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Trânsito

Advogado terá que pagar R$ 10 mil a motorista ofendido em estacionamento

Acusaso ameaçou agredir homem cujo carro estava atrapalhando a passagem no estabelecimento.

Da Redação

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Atualizado às 09:26

A juíza Márcia Helena Bosch, da 4ª vara Criminal de SP, condenou advogado que ofendeu motorista em estacionamento no bairro do Tatuapé, zona leste da capital.

J.L.T propôs queixa-crime contra N.A.C alegando que, no dia dos fatos, enquanto aguardava para guardar seu veículo no estacionamento, o acusado passou a xingá-lo e ofendê-lo, afirmando que seu carro estava atrapalhando a passagem. Durante a discussão, o advogado ainda pegou uma chave de roda e ameaçou agredir a vítima.

Ao analisar os depoimentos e provas produzidas nos autos, a magistrada entendeu não restar dúvida "quanto à intenção injuriosa por parte do querelado ao se dirigir de forma tão dura, ofensiva e até mesmo agressiva ao querelante".

Em razão disso, condenou-o a um ano de reclusão em regime aberto e ao pagamento de dez dias-multa, mas, presentes os requisitos legais, substituiu a pena por prestação pecuniária, consistente no pagamento de R$ 10 mil para o ofendido.

Considerando ainda o teor dos depoimentos judiciais de duas testemunhas de defesa, a juíza determinou a instauração de inquérito policial para apurar possível crime de falso testemunho.

Veja a íntegra da decisão.

____________

SENTENÇA

Processo nº: 0068111-37.2010.8.26.0050

Classe - Assunto Crimes de Calúnia, Injúria e Difamação de Competência do Juiz Singular - Assunto Principal do Processo << Nenhuma informação disponível >>

Querelante: J.L.T.

Querelado: N.A.C.

VISTOS.

J.L.T., qualificado nos autos, propôs queixa-crime contra N.A.C., alegando, em síntese, que no dia 14 de janeiro de 2010, por volta das 17:00 horas, enquanto aguardava para guardar seu veículo no estacionamento que fica na Rua Mossamedes nº 529, Tatuapé, momento em que o querelado desceu do seu veículo e alegando que o veículo do querelante estava atrapalhando a sua passagem, passou a lhe ofender com as seguintes palavras: "seu aleijado português, filho da p..., seu favelado, meu carro é ,melhor do que o seu, você não tem dinheiro, não tem nada, nem casa própria para morar você tem, eu tenho duas BMW's."

Em seguida, dirigiu-se ao porta malas do seu carro, pegou uma chave de roda e ameaçou agredir o querelante, razão pela qual temendo por sua integridade física deixou o local.

Assim, diante das ofensas, dos males psicológicos que este fato lhe causou, baseado na imaginada vantagem do querelado por ser um advogado e ter um carro

BMW, ao passo que o querelante tem um Fusca e tudo na frente de várias pessoas, caracterizado e consumado o delito do artigo 140, do Código Penal, pugna o querelante pela procedência da presente ação penal, com a consequente condenação do querelado nas penas previstas para este tipo penal.

Com a queixa-crime apresentou os documentos de fls. 7/14.

Não houve reconciliação entre as partes, assim como o querelado não aceitou a proposta de suspensão condicional do processo (fls. 43 e 79).

A queixa-crime foi recebida dia 02 de agosto de 2011 (fl. 80), o querelado foi citado e apresentada nos autos a resposta escrita (fls. 44/54).

Em audiência de instrução, debates e julgamento foram tomados os depoimentos de quatro testemunhas arroladas pelas partes, sendo o querelado, a final, interrogado (fls. 101/107).

Encerrada a instrução processual, as partes apresentaram as suas alegações finais escritas. O querelante postulou pela procedência da queixa-crime, reiterando os termos da inicial (fls. 109/112).

O querelado também apresentou suas alegações finais, sustentando, em linhas gerais, hipótese de improcedência da queixa por não ter praticado crime algum (fls. 121/132).

O representante do Ministério Público apresentou parecer nos autos, opinando pela procedência da presente queixa-crime (fls. 114/119).

É O RELATÓRIO

FUNDAMENTO e DECIDO.

Preliminarmente, convém registrar que a presente queixa-crime foi ajuizada inicialmente no Foro Regional do Tatuapé e em razão do seu teor, seguindo manifestação ministerial de fl. 15, os autos foram remetidos para este juízo (Juízo Criminal Central), considerando a correta capitulação da conduta descrita na inicial (artigo 140, parágrafo 3º, do CP - fl. 17).

Pois bem, por força do parágrafo único, do artigo 145, do Código Penal, as hipóteses do artigo 140, parágrafo 3º, do CP se processam mediante representação do ofendido (ação penal pública condicionada à representação).

Já afastada aqui, inclusive pela Instância Superior, a alegação de caducidade, na sua primeira manifestação nos autos, deveria o Ministério Público (diante da manifesta vontade da vítima em ver o querelado processado), ter ajuizado ação penal pública, assim não o fazendo, conforme se infere pela manifestação de fl. 30 verso.

Assim, conforme dispõe o artigo 29 do Código de Processo Penal, a ação penal privada, nos casos de ação penal pública, é admitida quando esta não foi intentada no prazo legal (artigo 46, CPP), cabendo ao Ministério Público intervir em todas as suas fases e até retoma-la como parte principal na hipótese de negligência do querelante.

Portanto, diante da inércia do órgão ministerial, tal como lhe autoriza a lei, o querelante prosseguiu na ação (ação penal privada subsidiária da pública), nela intervindo em todas as suas fases o representante do Ministério Público, não havendo, com isto, qualquer irregularidade nos autos, quanto à legitimidade da ação.

Superada esta questão e esclarecida a legitimidade do querelante como parte ativa nesta ação que em regra - é pública, da análise do mérito, tem-se que procede esta queixa-crime.

A testemunha M.P., em juízo, afirmou que estava em um comércio que fica ao lado do estacionamento onde os fatos aconteceram, quando então ouviu um barulho (batida de veículos) e viu um carro encostado na traseira do outro carro.

Segundo M.P., N.A.C. estava alterado, batia com as mãos no carro de J.L.T., chamava o querelante de "filho da puta, aleijado", dizendo ainda que o carro da empregada dele era melhor que o carro do querelante. Além disso, ameaçou bater em J.L.T. com a chave de roda que pegou no seu próprio carro, sendo que em nenhum momento o querelante se alterou ou foi ofensivo.

A testemunha João Adelino alegou que naquele dia tinha acabado de guardar o carro no estacionamento que tem ali (que é usado por todos), quando viu o carro de N.A.C. (uma BMW) bater no carro de J.L.T. (um fusca), momento em que N.A.C. desceu do carro já ofendendo J.L.T., chamando-o de "filho da puta, aleijado", também deu vários tapas no teto do carro de J.L.T. e ainda ameaçava agredi-lo com a chave de roda do carro dele.

João Adelino disse que conhece as partes apenas de vista (daquele estacionamento) e se lembra de ter ouvido que N.A.C. disse no dia que até a empregada dele tinha um carro melhor que o carro de J.L.T. (um fusca).

Marivaldo, arrolado como testemunha do querelado, afirmou que estava próximo ao local dos fatos (um supermercado que fica perto daquele estacionamento) e viu quando N.A.C. pretendia entrar no estacionamento e o carro de J.L.T. impedia a entrada dele, razão pela qual começaram a discutir, mas sem qualquer excesso, alteração de ambas as partes, sendo que em nenhum momento N.A.C. desceu do seu carro, bateu no carro de J.L.T. com as mãos.

Marivaldo disse que alguns meses depois fazia compras no mesmo supermercado, quando N.A.C. o viu e comentou que havia sido acionado por J.L.T. por conta daquela discussão simples, perguntando se ele havia presenciado os fatos, testemunhando.

Wanessa, também arrolada em defesa do querelado, afirmou em juízo que havia acabado de sair de um salão de beleza dali e quando entrava em seu carro, viu que o carro de J.L.T. estava parado em frente ao estacionamento, bloqueando a passagem do carro de N.A.C., momento em que eles começaram a discutir, mas

sem qualquer excesso, agressões ou ofensa, assim como não houve qualquer batida entre os carros.

Depois disso, Wanessa afirmou que N.A.C. pediu o seu nome e telefone caso precisasse e isto porque a discussão entre eles não foi cordial (educada) e tudo por culpa de J.L.T., que insultou N.A.C., muito embora ela não se lembrasse das palavras usadas por ele no dia.

E o querelado, quando interrogado, alegou que conhece J.L.T., pois ele é cliente do seu filho que é dentista e que sem explicação, eles têm uma rusga.

Naquele dia, se encontraram no estacionamento que ambos estacionam seus veículos e o querelante, quando viu que era ele que queria entrar parou seu carro bem no meio do portão de entrada, bloqueando e sua entrada.

Em razão disso, pediu para que ele tirasse seu carro dali, pois precisava trabalhar e como ele não atendeu aos seus apelos, estacionou seu carro na rua e ainda assim, J.L.T. passou a ofendê-lo, gritar com ele, dizendo que tinha uma filha advogada e que iria processá-lo, razão pela qual se preveniu pegando telefone e nomes de testemunhas que presenciaram aquilo.

Quanto às testemunhas arroladas pelo querelante, N.A.C. alegou que eles não estavam lá, não presenciaram os fatos.

Pois bem, da análise de todos estes depoimentos e valendo-se daquilo que ordinariamente acontece, não se faz possível acolher os argumentos de defesa do querelante e tampouco acreditar nos depoimentos das testemunhas que arrolou em sua defesa.

Não há dúvidas de que N.A.C. e J.L.T. se desentenderam no dia e isto em razão de estacionarem seus veículos no mesmo estacionamento, sendo que nesta discussão, N.A.C. se excedeu e acabou ofendendo J.L.T..

O depoimento da testemunha Marivaldo se contradiz com a versão do próprio acusado, pois Marivaldo afirmou que em nenhum momento N.A.C. desceu do seu carro durante a pequena discussão que tiveram, ao passo que N.A.C. afirmou que diante da insistência de J.L.T. em não tirar o carro da frente da entrada do estacionamento, desceu do carro e foi pedir gentilmente que assim o fizesse.

Da mesma forma, os depoimentos de Marivaldo, Wanessa e a versão de N.A.C. também são conflitantes, pois o primeiro disse que tudo foi muito educado e gentil por parte dos dois, sendo que em nenhum momento N.A.C. desceu do seu carro; a segunda disse que a discussão entre eles não foi educada, até porque ele parou para ver aquela cena por curiosidade mas quem usou de ofensas foi J.L.T. contra N.A.C. e não o contrário, ao passo que o terceiro, disse que desceu do seu carro, mas que a discussão entre eles foi muito tranquila, na verdade, sequer houve discussão, apenas no final J.L.T. bradou que em razão de ter uma filha advogada processaria N.A.C..

Outra incompreensão para dizer o mínimo se extrai do depoimento de Marivaldo, que disse que meses depois desta discussão, encontrou, por acaso, N.A.C. no mercado que costuma fazer compras (de onde tinha visto a discussão entre as partes), momento em que se dispôs a ser testemunha de defesa dele, quando informando que aquela cordial discussão havia acabado em queixa-crime e ação cível.

Por óbvio que os fatos não se deram como pretendem convencer N.A.C. e suas testemunhas (que efetivamente faltaram com a verdade), pois uma simples e cordial discussão em frente a um estacionamento, como as que acontecem aos montes por dia, certamente não redundaria em duas ações judiciais (uma queixa-crime e ação de indenização), por puro prazer e beligerância por parte do querelante.

N.A.C. se excedeu e quanto a isto não há dúvidas, injuriando J.L.T. por questão que deveria ser de somenos importância, não havendo duvidas, inclusive pelo que se apurou em audiência, do seu temperamento difícil.

E por fim, a testemunha Marivaldo se excedeu também ao tentar justificar como o querelado teve acesso a ele e seus dados para arrola-lo como testemunha, apresentando depoimento até mesmo infantil. Da mesma forma, a testemunha Wanessa se lembrava de tudo, mas desde que fosse de interesse para N.A.C..

Assim, dúvidas não restam quanto a intenção injuriosa por parte do querelado ao se dirigir de forma tão dura, ofensiva e até mesmo agressiva ao querelante, sendo inadmissível a desproporção entre o entrevero que tiveram na porta do estacionamento e reação dele (N.A.C.) no dia.

O dolo específico, necessário para este tipo penal está claro, pois usando de expressões como "filho da puta", "aleijado", "até minha empregada tem um carro melhor do que o seu", em conjunto, dão o perfeito sentido do que pretendia dizer, só poderia querer mesmo atingir, ofender, como de fato atingiu e ofendeu o querelante.

Assim, perfeitamente configurado o delito previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, passo a dosar a pena.

Analisando-se as circunstâncias do artigo 59, do Código Penal, apura-se que o querelado é primário e não ostenta registros criminais, razão pela qual fixo a pena base no mínimo legal, ou seja, um ano de reclusão e pagamento de 10 dias-multa.

Na segunda fase do cálculo da pena, não existem circunstâncias atenuantes e agravantes, assim como não existem causas de diminuição e de aumento de pena,

tornando definitiva a pena acima imposta.

Analisando o artigo 33 do Código Penal, fixo o regime aberto para cumprimento da pena e presentes os requisitos legais, substituo a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, na modalidade prestação pecuniária, consistente no pagamento para o querelante da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), válida para a data do fato, sendo que nos termos do parágrafo 1º, do artigo 45, do Código Penal, este montante deverá ser considerado em eventual condenação na reparação civil.

Ante o exposto e por tudo o que dos autos consta JULGO PROCEDENTE a presente ação penal privada, proposta por J.L.T. contra N.A.C., incurso no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal e o faço para condená-lo ao cumprimento da pena de um ano de reclusão, no regime ABERTO e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, ficando aqui cada dia multa fixado no valor de ½ salário mínimo vigente, substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, na modalidade prestação pecuniária, consistente no pagamento ao querelante da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), válida para a data do fato, sendo que nos termos do parágrafo 1º, do artigo 45, do Código Penal, este montante deverá ser considerado em eventual condenação na reparação civil.

Considerando o teor dos depoimentos judiciais das testemunhas Marivaldo e Wanessa, extraiam-se cópias dos autos, encaminhando-as à Autoridade Policial para instauração de inquérito policial para apurar crime de falso testemunho.

Após o trânsito em julgado, lance-lhe o nome no rol dos culpados.

Custas na forma da lei.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de agosto de 2012.

Marcia Helena Bosch

Juíza de Direito