de 2007, por entender-se que não haviam providências a serem tomadas, diante da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. Em consulta semelhante feita em 26 de fevereiro de 2008, o Conselho Nacional de Justiça, analisando resolução de convocação de magistrados de primeiro grau pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, ressaltou que "é da essência da validade do ato o caráter temporário da convocação" (Procedimento de Controle Administrativo n.º 2007.10.00.001564-8), determinando, assim a exclusão de determinados dispositivos da resolução que contrariavam a LOMAN quanto à convocação de juízes substitutos.

Todavia, apesar de se reconhecer a constitucionalidade do sistema de substituição em segundo grau em São Paulo, nova discussão se põe. Trata-se justamente de saber se a constituição de câmaras presididas por Desembargadores e formadas exclusivamente por juízes de primeiro grau, que não integram o quadro de juízes substitutos de segundo grau, a partir de convite, cuja inscrição é voluntária e sem que haja convocação na forma do disposto na LOMAN, viola ou não algum princípio ou regra constitucional.

No âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, o primeiro precedente a respeito da composição numérica nos tribunais estaduais reconheceu a ilegalidade do julgamento por Câmara composta majoritariamente por juízes convocados de primeiro grau, verbis :

"PENAL. HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ÓRGÃO FRACIONÁRIO INSUFICIENTEMENTE COMPOSTO. NULIDADE. EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO.
-Nulos são os julgamentos de recursos proferidos por Turma composta, majoritariamente, por juízes de Primeiro Grau.
-Ordem concedida."
(STJ, Sexta Turma, Rel. para acórdão Min. William Patterson, HC 9405/SP, DJ 18.06.2001, p. 189).

A questão foi novamente suscitada quando do julgamento do Habeas Corpus n.º 72.941/SP, de que fui a relatora, tendo a Sexta Turma, à unanimidade, estando ausente, justificadamente, o Ministro Paulo Gallotti, concedido a ordem para anular julgamento de acórdão proferido por turma julgadora composta majoritariamente por juízes convocados de primeiro grau.

Da mesma forma, a Terceira Seção deste Tribunal, em 24.9.2008, à unanimidade, ausente justificadamente o então Presidente da Seção, Ministro Paulo Gallotti, concedeu a ordem nos Habeas Corpus n.º 101.943, 102.744, 103.259 e 108.425, reconhecendo a mesma ilegalidade.

Trata-se, portanto, de entendimento que encontrou respaldo por parte dos Ministros desta Corte, sendo matéria que inclusive passou a ser julgada de forma monocrática, a exemplo do Habeas Corpus n.º 112.295, de relatoria da Desembargadora Convocada Jane Silva.

E, com efeito, a meu ver, a criação de turmas julgadoras compostas integralmente por juízes de primeira instância foi reservada pela Constituição da República apenas aos casos de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 98, inciso I, verbis :

"A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".

A intenção do constituinte de 1988 foi, claramente, a de permitir que os juízes de primeira instância possam julgar casos de menor complexidade, compondo, sozinhos, uma turma de julgamento de recursos. Tal raciocínio conduz à conclusão, a contrario sensu, de que os casos de maior complexidade devem ser julgados por Turmas compostas por juízes de segunda instância.

Nesse sentido é o voto do Ministro Fontes de Alencar no já citado Habeas Corpus n.º 9.405/SP, de relatoria do Ministro William Pattterson:

"(...) Por outro lado, a Constituição - precisamente no art. 98, ao tratar dos Juizados Especiais -, quando quis criar um órgão apreciador de recursos integrado por Juízes de Primeiro Grau o fez, dizendo que os recursos seriam para Turmas Recursais, ou seja, Juízes de Primeiro Grau compondo Turmas Recursais.

Dessarte, se o Tribunal de Justiça permite que um dos seus órgãos fracionários tenha na sua composição majoritária Juízes de Primeiro Grau, na verdade está admitindo a formação de Turma Recursal de Primeiro Grau, o que inviabilizaria, por eventual recurso, o Segundo Grau.

E é por causa desse raciocínio, na busca do que me parece mais lógico, que concedo o habeas corpus , em resguardo ao princípio do juiz natural e da existência concreta, em alguns aspectos, da supremacia do Tribunal de Justiça em relação aos Tribunais de Alçada e em respeito à Constituição que, quando quis criar Turma Recursal formada por Juízes de Primeiro Grau, o fez de forma expressa.

Em razão de tudo isto concedo o habeas corpus para anular as decisões do Tribunal de Justiça e que outra decisão, em grau de apelação, seja promovida, adotada como for de direito, pelos seus integrantes, observada, pelo menos, a composição majoritária por desembargadores" (STJ, Sexta Turma, HC 9405/SP, Rel. para acórdão Min. William Patterson, j. 11.04.2000, DJ de 18.06.2001, p. 189).

Mesmo que se admita a convocação de juízes de primeiro grau para atuar em segunda instância, nos termos do disposto na Lei complementar estadual n.º 646/90, a atuação destes, não se pode olvidar, é voltada à substituição e ao auxílio dos desembargadores. Isso significa que: I) ou os juízes convocados deverão atuar no lugar deixado pelos desembargadores substituídos, ocupando o lugar deixado por esses na Turma, mesclando-se, portanto aos demais desembargadores; II) ou os juízes convocados deverão auxiliar os desembargadores, para evitar o acúmulo de serviço.

O que não pode ser aceito, entendo, é a criação de Câmaras apenas presididas por um desembargador, e, no mais, compostas exclusivamente por juízes convocados.

Com maior razão verifica-se no caso em que todos os que participam do julgamento como relator, 2º juiz, e 3º juiz, são juízes estaduais convocados. Forma-se, em verdade, uma turma julgadora equiparada à turma recursal dos juizados especiais criminais, exclusivamente por juízes de primeira instância.

Penso que, quando a Resolução n.º 204/05 do Tribunal de Justiça de São Paulo dispôs que o juiz substituto em segundo grau poderia oficiar como relator, revisor ou vogal, não quis dizer que eles poderiam sê-lo todos a um só tempo, formando uma única câmara.

Da mesma forma, entendo que a norma que estabelece a igualdade de competência entre o juiz substituto e o substituído diz respeito à competência ratione materiae , e não à quantidade de juízes que poderiam atuar em cada uma das Câmaras.

É certo que, recentemente, o Pleno do Pretório Excelso abordou novamente a questão, nos autos do HC n.º 96.821/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. tendo aquela Corte, por maioria de votos, vencido o eminente Ministro Marco Aurélio de Mello, entendido que não ocorre, na hipótese, qualquer ofensa a regra ou princípio constitucional, justificando-se a atuação voluntária dos magistrados de primeiro grau em razão do elevado número de processos existentes no Tribunal de Justiça de São Paulo quando da entrada em vigor da EC n.º 45/2004, que proclamou o princípio da razoável duração do processo, o que teria acelerado o julgamento de grande número de processos e evitado a prescrição.

Eis o noticiado no Informativo n.º 581 do Supremo Tribunal Federal:

"Composição de Órgão Colegiado: Juízes Convocados e Princípio do Juiz Natural - 1

O Tribunal, por maioria, denegou habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que se sustentava a nulidade do julgamento da apelação do paciente pela 11ª Câmara Criminal 'B' do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao fundamento de ofensa ao princípio do juiz natural, já que, à exceção do desembargador que presidira a sessão, todos os demais membros do órgão eram juízes de primeiro grau convocados. Apontava-se, ainda, violação aos artigos 93, III, 94 e 98, I, da CF - v. Informativo 549. De início, o Tribunal, por maioria, rejeitou preliminar suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de que o julgamento fosse realizado com a composição integral, tendo em conta a importância da matéria de fundo.

Considerou-se o fato de somente estarem ausentes da sessão dois Ministros, havendo quórum suficiente para a deliberação da matéria, e salientou-se a urgência em resolver a questão, haja vista recentes julgamentos do Superior Tribunal de Justiça no sentido de anular decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em matéria criminal. Vencido o suscitante.

HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.4.2010. (HC-96821)

Composição de Órgão Colegiado: Juízes Convocados e Princípio do Juiz Natural - 2

No mérito, entendeu-se não ocorrer, na hipótese, qualquer ofensa a regra ou princípio constitucional. Registrou-se que a convocação de juízes para atuar nos julgamentos levados a efeito na Corte paulista fora, originalmente, regulamentada pela Lei Complementar 646/90, que criou os cargos de magistrados substitutos e de segundo grau, diploma este reputado constitucional pelo Supremo. Fez-se menção, em seguida, à EC 45/2004 que, dentre outras inovações, teria assegurado a todos os jurisdicionados a duração razoável do processo, determinando a distribuição imediata dos feitos ajuizados em todos os foros e tribunais do país. Observou-se que, em relação especificamente a São Paulo, a EC 45/2004 teria determinado à Justiça bandeirante a unificação dos Tribunais de Alçada com o Tribunal de Justiça, impondo-lhe a tarefa de reorganizar administrativamente uma Corte enorme, de forma a manter, minimamente, a rapidez e eficiência da prestação jurisdicional. Considerou-se que tal determinação, além das dificuldades de reorganização, teria ocasionado outra conseqüência de relevante repercussão, qual seja, a imediata transferência de um imenso estoque de feitos criminais, antes dividido entre as duas Cortes.

Mencionou-se que o Tribunal paulista teria cumprido essa determinação prontamente, ordenando, com base na Resolução 204/2005, a imediata distribuição de todos os feitos aos desembargadores e juízes substitutos de segundo grau. Além disso, para dar conta desse acervo de processos acumulados, teria criado câmaras extraordinárias, integradas, inicialmente, por juízes titulares da capital e, depois, por juízes titulares do interior, da mesma entrância, presididas por um desembargador, que também atuaria como vogal ou terceiro juiz, a partir de edital de convocação, publicado no diário oficial, após deliberação do Conselho Superior da Magistratura, com fundamento no art. 73, parágrafo único, da Constituição do Estado de São Paulo. Asseverou-se, ainda, que os juízes de primeiro grau, apesar da denominação de convocados, participariam desses colegiados por meio de inscrição voluntária. Reconheceu-se que essa providência, por um lado, teria proporcionado uma significativa redução no número de feitos pendentes de decisão, evitando, por conseguinte, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, bem como teria acelerado o julgamento de grande número de presos detidos em caráter provisório. Por outro lado, no entanto, acarretara uma enxurrada de recursos e de habeas corpus perante o STJ e o STF, com o intuito de anular os arestos proferidos pelas câmaras extraordinárias.

HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.4.2010. (HC-96821)

Composição de Órgão Colegiado: Juízes Convocados e Princípio do Juiz Natural - 3

Em seqüência, aduziu-se que o âmago do princípio do juiz natural (CF, art. 5º, XXVII e LIII) consistiria na estrita prevalência de um julgamento imparcial e isonômico para as partes, por meio de juízes togados, independentes e regularmente investidos em seus cargos. Afirmou-se que a hipótese dos autos não se afastaria dessas premissas, visto que o sistema de convocação de magistrados de primeiro grau na Justiça paulista seria uma resposta aos comandos emanados da EC 45/2004, tendo sido implantado nos termos da Lei Complementar estadual 646/90, dela se distinguindo apenas no aspecto de que a convocação dos magistrados de primeiro grau se daria mediante publicação de edital na imprensa oficial. Acrescentou-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo em nada teria inovado quanto a essa prática, tendo em vista que a Justiça Federal também dela faria uso, com base no art. 4º da Lei 9.788/99 ('Os Tribunais Regionais Federais poderão, em caráter excepcional e quando o acúmulo de serviço o exigir, convocar Juízes Federais ou Juízes Federais Substitutos, em número equivalente aos de Juízes de cada Tribunal, para auxiliar em Segundo Grau, nos termos de resolução a ser editada pelo Conselho da Justiça Federal.'), sem que nenhum de seus julgamentos tivesse sido anulado. Observou-se que a integração dos juízes de primeiro grau nas câmaras extraordinárias paulistas se daria de forma aleatória, sendo os recursos distribuídos livremente entre eles, e que as convocações seriam feitas por ato oficial, prévio e público, não havendo se falar em nomeação ad hoc. Assim, tais magistrados não constituiriam juízes de exceção. Sua convocação para atuar perante a segunda instância, ao contrário, seria resposta dada pelo Tribunal de Justiça paulista, diante da difícil conjuntura de sobrecarga de trabalho, para dar efetividade a um novo direito fundamental introduzido na Constituição a partir da EC 45/2004, ou seja, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII). Enfatizou-se não se poder esquecer, ainda, que os direitos e garantias fundamentais, a teor do que disposto no § 1º do art. 5º da CF, teriam aplicação imediata, não podendo ser outra a reação da Corte estadual que a de atender prontamente a esse comando constitucional. Além disso, esse novo direito fundamental teria íntima relação com outros princípios constitucionais, como o da dignidade humana e da eficiência da Administração Pública, cujo cumprimento não poderia ser postergado.

HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.4.2010. (HC-96821)

Composição de Órgão Colegiado: Juízes Convocados e Princípio do Juiz Natural - 4

Portanto, as medidas levadas a efeito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo não só teriam dado concreção às exigências postas pelos constituintes derivados, como também se amoldariam, perfeitamente, aos princípios e regras da Carta Magna, sobretudo porque respeitariam a imparcialidade e a independência dos magistrados que integrariam as câmaras extraordinárias, os quais, de resto, jamais teriam desbordado os lindes da competência jurisdicional da Corte. Ressaltou-se, inclusive, que o art. 96, I, a, da CF permite que os tribunais disponham sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, e que a própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN (LC 35/79) admite, em seu art. 118, a convocação de juízes de primeiro grau para integrarem colegiados de segundo grau, em caráter excepcional e transitório, nas situações que explicita, sem que jamais se tivesse invocado, contra essa prática, o argumento de ofensa ao princípio do juiz natural. Por fim, consignou-se que se se pudesse entender, apenas ad argumentandum tantum , que o princípio do juiz natural tivesse sido de alguma forma malferido, haver-se-ia de se proceder a uma necessária ponderação de valores, contrastando o referido postulado com o da segurança jurídica. No ponto, explicou-se que se estaria a cogitar, ainda que indiretamente, de dezenas de milhares de decisões criminais, a maioria das quais já transitadas em julgado, que poderiam ser sumariamente anuladas, inclusive aquelas que concluíram pela absolvição dos réus, sendo que, nesse sopesamento de normas com densidade axiológica equivalente, haveria de prevalecer, no caso, o postulado da segurança jurídica. Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem, assentando que o paciente se encontraria condenado sem observância da norma maior segundo a qual ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente, tendo em conta o julgamento de sua apelação por uma câmara que legalmente se mostrara inexistente. Reputava ter havido clonagem imprópria, visto que criadas, dentro do Tribunal paulista, câmaras suplementares, tendo sido convocados, para compô-las - em sobreposição, e não em substituição de ausentes ou para preenchimento de cadeira vaga, nos termos do art. 118 da LOMAN -, juízes que teriam passado a atuar não só na 1ª como também na 2ª instância.

HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.4.2010. (HC-96821)"

O mencionado julgado porta a seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. JULGAMENTO DE APELAÇÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO JULGAMENTO. CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I - Esta Corte já firmou entendimento no sentido da constitucionalidade da Lei Complementar 646/1990, do Estado de São Paulo, que disciplinou a convocação de juízes de primeiro grau para substituição de desembargadores do TJ/SP.

II - Da mesma forma, não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados na forma de edital publicado na imprensa oficial.

III - Colegiados constituídos por magistrados togados, que os integram mediante inscrição voluntária e a quem a distribuição de processos é feita aleatoriamente.

IV - Julgamentos realizados com estrita observância do princípio da publicidade, bem como do direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

V - Ordem denegada."

(HC 96821/SP; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Julgamento: 08/04/2010; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; DJe DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010)

Não obstante o posicionamento adotado, por maioria, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, creio, data maxima venia, pelas razões anteriormente por mim declinadas, que o entendimento até então esposado por esta Sexta Turma merece ser mantido, já que, como bem salientado pelo voto vencido do ilustre Ministro Marco Aurélio, entendo que não houve observância "da norma maior segundo a qual ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente, tendo em conta o julgamento de sua apelação por uma Câmara que legalmente se mostrara inexistente". E isso porque o julgamento se deu por uma das câmaras formadas "em sobreposição àquelas já existentes, e não em substituição de ausentes ou para preenchimento de cadeira vaga, nos termos do art. 118 da LOMAN".

Ao que cuido, entendo ser o caso de anulação do julgamento da apelação, com o reconhecimento da sua nulidade, para que venha a ser realizado por Câmara composta, majoritariamente, por Desembargadores.

Contudo, não obstante o explanado, no dia 24.8.2010, o assunto foi novamente levado à apreciação deste Colegiado em numerosos mandamus. Em tal ocasião, esta Relatora restou vencida no ponto, eis que a Egrégia Sexta Turma curvou-se, de forma majoritária, ao atual posicionamento firmado no Pretório Excelso.

Assim, a fim de evitar maior acúmulo de processos com meus pares, visto que continuaria ficando vencida, acompanho, então, a compreensão da maioria, formada no seio deste Órgão Julgador, com a ressalva do meu entendimento.

Ante o exposto, conheço em parte do habeas corpus e, nessa extensão, denego a ordem.

É como voto.

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