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Estatuto

Fux cassa decisão que permitiu novo mandato a dirigente do São Paulo Futebol Clube

O ministro do STF Luiz Fux julgou procedente reclamação cassando cassou decisão judicial que permitiu a alteração do Estatuto do SPFC com o objetivo de assegurar ao atual presidente, Juvenal Juvêncio, um "terceiro mandato de três anos".

Da Redação

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Atualizado às 08:49


Estatuto

Fux cassa decisão que permitiu novo mandato a dirigente do São Paulo Futebol Clube

O ministro do STF Luiz Fux julgou procedente reclamação cassando decisão judicial que permitiu a alteração do Estatuto do SPFC com o objetivo de assegurar ao atual presidente, Juvenal Juvêncio, um "terceiro mandato de três anos".

A reclamação foi ajuizada por conselheiros deliberativos do clube, que não concordaram com a forma como foi feita a mudança no estatuto. Eles afirmam que a eleição pelo conselho foi "arquitetada tão-só para a segunda reeleição do atual presidente da Diretoria".

A liminar foi deferida pelo juízo de 1º grau. Em recurso, porém, a 8ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reformou a decisão, sob entendimento de que a entidade goza de autonomia quanto à sua organização e funcionamento.

Para o ministro Fux, essa decisão judicial fere a súmula vinculante 10 (clique aqui), do STF, que trata do princípio constitucional da reserva de plenário (art. 97 da CF/88 - clique aqui). A regra determina que somente pelo voto da maioria absoluta de seus integrantes os tribunais podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

Segundo o ministro Luiz Fux, ao validar a mudança estatutária, a 8ª câmara negou aplicabilidade ao art. 59 do CC (clique aqui) por entender que essa norma seria incompatível com a regra da autonomia das associações desportivas.

O artigo determina que compete privativamente à assembleia geral destituir os administradores ou alterar o estatuto de uma entidade. O parágrafo único do dispositivo ressalta que somente assembleia especialmente convocada e que respeite o quorum estabelecido no estatuto pode deliberar sobre o disposto nos incisos I e II do dispositivo.

O ministro determinou que outra decisão fosse proferida pela câmara "como se entender de direito".

__________

RECLAMAÇÃO. DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO NOS AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO EM PRIMEIRO GRAU. EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR NO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE Nº 10 CONFIGURADA. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

DECISÃO: Cuida-se de Reclamação, com pedido de liminar, proposta por Aurélio Fernandes Miguel e outros conselheiros deliberativos do São Paulo Futebol Clube, contra ato da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0030588-10.2011.8.26.0000.

Narram os Reclamantes que teriam ajuizado Ação Cautelar Inominada e Ação de Obrigação de Fazer e Não Fazer em face do São Paulo Futebol Clube, associação civil desportiva sem fins lucrativos. A primeira teria a finalidade de "vedar a realização de Reunião Extraordinário do Conselho Deliberativo do SPFC, cumulada com declaração de nulidade da reforma do Estatuto Social, arquitetada tão-só para a 2ª reeleição do atual Presidente da Diretoria, cuja competência é privativamente da ASSEMBLÉIA GERAL DOS ASSOCIADOS, a teor do artigo 59, I, do Código Civil." Afirmam que a liminar foi deferida pelo Juízo de 1º Grau, mas teria sido reformada em sede de Agravo de Instrumento interposto pela parte ex adverso. Eis o teor de tal decisão, proferida pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa: ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS - ALTERAÇÃO DOS ESTATUTOS PARA PERMITIR REELEIÇÃO DO PRESIDENTE - ENTIDADE QUE GOZA DE AUTONOMIA QUANTO A SUA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - INTELIGÊNCIA DA REGRA INSCRITA NO INCISO I DO ART. 217 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - PRECEDENTES - RECURSO PROVIDO, PARA TORNAR DEFINITIVA A LIMINAR ATÉ O JULGAMENTO DO MÉRITO

Cuida-se de agravo de instrumento tirado contra r. decisão que reconsiderou parcialmente a medida de fls. 872 "para proibir a votação de alteração do Estatuto ou reeleição pelo Conselho", com base no inciso IV e parágrafo único do art. 5 9 do CC, que atribuem à assembleia geral, pelo voto da maioria qualificada de 2/3, a competência para alterar o estatuto (fls. 920). Esse r. pronunciamento foi proferido em demanda cautelar inominada promovida pelos agravados e que visa a suspensão de reunião, que, segundo eles, tem por objeto deliberar sobre a possibilidade de reeleição do atual presidente do clube.

Inconformado, o agravante afirma que o decisum não pode prevalecer, porque Sua Excelência desrespeitou autêntica preclusão pro judicato, na medida em que tornou a apreciar questão anteriormente decidida, sem que houvesse qualquer elemento superveniente a justificar o reexame; a regra do inciso IV do art. 59 do CC está revogada; a proposta de alteração tem em vista esclarecer a interpretação do art. 13 9 do estatuto e não chega a abordar dispositivo relativo â vedação de reeleição por dois mandatos; falta interesse de agir aos agravados, uma vez que a proposta de alteração ainda não foi submetida a exame e votação; é de rigor a suspensão do feito até ulterior pronunciamento do STJ e do STF sobre a aplicabilidade, ou não, da regra do art. 59 do CC às associações desportivas; decisão proferida pela Presidência da Seção de Direito Privado deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão proferido em embargos infringentes, que restaurou sentença de primeiro grau, declarou nulas as alterações estatutárias realizadas em assembleia geral de 9 de agosto de 2 0 04 e condenou a entidade esportiva "a proceder à alteração do estatuto ou à adaptação da associação, nos termos do artigo 59 do Código Civil"; há manifestações doutrinárias e da jurisprudência que, com base no art. 217, inciso I, da Constituição da República e art. 16 da Lei 9.615/98, prestigiam a tese da autonomia das associações desportivas, o que não se confunde com o regime das associações civis do art. 59 do CC, de sorte a não impedir o ora agravante de cumprir seu estatuto e decidir assuntos interna corporis por seu conselho deliberativo; não havendo tempo hábil para o julgamento deste recurso de agravo de instrumento antes da assembleia marcada para 2 5 de fevereiro próximo, conclui estar presente o periculum in mora que autoriza a antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Deferida a liminar, o agravante foi autorizado a realizar a reunião marcada para o dia 25 de fevereiro último, mas os efeitos da respectiva deliberação ficaram suspensos até decisão final deste recurso.

Contrarrazões às fls. 1.036/1.050.

É o relatório.

1.- SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA - Em resumo, as partes divergem sobre o órgão competente para promover alterações estatutárias: se a assembleia geral, nos termos do art. 5 9 do CC, consoante os requerentes e ora agravados, ou o conselho deliberativo do clube, nos termos do disposto no estatuto social, ante a autonomia das associações desportivas, lastreada no inciso I do art. 217 da Constituição da República e art. 16 da Lei 9.615/98, no dizer do ora agravante.

2.- DO INTERESSE DE AGIR DOS AGRAVADOS - Ante a controvérsia que se estabeleceu entre as partes, surgiu a necessidade da intervenção do Poder Judiciário, para removê-la.

Portanto, dúvida não pode haver de que os agravados têm interesse-necessidade no provimento jurisdicional postulado em primeira instância.

3.- DO MÉRITO - A questão não é nova e já foi objeto de estudo por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, que, interpretando a regra inscrita no inciso I do art. 217 da Constituição da República, observou que "as expressões 'organização' e 'funcionamento' só podem ser entendidas como 'organização' e 'funcionamento' 'especiais', exigindo norma peculiar e jamais a nivelação a todas as demais entidades não esportivas" (...) Se não houvesse a referida distinção entre a autonomia das entidades desportivas e aquela das demais entidades para a própria 'organização' e 'funcionamento', certamente, poder-se-ia ter a dervirtuação completa de determinadas agremiações esportivas, apenas constituídas para certas finalidades. (...) Assim, quase todos os estatutos, no exercício da autonomia de 'organização' e 'funcionamento', outorgada pela Constituição e não por lei ordinária, estabelecem que as diretorias são escolhidas por Conselho em parte constituído de conselheiros vitalícios, que dão estabilidade à preservação das finalidades da agremiação", para, finalizando, observar que "Parece-me ser a única interpretação correta, visto que, caso contrário, teríamos que concluir que a autonomia para organização e funcionamento das entidades esportivas seria rigorosamente igual a de todas as demais associações civis de qualquer natureza, com o que restaria nulificado, por inteiro, o artigo 217, inciso I, da lei suprema" (cf. O código civil e as entidades esportivas. disponível em https://www.alonso.com.br/img/velhas/simbolos/legislação2.asp?informativo=417, acesso em 25.03.2011).

Invocando os magistérios não apenas de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, mas também de MIGUEL REALE, O Des. João Carlos Saletti, relator designado no julgamento da Apelação n° 520.092.4/5-00, salientou que a previsão contida no inciso I do art. 217 da Constituição da República permite ver "não inconstitucionalidade na disposição da lei civil, mas inaplicabilidade dela no que concerne as associações desportivas. Não quer isso dizer que as associações desportivas gozem, não de autonomia, mas de soberania, porque assim pensar as colocaria à margem da lei, a cujos princípios todos se submetem. Não. Mas, estabelecendo para a associação desportiva autonomia para organizar-se e funcionar, por certo que a conduta do apelante não fere a regra em questão do Código Civil, tanto mais quando não se entrevê suprimido um direito sequer dos autores no processo de reforma estatutária...{omissis) Em resposta a consulta formulada pelo apelante, o Prof. Dr. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, que ornou como Ministro a mais Alta Corte deste País por duas décadas, emitiu parecer conclusivo de que 'Assim fixados o sentido e os limites da autonomia especial que o artigo 217, I, da Constituição concedeu às associações desportivas, e tendo em vista que as normas contidas no artigo 59 do novo Código Civil relativas à competência e a funcionamento de um dos órgãos que integram essas pessoas jurídicas se situam no terreno da organização e do funcionamento das referidas associações desportivas, com relação a elas não tem ele incidência, não se lhes aplicando consequentemente' " . É bem verdade que essa conclusão foi modificada pelo voto do não menos ilustre Des. Testa Marchi, no julgamento dos Embargos Infringentes n° 520.092-4/7-01, pendente de julgamento de recursos especial e extraordinário interpostos pelo São Paulo Futebol Clube, aos quais a Presidência da Seção de Direito Privado deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu efeito suspensivo (fls. 296/297). Ainda assim, ante a acirrada divergência existente sobre esse tema, não resta dúvida de que tais ponderações devem ser levadas em conta, mais não fosse pela sabedoria que encerra.

Sem divergir desse entendimento, a C. 1ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça de São Paulo teve oportunidade de decidir que "Não pode ter sido intenção do legislador, no artigo 59 do novo Código Civil, fazer incidir a regra do inciso IV às agremiações de grande porte... (omissis), tornando materialmente impossível qualquer reforma dos estatutos. Acrescente-se que, entendida a lei por aquela forma, seria a mesma de duvidosa constitucionalidade, uma vez que o artigo 217 inciso I da Carta Magna obriga o Estado a respeitar 'a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento'" (Agr. Instr. 322.990-4/0-00, rei. Des. Morato de Andrade).

Sendo assim, forçoso é convir que o recurso deve ser provido.

4. - CONCLUSÃO - Daí por que se dá provimento ao recurso, para tornar definitiva a liminar de fls. 1.020/1.025 e liberar os efeitos das deliberações que se seguiram até o julgamento do mérito da questão.

Alegam que houve descumprimento da cláusula de reserva de Plenário prevista no art. 97 da Constituição, porquanto negou-se aplicabilidade ao art. 59 do Código Civil, de modo que teria sido contrariada a Súmula Vinculante nº 10 desta Corte, verbis: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Requerem, por derradeiro, a concessão de medida liminar a fim de suspender os efeitos do acórdão proferido em sede de Agravo de Instrumento pela 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

O São Paulo Futebol Clube peticionou nos autos, protestando pelo reconhecimento da "perda superveniente de objeto", pois prolatada sentença de mérito nos autos da Ação de Obrigação de Fazer nº 0005443-16.2011.8.26.0011, assim redigida:

Vistos. AURÉLIO FERNANDES MIGUEL, ARMANDO SOUZA PINHEIRO, FRANCISCO DE ASSIS VASCONCELLOS PEREIRA DA SILVA, ALBERTO ABUSSAMRA BUGARIB, EDSON FRANCISCO LAPOLLA, JOSÉ ROBERTO CANASSA, JOSÉ SORRENTINO DIAS DA SILVA, MAURICIO CANASSA, MAURO FERNANDES CASTRO, MURILO CANASSA e OMAR ALVARO ORFALY ajuizaram a presente ação declaratória de nulidade c.c. pedido cominatório em face de SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE alegando em síntese que o réu convocara reunião com a finalidade de alterar o estatuto social a fim de assegurar ao presidente Juvenal Juvêncio terceiro mandato de três anos, apesar do artigo 84 do Estatuto vedar expressamente segunda reeleição. A prática configuraria retroação da Lei para alcançar as gestões já exauridas e tal ato seria nulo de pleno direito. Ademais, a alteração estatutária seria ato privativo da assembleia geral de associados (art.59, II, CC), não havendo autonomia em violação à Lei. Contestou o demandado alegando falta de interesse de agir diante da autonomia das Entidades Desportivas para regular seus próprios interesses e deliberar reforma estatutária ou mesmo para rever os membros do conselho deliberativo. Os requerentes, como minoria, deveriam se submeter à vontade da maioria. A reforma do estatuto foi aprovada por maioria qualificada de votos e haveria o Judiciário que convalidar tal decisão. Só a assembleia poderia desfazer sua eleição. Haveria que se suspender o feito. O Conselho deliberativo decidira que lhe cabe deliberar sobre a viabilidade de proposta de alteração estatutária e o ato não violaria o estatuto. Raciocina que se não é computado o cumprimento do final do mandato em caso de vacância, já haveria previsão para justificar a reeleição. A liberdade constitucional de associação excluiria as associações desportivas da incidência do Código Civil. Replicaram os autores dizendo descabida a preliminar de falta de interesse de agir em se tratando de negócio jurídico absolutamente nulo, sendo a pretensão do demandado tentativa de violação dos direitos da minoria e os réus seriam recalcitrantes em adaptar o estatuto ao disposto no artigo 2032 do Código Civil. Em apenso a ação cautelar interposta pelos demandantes pelos argumentos aqui expostos visando impedir a realização da assembleia, também contestada com os mesmos argumentos de defesa. Lá a medida liminar concedida por este juízo foi cassada pelo Tribunal de Justiça que deu provimento ao agravo interposto pelo réu e os processos vieram em termos para sentença. É o relatório. Fundamento e D E C I D O. O processo comporta julgamento antecipado da lide porque a matéria é de direito e a prova documental inclusa já basta para o deslinde da questão nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil. Indefiro a suspensão. O fato de haver recurso de agravo, especial ou extraordinário pendente em processo cautelar não impede o julgamento do mérito do processo principal porque não há risco de decisões contraditórias, já que ambos estão sendo julgados ao mesmo tempo. O próprio artigo 497 do CPC é claro em mencionar que agravo, recurso extraordinário e recurso especial não obstam o andamento do processo, sentença e sua execução. Inaplicável o artigo 265, IV, da Lei Processual em vigor porque dependente de julgamento de outra causa, de outro processo pendente que não pudesse ser julgado em conjunto ou que dependesse de fato ou prova perante outro juízo. Nada disso ocorre, em razão do que não se acolhe o pedido de suspensão. Rejeito a preliminar de falta de interesse de agir. Não existe medida liminar satisfativa porque existe o processo principal e porque a Lei Adjetiva não prevê esta modalidade no caso concreto. Não houve concessão de providência satisfativa, mas mera decisão com vigência condicionada ao próprio julgamento do mérito. O fato dos conselheiros terem votado a favor da pretensão de perpetuar-se no poder além do tempo que o estatuto permite, de tal conduta violar também frontalmente a Lei Civil e de terem usurpado os poderes e direitos da assembleia dos associados ou mesmo por terem se auto atribuído poderes para agir contra a lei e o estatuto não alivia sua falta de autorização legal para o ato ou os legitima para aquilo que não é da sua alçada. Daí porque, mesmo que referendado por órgão absolutamente incompetente para alterar o estatuto sem ouvida dos associados, não há que se falar em falta de interesse de agir (interesse processual) a que CHIOVENDA chamava de "interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos", ou mesmo que JOSÉ FREDERICO MARQUES dizia existir quando "configurado o litígio, a providência jurisdicional invocada é cabível à situação concreta da lide, de modo que o pedido apresentado ao juiz traduza formulação adequada à satisfação do interesse contrariado, não atendido ou tornado incerto". Os demandantes possuem o interesse nas modalidades necessidade e adequação, já que de outra maneira, a pretensão dos demandantes sequer seria considerada, como já se demonstrou durante este processo e também porque quem quer ver reconhecida a nulidade de ato, pode ajuizar ação declaratória, enquanto que quem quer obrigar alguém a fazer ou se abster de fazer alguma coisa, também pode aforar ação cominatória com fulcro nos artigos 287 e 461 do Código de Processo Civil. No mérito, melhor sorte não cabe aos demandantes. Julgar segundo o espírito da lei passa pela observância dos interesses sociais em uma associação desportiva, não cabendo a quem não foi eleito para tanto, seja como conselheiro ou membro da diretoria executiva, afrontar o estatuto social, auto atribuir-se poderes que o estatuto ou seus eleitores não lhe deram, tal como transformar órgão fiscalizatório (Conselho) em órgão com competência decisória sobre o Estatuto Social (o que é prerrogativa exclusiva da Assembleia dos Associados diante da Lei e do Estatuto) e tampouco referendar perpetuação no poder de quem quer que seja sem ser eleito por quem tem capacidade para tanto. Essa modalidade de interpretação considera os fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum, como prescreve a norma cogente do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que, longe de aprisionar o Julgador a critérios prévios, liberta-o para a assunção de seu verdadeiro papel social de moldar as condutas segundo os ditames da lei, do direito e da Justiça. De acordo com o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, ao interpretar a lei, o Juiz levará em conta as exigências do bem comum e a função social da lei. Esta é a chamada interpretação teleológica, a qual deve prevalecer sobre qualquer outra modalidade. A interpretação é teleológica quando considera os fins aos quais a norma jurídica se dirige (telos = fim). Na verdade qualquer interpretação deve levar em conta a finalidade para a qual a norma foi criada. É preciso levar em consideração, também o fato de que, além da finalidade específica de cada norma jurídica, todas elas estão submetidas a fins maiores e irrenunciáveis. Esses fins são amplos e genéricos, postos como princípios que norteiam todo o sistema jurídico, tais como os princípios fundamentais de se fazer justiça, respeitar a dignidade do homem, atender ao bem comum, etc. Aliás, no sistema brasileiro há exigência legal expressa de interpretação teleológica. A Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu art. 5º, estabelece que, na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins a que ela se dirige e às exigências do bem comum, princípios obrigatórios na interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica. Essa regra de interpretação teleológica, quando trata do encontro dos princípios maiores, que são os fins inalienáveis de qualquer norma, constitui de fato indicação de que o intérprete deve valer-se de valores no ato de interpretar. A fixação do sentido de "justiça", "bem comum", "fim social" depende da apreciação valorativa do fim da norma jurídica e do meio social a que ela se dirige. Por isso, costuma-se chamar esse tipo de interpretação, também de "axiológica", em função dos valores que leva em consideração, ou "sociológica", porque tenta pensar e adaptar a norma às necessidades sociais vigentes à época da interpretação. Seja qual for a forma de interpretação, deve ela respeitar o que diz a Lei, em especial quando clara, direta e em vigor. Para GIORGIO DEL VECCHIO a lei é o pensamento jurídico deliberado e consciente formado por órgãos especiais, que representam a vontade predominante numa sociedade. A lei é, pois, a manifestação solene do Direito, a sua expressão racional. Só nesta forma a elaboração técnica do direito atinge maior perfeição. É simultaneamente pensamento e vontade, pois compreende uma determinação lógica e um ato de império. Exprime-se na vontade de um povo, na medida em que este se encontra politicamente constituído, ou seja, organizado em uma unidade independente. A lei é elaborada através de ato jurídico de direito público complexo, chamado de processo legislativo cujo resultado deve espelhar as verdadeiras necessidades sociais. A lei é um ato político, no sentido mais amplo. Política (do grego polis - a cidade o estado - que deu polites - o cidadão - e politiké, traduzido no latim política) é etimologicamente a arte de governar um Estado, uma nação, um país, promovendo o bem estar dos cidadãos; alguns pretendem grafa-la com "P" maiúsculo, para significar a arte do bem comum. Não há falar, numa democracia, em política individual, expressão da vontade de um só: a política começa pelo grupo - a polis - em que a própria cidadania se reflete. A lei tem fundamentos políticos necessários como insubstituível instrumento da ordem jurídica. Onde haja interesse do povo - o soberano democrático - estará presente a política, tanto nas assembléias legislativas, como nos pretórios judiciários e nas esferas administrativas. O fundamento político essencial da lei é o bem comum; mesmo quando ele aparentemente proteger o indivíduo, defende, implicitamente, um interesse do Estado. Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta; os pressupostos científicos da ordem jurídica. Segundo GÉNY, o Direito é formado de dois elementos fundamentais - que ele denomina o "dado" é o "construído". O "dado" é aquilo que não é criado pelo legislador, mas é elaborado pela própria existência humana, no seu fluxo natural. Cada obra legislativa está condicionada por uma série de fatores que se impõe ao legislador e ao intérprete. Valendo-se dos dados oferecidos pela natureza e pela experiência social, é que o jurista constrói o seu arcabouço de regras ou normas. Angustiado com a grande massa de desvalidos privados da jurisdição, multiplica-se o juiz para outorgar o justo a um número maior de destinatários. Aqueles atendidos por sua presteza não serão acrescentados à legião de sedentos de Justiça. Inquieto diante da complexidade procedimental criará alternativas propiciadoras de conhecimento efetivo das controvérsias, não se tranquilizando com auto escusa calcada nas deficiências do sistema. Reconhecendo-se privado de talentos e poder, não repousará na inconsciência, mas direcionará suas potencialidades para o resgate de semelhantes vulnerados em seus direitos e crentes na Justiça humana. Se a alteração do Estatuto está reservada à Assembleia de Associados, destoa do disposto no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil permitir que atuais dirigentes se perpetuem no poder revogando o direito dos sócios de escolher a forma como querem ver seu clube administrado. Sejam quais forem as tintas jurídicas com que o caso é pintado, a interpretação contra legem do Código Civil não prevalece fazendo letra morta da norma cogente. Salta aos olhos a nulidade absoluta do ato porque aqueles que referendaram a norma asseguradora da permanência do demandante sem submeter-se ao sufrágio universal em sua entidade jamais tiveram poderes ou capacidade para a prática de tal ato. A deliberação, por afrontar o Estatuto e o Código Civil é caracterizada como ato ilícito administrativo e civil e ainda que assim não fosse, violou a forma legal prevista em lei, de maneira que estão ausentes todos os requisitos de validade do negócio jurídico previstos no artigo 104 do Código Civil Brasileiro. Segundo ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, "quando a impossibilidade é jurídica, o objeto é ilícito, pois contraria a lei, sendo nulo, por isso, de pleno direito, o negócio jurídico com esse objeto". Diferentes os motivos e razões está descaracterizada a indução analógica com o caso de vacância, já que este considera hipótese em que alguém possa assumir a presidência apenas no final do mandato. Não é o caso daquele que cumpriu integralmente o mandato anterior. Estão ausentes os requisitos para aplicação da norma destinada à vacância em casos de cumprimento de dois mandatos anteriores completos. Segundo ANDRÉ FRANCO MONTORO "é necessário que exista a mesma razão para que o caso seja decidido de igual modo. Ou, como diziam os romanos, onde existe a mesma razão da lei, cabe também a mesma disposição (ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio)". Este também é o entendimento de Maria Helena Diniz que apregoa que o elemento de identidade entre os casos não deve ser qualquer um, mas sim fundamental ou de fato que tenha levado o legislador a elaborar o dispositivo que estabelece a situação a qual se quer comparar a norma não contemplada. Segundo a jurista, "meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades relativas a pontos secundários não justificam o emprego da argumentação analógica". Não tem direito algum o requerente de se perpetuar o requerente diante da presidência do Clube sem que seja eleito pelos legítimos eleitores, por aqueles que detém o poder de voto acerca de tudo o que se tratou e tudo o que fêz. Se acredita ter aprovação suficiente de sua gestão, basta apresentar a proposição e marcar a eleição. Se os associados entenderem que o preferido do Conselho pode disputar outro mandato, que o faça segundo a Lei e segundo o Estatuto que jurou cumprir quando assumiu a direção da entidade. Assim, no que diz respeito à sentença de primeiro grau, que vá batalhar os votos que precisa para perpetuar-se no plano dos sócios comuns. No mais, diante de tudo o que ficou exposto, tem direito os autores de verem a ação cautelar ser decidida favoravelmente, já que apesar da negativa, não tinham outro meio para fazer valer os direitos vulnerados pela situação, estando presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris a recomendar deferimento da tutela de urgência em prol dos demandantes. Diante do exposto julgo procedentes as ações principal e cautelar e imponho ao São Paulo Futebol Clube obrigação de não fazer reforma do estatuto senão pelo voto da assembleia geral dos associados e para impedir a reeleição do Presidente além do segundo mandato, para determinar a adaptação do estatuto social ao disposto no artigo 2031 do Código Civil e ainda para declarar a nulidade da deliberação ocorrida em 25.2.2011 admitindo tais atos sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 por dia de descumprimento na forma do artigo 461, parágrafos 4º e 5º, do Código de Processo Civil. Torno definitiva a medida liminar concedida por este juízo e condeno o réu ao pagamento das custas e de honorários advocatícios que por equidade fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para ambas as causas na forma do artigo 20, parágrafo 4º do Código de Processo Civil. P.R.I.C. Valor do Preparo R$200,00; Porte de Remessa e Retorno dos autos: R$25,00 por volume. Advogados(s): DANIEL PENTEADO DE CASTRO (OAB 220869/SP), ELISABETE DA SILVA CANADAS (OAB 256900/SP), FRANCISCO DE ASSIS VASCONCELLOS PEREIRA DA SILVA (OAB 8405/SP), CARLOS MIGUEL CASTEX AIDAR (OAB 22838/SP)

É o relatório. Passo a decidir.

Primeiramente, insta definir se a superveniência de sentença de mérito torna prejudicado o julgamento de impugnações nas quais se discuta a antecipação de tutela concedida nos autos principais. A solução é, certamente, pela necessidade do julgamento de tais impugnações.

É que a decisão que concede a tutela antecipada permite a sua execução provisória, nos termos do art. 273, § 3º, do CPC. Sendo assim, caso extinta a presente Reclamação e mantida a decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento, não poderia o Reclamante fazer jus, desde logo, ao bem da vida que persegue no processo principal, muito embora já proferida sentença de mérito em seu favor.

Posto isso, cabe perquirir se houve, in casu, ofensa à Súmula Vinculante nº 10. Ora, nota-se que, em diversos momentos, o acórdão Reclamado negou aplicabilidade ao art. 59 do Código Civil por entender que tal norma seria incompatível com o art. 217, I, da Constituição. Isso nada mais é que uma declaração velada de inconstitucionalidade por órgão fracionário, o que não se coaduna com o art. 97 da Carta Magna.

Ex positis, com espeque no art. 161, parágrafo único, do RISTF, julgo procedente o pedido formulado na presente Reclamação para cassar a decisão proferida pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0030588-10.2011.8.26.0000, determinando que outra seja proferida como se entender de direito.

Deixo de condenar em custas a pessoa jurídica a que pertence a autoridade reclamada, em virtude da isenção legal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).

Comunique-se o teor desta decisão à autoridade reclamada e ao juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de São Paulo- Foro Regional XI - Pinheiros.

Publique-se.

Brasília, 4 de novembro de 2011.

Ministro LUIZ FUX

Relator

Documento assinado digitalmente

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