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Disney consegue devolução de dinheiro depositado a maior para dublagem de filme

O valor combinado era de R$14.625, contudo, no momento do depósito, foram enviados R$1.462.500.

Da Redação

quinta-feira, 8 de março de 2012

Atualizado às 14:29

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Disney consegue devolução de dinheiro depositado a maior para dublagem de filme

Uma empresa do RJ que fez a dublagem de um filme para a Disney recebeu erroneamente US$ 812.500 (aproximadamente R$1.462.500) pelo serviço, sendo que o valor combinado era US$ 8.125 (aproximadamente R$14.625). Os sócios do estúdio negaram a ocorrência do equívoco e não devolveram a diferença. Para reparar o erro, a 4ª turma do STJ decidiu que a companhia restitua a quantia depositada a maior.

Iniciada ação penal, a Disney pediu a devolução do dinheiro depositado com medida cautelar para garantir o bloqueio dos bens dos sócios envolvidos. Em primeira instância, foi decidido que o reembolso deveria ser feito e que todos os negócios jurídicos praticados pelos sócios estavam bloqueados desde o dia do depósito.

Os sócios da companhia recorreram e, em apelação, o TJ/RJ manteve a decisão, afirmando que a sentença estava correta. De acordo com os desembargadores, os fatos constitutivos do direito da parte autora foram comprovados, com demonstração do pagamento indevido, o que justificava a devolução respectiva.

Apenas o terceiro sócio recorreu ao STJ. Sustentou principalmente a tese de que era sócio minoritário e, portanto, não tinha nenhuma relação administrativa direta com a empresa, embora fosse sogro de outro sócio envolvido. "O sócio não pode responder por atividade ilícita da pessoa jurídica de que participa", alegou o advogado. Pediu, por isso, a anulação da citação.

Entretanto, para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, "as obrigações imputadas à pessoa jurídica não alcançam os sócios de responsabilidade limitada, salvo em hipóteses restritas, quando a pessoa jurídica é usada com abuso". De acordo com ele, o acórdão do TJ/RJ foi claro ao reconhecer a regularidade da decisão de primeira instância, uma vez que o sócio, sogro de outro acusado, também negou o erro no depósito.

Veja a íntegra das decisões.

__________

RECURSO ESPECIAL Nº 980.461 - RJ (2007/0210142-0)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS

ADVOGADOS: ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES

LÚCIA ANDRÉ SAUER E OUTRO(S)

RENATO OLIVEIRA RAMOS E OUTRO(S)

RECORRIDO: THE WALT DISNEY COMPANY BRASIL LTDA E OUTROS

ADVOGADOS: JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S)

ATTILIO JOSÉ VENTURA GORINI E OUTRO(S)

MARCELO MAZZOLA E OUTRO(S)

LEONARDO VALENTE GOMES BEZERRA E OUTRO(S)

INTERES.: ARTHUR CÉSAR FARIA E SILVA E OUTRO

ADVOGADO: MARCOS TOUSSAINT

INTERES.: RGA STUDIO SOUND EFFECT LTDA E OUTROS

ADVOGADO: VINICIUS GREGÓRIO E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CONDENATÓRIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS A PESSOA JURÍDICA (ESTÚDIO DE DUBLAGEM). INCLUSÃO DE SÓCIO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO AUTORIZADORA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Afigura-se dispensável que o órgão julgador venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes, bastando que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não se exigível também que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Violação aos arts. 535 e 458 não verificada.

2. No caso concreto, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de situação autorizadora para alcançar o patrimônio dos sócios, como a confusão patrimonial verificada pela utilização pessoal de valores recebidos pela pessoa jurídica, a cuja restituição visam os autores com o ajuizamento da presente demanda.

3. Assim, tendo as instâncias ordinárias, com base na análise soberana da prova, reconhecido o benefício dos sócios com o depósito realizado erroneamente em conta bancária pertencente à pessoa jurídica, a solução dada pelo acórdão recorrido mostra-se infensa à análise desta Corte, por óbice da Súmula 7/STJ.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de março de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. The Walt Disney Company Brasil Ltda., Disney Characters Voices International INC. e Buena Vista Home Entertainment INC. ajuizaram ação de rito ordinário em face de RGA Studio Sound Effect Ltda., Ruy Durante Jobim Junior, Rogério dos Santos Goulart e Antonio Carlos dos Santos, objetivando os autores a restituição de valores pagos a maior.

Noticiam os autores que, entre os estúdios de dublagem brasileiros prestadores de serviços ao grupo "Disney" está o RGA Studio Sound Effect Ltda., o qual foi contratado para a execução da dublagem do filme "Play it to the bone" ("Bom de Briga"), e como forma de pagamento o referido estúdio de dublagem receberia US$ 8.125,00 (oito mil cento e vinte e cinco dólares norte-americanos). Porém, em razão de equívoco, remeteu à conta indicada pela 1ª Ré - RGA Studio Soud Effect Ltda., em 22.6.2000, o valor de US$ 812.500,00 (oitocentos e doze mil e quinhentos dólares norte-americanos), cem vezes o valor inicialmente acordado.

Afirmam os autores que se mostraram infrutíferas as tratativas administrativas para a recuperação do valor pago indevidamente, tendo tido notícia, inclusive, que os 2º e 3º réus (Ruy e Rogério) estavam fazendo uso pessoal dos valores recebidos, adquirindo imóveis com preço pago à vista, mediante cheque administrativo emitido pela mesma agência bancária à qual foi transferida a quantia em excesso.

Sustentam, ademais, que, embora o dinheiro tenha sido repassado à pessoa jurídica, são os sócios que estão dele usufruindo, tendo eles modificado seu estilo de vida depois da transação de modo totalmente incompatível com a renda do mencionado estúdio, que é empresa de pequeno porte e não possui bens suficientes para suportar a execução.

Quanto ao 3º Réu - Antonio Carlos dos Santos -, afirmaram os autores que, não obstante até a data da propositura da ação nenhuma aquisição ou usufruto haver em nome desse sócio, não haveria como deixar ele de integrar a lide, uma vez que "sua atitude passiva é igualmente condenável, considerando o seu status de administrador do estúdio de dublagem".

Em aditamento, pleitearam os autores a anulação de todos os negócios jurídicos praticados pelos réus, a partir da data em que os valores foram repassados indevidamente à primeira ré.

O Juízo de Direito da 29ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou parcialmente procedente o pedido relativamente aos dois últimos autores e improcedente em relação ao primeiro autor (fls. 532-544).

Em grau de apelação, a sentença foi mantida nos termos da ementa seguinte:

Ação ordinária. Pedido de devolução de quantia paga muito a maior do que a devida em razão de serviço contratado. Não ocorrência de nulidade de citação com relação ao quarto réu. Ilegitimidade ativa da primeira autora. Comprovados os fatos constitutivos do direito da parte autora ao demonstrar o pagamento indevido, a justificar a devolução respectiva. Correta a sentença. Não provimento dos apelos. (fl. 784)

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados pelos acórdãos de fls. 820-821, 834-836, 850-851.

Sobreveio recurso especial interposto por Antônio Carlos dos Santos apoiado na alínea "a" do permissivo constitucional, no qual se alegou ofensa aos arts. 3º, 226, 247, 267, inciso VI, 458 e 535, todos do CPC; art. 10 do Decreto n. 3.708/1919; art. 158 da Lei n. 6.404/76; art. 50 do Código civil; e art. 135 do Código Tributário Nacional.

Sustenta o recorrente omissão do acórdão recorrido em diversos pontos alegadamente essenciais à solução da controvérsia, como nulidade da citação, ilegitimidade passiva e falta de apreciação de prova que revelaria a exata condição do recorrente de mero sócio-capitalista, sem participação na administração da sociedade.

Afirma o recorrente, na mesma linha, sua ilegitimidade para figurar do polo passivo, bem como nulidade da citação.

Contra-arrazoado (fls. 965-977), o especial foi admitido (fls. 1.036-1.037).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Afasto, de saída, as alegações de ofensa ao art. 535 CPC.

O Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

3. Não se verifica, também, a alegada vulneração do artigo 458 do Código de Processo Civil, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão.

De outra parte, o princípio do "livre convencimento do juiz" confere ao magistrado o poder-dever de analisar os fatos e fundamentos que entende necessários ao equacionamento da questão, não estando adstrito às teses jurídicas apresentadas pelas partes (AgRg no Ag 685.087/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 25.10.2005).

4. A tese recursal acerca da nulidade da citação também não pode ser acolhida.

O acórdão proferido nos segundos embargos de declaração foi claro em reconhecer a regularidade do ato praticado pelo oficial de justiça, à vista do qual o ora recorrente teria se negado a exarar o ciente, verbis:

Na verdade, a certidão de fls. 89 verso exarada pelo Sr. Oficial de Justiça deixou claro que o ora embargante, Senhor ANTONIO CARLOS DOS SANTOS, estava presente e se recusou a exarar o ciente no mandado de citação.

Assim, rever as conclusões a que chegou o acórdão, demandaria reexame de provas, providência vedada pela Súmula 7.

5. Quanto a tudo mais que foi deduzido no recurso especial, é de se ressaltar que, deveras, as obrigações imputadas à pessoa jurídica não alcançam os sócios de responsabilidade limitada, salvo em hipóteses restritas, quando a pessoa jurídica é usada com abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292).

No caso concreto, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de situação autorizadora para alcançar o patrimônio dos sócios, como a confusão patrimonial verificada pela utilização pessoal pelos sócios de valores recebidos pela pessoa jurídica, a cuja restituição visam os autores com o ajuizamento da presente demanda.

É que tanto o acórdão quanto a sentença acolheram a alegação dos autores de que os sócios estavam se beneficiando do depósito equivocado, havendo inclusive notícia de aquisição de imóveis cujo valor se mostrava incompatível com a receita da empresa.

Nesse sentido se manifestou a sentença proferida na ação principal:

Esse valor a maior, cujo depósito foi afinal confirmado pelos sócios da primeira Ré, não teve a sua causa esclarecida pelos Réus, que, inicialmente negaram o seu recebimento e após as confirmações pelos Bancos, foram obrigados a admitir o vultuoso crédito na conta-corrente da primeira Ré, até porque suficientemente documentado. (fl. 539)

Na mesma linha, o acórdão assim consignou:

A preliminar de ilegitimidade passiva suscitada por ANTONIO CARLOS DOS SANTOS não pode prevalecer, eis que inovou o recorrente em grau de recurso, não tendo sido tal preliminar levantada em primeiro grau. Além do mais, ainda que assim não fosse, na qualidade de representante da empresa primeira ré, é o apelante - junto com os demais representantes da empresa RGA Studio - parte legítima para responder aos termos da presente.

Com efeito, restou comprovado nos autos que a empresa RGA STUDIOS realmente recebeu a quantia cem vezes maior que a devida (fls. 50/51), depósito esse finalmente confirmado pelos sócios da mesma, muito embora tivessem a princípio negado tal fato. Na verdade, somente após a confirmação pelos Bancos é que os réus se viram obrigados a admitir o crédito astronômico na conta corrente da empresa, até porque documentado fartamente nos autos.

A alegação de que teria havido um investimento na empresa RGA não tem cabimento, como bem esclarecido na sentença.

[...]

Como bem dito na sentença, a parte autora se desincumbiu do dever de provar "... que o dinheiro foi indevidamente remetido pela terceira Autora. Os documentos traduzidos que se encontram às fls. 236/337, desmentem a versão apresentada pelos Réus, de que as Autoras pretendiam fazer um investimento sigiloso para a expansão e melhoria dos serviços da primeira Ré. (...) Os documentos oferecidos foram submetidos ao crivo do contraditório e estão em harmonia com os fatos narrados na inicial".

Inegável, portanto, o fato de que o depósito foi feito muito acima do devido, por um terrível equívoco. (fl. 786)

Assim, tendo as instâncias ordinárias, com base na análise soberana da prova, reconhecido o benefício dos sócios com o depósito realizado erroneamente em conta bancária pertencente à pessoa jurídica, a solução dada pelo acórdão recorrido mostra-se infensa à análise desta Corte, por óbice da Súmula 7.

6. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto.

___________

RECURSO ESPECIAL Nº 980.820 - RJ (2007/0210146-8)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS

ADVOGADO: LÚCIA ANDRÉ SAUER E OUTRO(S)

RECORRIDO: DISNEY CHARACTERS VOICES INTERNATIONAL INC E OUTRO

ADVOGADO: ATTILIO JOSÉ VENTURA GORINI E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE BLOQUEIO DE BENS. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS A PESSOA JURÍDICA (ESTÚDIO DE DUBLAGEM). INCLUSÃO DE SÓCIO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO AUTORIZADORA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Afigura-se dispensável que o órgão julgador venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes, bastando que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não se exigível também que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Violação aos arts. 535 e 458 não verificada.

2. No caso concreto, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de situação autorizadora para alcançar o patrimônio dos sócios, como a confusão patrimonial verificada pela utilização pessoal de valores recebidos pela pessoa jurídica, a cuja restituição visam os autores com o ajuizamento da presente demanda.

3. Assim, tendo as instâncias ordinárias, com base na análise soberana da prova, reconhecido o benefício dos sócios com o depósito realizado erroneamente em conta bancária pertencente à pessoa jurídica, a solução dada pelo acórdão recorrido mostra-se infensa à análise desta Corte, por óbice da Súmula 7/STJ.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de março de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. The Walt Disney Company Brasil Ltda., Disney Characters Voices International INC. e Buena Vista Home Entertainment INC. ajuizaram ação cautelar preparatória em face de RGA Studio Sound Effect Ltda., Ruy Durante Jobim Junior, Rogério dos Santos Goulart e Antonio Carlos dos Santos, objetivando os autores o bloqueio de valor equivalente a R$ 1.470.625,00 (um milhão, quatrocentos e setenta mil e seiscentos e vinte e cinco reais), depositado na conta corrente n. 673.1411.3 do Banco AMRO Real S/A, bem como a indisponibilidade dos bens de propriedade dos réus, em quantia suficiente para garantir a execução.

Noticiam os autores que, entre os estúdios de dublagem brasileiros prestadores de serviços ao grupo "Disney" está o RGA Studio Sound Effect Ltda., o qual foi contratado para a execução da dublagem do filme "Play it to the bone" ("Bom de Briga"), e como forma de pagamento o referido estúdio de dublagem receberia o pagamento de US$ 8.125,00 (oito mil cento e vinte e cinco dólares norte-americanos). Porém, em razão de equívoco, remeteu à conta indicada pela 1ª Ré - RGA Studio Soud Effect Ltda., em 22.6.2000, o valor de US$ 812.500,00 (oitocentos e doze mil e quinhentos dólares norte-americanos), cem vezes o valor inicialmente acordado.

Afirmam os autores que se mostraram infrutíferas as tratativas administrativas para a recuperação do valor pago indevidamente, tendo tido notícia, inclusive, que os 2º e 3º réus (Ruy e Rogério) estavam fazendo uso pessoal dos valores recebidos, adquirindo imóveis com preço pago à vista, mediante cheque administrativo emitido pela mesma agência bancária à qual foi transferida a quantia em excesso.

Sustentam, ademais, que, embora o dinheiro tenha sido repassado à pessoa jurídica, são os sócios que estão dele usufruindo, tendo eles modificado seu estilo de vida depois da transação de modo totalmente incompatível com a renda do mencionado estúdio, que é empresa de pequeno porte e não possui bens suficientes para suportar a execução.

O Juízo de Direito da 29ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou procedente o pedido deduzido na ação cautelar, mantendo a indisponibilidade dos bens anteriormente concedida em sede de liminar (fls. 436-443).

Em grau de apelação, a sentença foi mantida nos termos da ementa seguinte:

Medida Cautelar. Contratação de serviços de dublagem. Empresa apelante é responsável pela contratação do serviço e não pelo seu pagamento, o qual foi realizado por outra empresa. Ilegitimidade ativa configurada. Com razão o sentenciante. Não provimento do primeiro apelo. Legitimidade passiva do quarto réu por se tratar de representante legal da empresa que recebeu o numerário por equívoco e não devolveu. Não provimento do segundo apelo. (fl. 585)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados pelos acórdãos de fls. 596, 608-609 e 623.

Sobreveio recurso especial interposto por Antônio Carlos dos Santos apoiado na alínea "a" do permissivo constitucional, no qual se alegou ofensa aos arts. 3º, 226, 247, 267, inciso VI, 458 e 535, todos do CPC; art. 10 do Decreto n. 3.708/1919; art. 158 da Lei n. 6.404/76; art. 50 do Código civil; e art. 135 do Código Tributário Nacional.

Sustenta o recorrente omissão do acórdão recorrido em diversos pontos, alegadamente essenciais à solução da controvérsia, como nulidade da citação, ilegitimidade passiva e falta de apreciação de prova que revelaria a exata condição do recorrente de mero sócio-capitalista, sem participação na administração da sociedade.

Afirma o recorrente, na mesma linha, sua ilegitimidade para figurar do polo passivo, bem como nulidade da citação.

Contra-arrazoado (fls. 692-704), o especial foi admitido (fls. 727-728).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Afasto, de saída, as alegações de ofensa ao art. 535 CPC.

O Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

3. Não se verifica, também, a alegada vulneração do artigo 458 do Código de Processo Civil, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão.

De outra parte, o princípio do "livre convencimento do juiz" confere ao magistrado o poder-dever de analisar os fatos e fundamentos que entende necessários ao equacionamento da questão, não estando adstrito às teses jurídicas apresentadas pelas partes (AgRg no Ag 685.087/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 25.10.2005).

4. A tese recursal acerca da nulidade da citação também não pode ser acolhida.

O acórdão proferido nos segundos embargos de declaração foi claro em reconhecer a regularidade do ato praticado pelo oficial de justiça, à vista do qual o ora recorrente teria se negado a exarar o ciente, verbis:

Na verdade, a certidão de fls. 89 verso exarada pelo Sr. Oficial de Justiça deixou claro que o ora embargante, Senhor ANTONIO CARLOS DOS SANTOS, estava presente e se recusou a exarar o ciente no mandado de citação.

Assim, rever as conclusões a que chegou o acórdão, demandaria reexame de provas, providência vedada pela Súmula 7.

5. Quanto a tudo mais que foi deduzido no recurso especial, é de se ressaltar que, deveras, as obrigações imputadas à pessoa jurídica não alcançam os sócios de responsabilidade limitada, salvo em hipóteses restritas, quando a pessoa jurídica é usada com abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292).

No caso concreto, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de situação autorizadora para alcançar o patrimônio dos sócios, como a confusão patrimonial verificada pela utilização pessoal pelos sócios de valores recebidos pela pessoa jurídica, a cuja restituição visam os autores com o ajuizamento da presente demanda.

É que tanto o acórdão quanto a sentença acolheram a alegação dos autores de que os sócios estavam se beneficiando do depósito equivocado, havendo inclusive notícia de aquisição de imóveis cujo valor se mostrava incompatível com a receita da empresa.

Nesse sentido se manifestou a sentença proferida na ação principal:

Esse valor a maior, cujo depósito foi afinal confirmado pelos sócios da primeira Ré, não teve a sua causa esclarecida pelos Réus, que, inicialmente negaram o seu recebimento e após as confirmações pelos Bancos, foram obrigados a admitir o vultuoso crédito na conta-corrente da primeira Ré, até porque suficientemente documentado. (fl. 539)

Na mesma linha, o acórdão assim consignou:

A preliminar de ilegitimidade passiva suscitada por ANTONIO CARLOS DOS SANTOS não pode prevalecer, eis que inovou o recorrente em grau de recurso, não tendo sido tal preliminar levantada em primeiro grau. Além do mais, ainda que assim não fosse, na qualidade de representante da empresa primeira ré, é o apelante - junto com os demais representantes da empresa RGA Studio - parte legítima para responder aos termos da presente.

Com efeito, restou comprovado nos autos que a empresa RGA STUDIOS realmente recebeu a quantia cem vezes maior que a devida (fls. 50/51), depósito esse finalmente confirmado pelos sócios da mesma, muito embora tivessem a princípio negado tal fato. Na verdade, somente após a confirmação pelos Bancos é que os réus se viram obrigados a admitir o crédito astronômico na conta corrente da empresa, até porque documentado fartamente nos autos.

A alegação de que teria havido um investimento na empresa RGA não tem cabimento, como bem esclarecido na sentença.

[...]

Como bem dito na sentença, a parte autora se desincumbiu do dever de provar "... que o dinheiro foi indevidamente remetido pela terceira Autora. Os documentos traduzidos que se encontram às fls. 236/337, desmentem a versão apresentada pelos Réus, de que as Autoras pretendiam fazer um investimento sigiloso para a expansão e melhoria dos serviços da primeira Ré. (...) Os documentos oferecidos foram submetidos ao crivo do contraditório e estão em harmonia com os fatos narrados na inicial".

Inegável, portanto, o fato de que o depósito foi feito muito acima do devido, por um terrível equívoco. (fl. 786)

Assim, tendo as instâncias ordinárias, com base na análise soberana da prova, reconhecido o benefício dos sócios com o depósito realizado erroneamente em conta bancária pertencente à pessoa jurídica, a solução dada pelo acórdão recorrido mostra-se infensa à análise desta Corte, por óbice da Súmula 7.

6. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto.