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Empresa de telefonia é condenada por fazer cobranças de ligações não realizadas para disque-amizade

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Da Redação

terça-feira, 27 de setembro de 2005

Atualizado às 08:10

 

Direito do Consumidor

 

A concessionária de telefonia fixa Telemar Norte Leste foi condenada em sentença obtida perante o Juizado Especial Cível Adjunto da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim-ES a cancelar cobranças de ligações não realizadas para "disque-amizade". A empresa também foi condenada por danos morais.

 

A autora da demanda pedia a declaração de inexistência dos débitos referentes a ligações para telefone celular cujo prefixo levava a serviços de "tele-divertimento"; o cancelamento das cobranças que considerava indevidas; o pagamento em dobro dos valores cobrados indevidamente e reparação do dano moral causado pela inscrição da consumidora em cadastros negativos de crédito e pelo tormento ocasionado pela concessionária ao manter as cobranças, negando-se a qualquer análise e acusando a consumidora de não aceitar pagar contas que ela tinha originado.

 

A consumidora, que pagava valores mensais regulares pouco acima daqueles cobrados pela tarifa de assinatura básica (média de R$35,00), passou a receber, a partir de agosto de 2004, contas de telefone com valores que variavam de R$300 a R$1.200 reais, só de ligações para celular.

 

Em contactos reiterados com a prestadora Telemar Norte Leste, a consumidora não conseguiu solução. Foi obrigada a ajuizar demanda perante o Juizado Especial Cível - e imediatamente conseguiu Antecipação de Tutela para evitar cobranças, retirar seu nome dos cadastros negativos e religar o telefone.

 

O caso foi patrocinado pelo advogado André Fachetti Lustosa, de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

 

___________

 

Veja abaixo cópia da sentença:

 

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

 

JUIZADO DE DIREITO DA COMARCA DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES

 

GABINETE DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ADJUNTO - FDCI

 

Proc. N 3446/2005  

 

 

SENTENÇA

 

 

Vistos etc. 

 

FUNDAMENTAÇÃO 

 

Dispensado o relatório conforme preconiza o artigo 38 da LJE 

 

A preliminar foi enfrentada em audiência.

 

A sentença é ato pelo qual o Estado-juiz, analisando os fatos do mundo  empírico, efetua a confrontação com a norma jurídica a fim de verificar a presença da subsunção, aplicando ou não os efeitos jurídicos previstos.

 

Mister se faz o discurso em forma de silogismo aristotélico no escopo de possibilitar a percepção da coerência entre as premissas expostas e a conclusão apresentada. Inicie-se por um singelo conceito de responsabilidade civil.

 

Sendo o homem um animal político, necessário dizer que sua associação aos demais de sua espécie se torna extremamente necessária para sua própria sobrevivência.

 

Dessa associação, dever ser dito, surgem diversas e variadas relações ou vínculos entre os sujeitos integrantes da sociedade, sendo exemplos os vínculos de amizade, trabalho, lazer, de parentesco etc.

 

A fim de manter a paz social, o Estado, a quem compete regular os integrantes sociais, elege os vínculos que entre os indivíduos possuem maior relevância aos pólos daquele vínculo efeito.

 

Tem-se então que nas hipóteses em que um determinado vínculo entre sujeitos é regulado por uma norma emitida do Estado, constitui-se a chamada RELAÇÃO JURÍDICA.

 

Ao lado da liberdade, sem qualquer dúvida o patrimônio(moral ou material) é um dos pilares do ordenamento jurídico. Certamente a ordem jurídica existe justamente para regular primordialmente a liberdade e o patrimônio dos integrantes de uma sociedade.

 

No que tange ao patrimônio(moral ou material) deve ser dito que, desde os primórdios, aquele que de qualquer forma impõe a outrem a sua diminuição indevida, adquire o dever de recompor o desfalque, haja vista que admitir o contrário e possibilitar o estado natural de guerra entre os seres humanos.

 

A proteção primordial ao patrimônio gerou sem duvida a edição de normas pelo Estado, a fim de regular o dever jurídico do agente e reparar e recompor o dano por si causado, no escopo de permitir a paz social.

 

Nessas singelas palavras, sem embargos de infindáveis discursos doutrinários, pode ser informado o conceito deste Magistrado acerca da responsabilidade civil, como sendo o vínculo jurídico que une dois sujeitos, sendo que o pólo possui o poder de exigir do pólo passivo a recomposição do patrimônio(moral ou material) de si desfalcado em razão de ato ou omissão sua, sendo que de forma conversa existe o dever jurídico do pólo passivo em se curvar a exigência e proceder a reconstituição do dano, sujeitando, via de regra, o seu próprio patrimônio no cumprimento desse dever.

 

A mais abalizada doutrina procede a divisão da responsabilidade civil em SUBJETIVA e OBJETIVA.

 

Diz-se subjetiva em razão de haver a perquirição no ato agressor acerca da presença do elemento volitivo denominar DOLO ou na infração do dever geral de cautela denominado CULPA. Sem a presença desses elementos não há que se falar em dever jurídico d recomposição do dano causado.

 

Por outro lado, diz-se objetiva em razão haver o preterimento dos elementos acima, subdividindo-se, via regra, em responsabilidade objetiva imprópria, sendo qualificada como aquela em que a culpa do agente é presumida e, ainda, em responsabilidade objetiva própria, onde basta a comprovação do nexo causal entre o ato e o dano para que haja o dever jurídico de indenizar, fundando-se na chamada teoria do risco onde se atividade exercida pelo agente causa potencial prejuízo a terceiro, assume o ônus de recompor o dano, pois que aufere vantagem para si em razão desse risco criado.

 

A doutrina ainda qualifica a responsabilidade civil em CONTRATUAL e EXTRACONTRATUAL apontando a diferença principalmente no fato de que na primeira, aplica-se a responsabilidade objetiva, sendo que na segunda responsabilidade subjetiva.

 

Posta a premissa da dissertação jurídica, deve ser dito que se trata de relação consumerista, sendo que neste caso há que se aplicar a responsabilidade civil objetiva.

 

Um dos temas atuais em discussão no mundo da doutrina consumerista é a legalidade ou credibilidade da medição dos serviços de telefonia prestados pelas concessionárias que desempenham essa função.

 

Não existe qualquer tecnologia capaz de possibilitar ao consumidor a aferição dos exatos termos da cobrança afetuada pela prestadora, sendo que se torna o tomador extremamente vulnerável aos erros que possam ser cometidos.

 

O ponto nodal do caso em análise é a existência da prestação do serviço, sendo que não há qualquer meio técnico de comprovar sua existência senão mediante o fornecimento de credibilidade total ao apontado pela ré. Contudo, o Magistrado poderá se guiar através das regras ordinárias de experiência, haja vista que também integra o rol de usuários do serviço.

 

Invertido o ônus da prova em audiência, tem-se que a ré não logrou êxito em comprovar que houve utilização do ramal telefônico para o destinatário, ainda que por terceira pessoa, haja vista que em seu depoimento pessoal a autora foi certa a autora foi certa em dizer que reside somente com sua genitora, que é sexagenária, não tendo filhos e, ainda, não tendo parentes próximos que poderiam se utilizar dos serviços clandestinamente, conforme se vê em algumas situações do cotidiano. Frise-se que até a idade dos seus sobrinhos residentes em outros pavimentos do imóvel conduzem ao entendimento de não utilização do ramal, haja vista que a reclamação de dirige aos serviços de ''TELE-AMIZADE'' típico de adolescentes, sendo que os apontados sobrinhos ainda são crianças.

 

Na atualidade existem até mesmo aqueles falsários que procedem a ''clonagem'' de celulares, sendo perfeitamente crível que no caso em análise pode ter havido fraude.

 

Devo dizer ainda, que a responsabilidade de fornecer segurança na relação de consumo é da ré, sendo que se a mesma possuísse um simples sistema de gravação para registrar um pedido vocal de acesso aos serviços ''DISQUE'', haveria a identificação do contratante, contudo, em razão de indisponibilidade desse sistema, sujeita-se as contestação deveras fundadas dos consumidores cientes de seus direitos.

 

Não há provas da contratação do serviço cobrado, razão pela qual, inexiste relação jurídico creditória entre as partes.

 

No que tange ao dano causado, deve expor o entendimento deste Magistrado acerca do abalo de crédito, haja vista que a ré admite que houve negativação do nome da autora junto ao S.P.C., em razão das cobranças indevidas.

 

O crédito é uma ficção, uma admirável abstração no amplo mundo das atividades negociais, mas sabidamente, uma abstração fundada em pressupostos reais: patrimônio, tradição de pontualidade, prosperidade refletida em índices objetivos e, sobretudo, ficha limpa no sistema de sua proteção.

 

E isso é tão verdade para pessoas fiscais ou jurídicas, que se dedicam a atividades civis ou comerciais, quanto para os cidadãos considerados em seu universo privado, clientes potenciais do variadíssimo crediário mercantil ou candidatos a qualquer tipo de financiamento, por entidades públicas ou particulares.

 

Um dos meios de proteção ao crédito é a verificação junto ao serviço cartorário respectivo, se exista  a averbação de algum protesto cambial por falta de pagamento, realizado por quem se intitula credor d determinada pessoa.

 

Certo é que seja qual for a causa ou valor DA NEGATIVAÇÃO realizada, sofre o suposto devedor o abalo de crédito, restringem-se as possibilidades de adquirir qualquer coisa, com as vantagens das dilações e etapas certas.

 

Ainda com relação ao sistema de proteção ao crédito, deve ser dito que existem nas cidades, órgãos de imprensa especializados em atividades mercantis, que publicam religiosamente os protestos ou inclusão no S.P.C., dia a dia, dando-lhes divulgação nacional(ex.SERASA)

 

No caso desta comarca, que abrange uma cidade do interior reconhecida pelas altas atividades comerciais e atingindo uma posição de ponto de referência para o sul do Estado do Espírito Santo, há a atuação do SPC onde se conecta toda a rede de bancos, e basta que o aparecimento do nome da alguém para que o seu crédito seja abalado podendo a situação atingir caráter irreversível.

 

Note-se ainda, que no geral, para negócios de maior vulto, exige-se ''ficha limpa'' totalmente; uma vez constatada qualquer negativação do nome, ninguém indagará o porquê da negativação, nem se trata dolo ou irregularidade, muito menos se HÁ EXIGÊNCIA ILEGAL DA PARTE SUPOSTAMENTE CREDORA.

 

Se se acrescentar a isso o fator psicológico, que um poeta latino expressou nas palavras ''fama crescit in eundo'' (... a noticia cresce andando...Verso do poeta Virgilio na ''Eneida''), ter-se-á a medida exata do abalo do crédito, culminando na destruição da confiança que a pessoa merecia de quantos com ela negociam, podendo até mesmo atingir a inoperância em razão de não poder mais obter crédito das instituições financeiras e demais integrantes do mercado em razão de negativação.

 

O crédito fundamental nas operações cotidianas, principalmente em se tratando de pessoa física, onde as instituições financeiras agem com extrema cautela na concessão de crédito, bloqueando o financeiro em razão de constatar na SERASA ou em qualquer outro órgão de proteção ao crédito.

 

Vê-se a importância do crédito no cotidiano das pessoas.

 

A negativação no SPC ou em qualquer outro órgão, inicialmente abala o crédito, mas em curto prazo de tempo, destrói toda a confiança que mercado depositou na pessoa em relação ao seu potencial no cumprimento das obrigações assumidas.

 

O ato do réu certamente abalou o crédito e a idoneidade moral da autora, sendo esse fato PRESUMIDO, conforme  orientação jurisprudencial.

 

O crédito é construído através de uma seqüência reiterada de atos que mostram a fidelidade do comprador ao cumprimento de sua obrigação.

 

Adquire-se a confiança através de um longo tempo; mas basta, para a destruição do crédito, e por conseqüência, a destruição da confiança, um ato de abuso como aquele praticado pelo réu, negativando indevidamente o nome do autor no SPC.

 

Houve afetação da HONRA OBJETIVA e SUBJETIVA da autora, uma vez que foi ofendido seu caráter e sua imagem perante a sociedade em geral.

 

Merece ressarcimento pela alteração evidente em sua paz de espírito e imposição de sentimentos negativos, restando mais que evidente a ação, o dano e o nexo de causalidade.

 

Quanto à cobrança indevida, devo dizer que resta patente nos autos que a autora efetuou um parcelamento da conta de agosto d 2004, no valor de R$ 362,57, sendo que este valor é indevido, razão pela qual indicidirá a dobra prevista no CDC, haja vista que independe de elemento subjetivo, por se tratar de responsabilidade objetiva.

DISPOSITIVO

 

Isto posto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL para DECLARAR A INEXISTÊNCIA DE DÉBITO ENTRE AUTOR E RÉU, no que tange ao serviço prestados na categoria de ''chats telefônicos'', sobretudo aos referentes ao nº 9976 - 1111, devendo ser expedidas novas faturas sem a referida exigência, assim como sem a exigência de juros e multas, devendo também a ré efetuar o religamento do ramal telefônico da autora, sob pena de multa a ser fixada por este juízo.

 

         Condeno a ré ao pagamento do valor de R$ 725,14 (setecentos e vinte cinco reais e quatorze centavos) a título de punição pelo valor pago indevidamente pela autora em razão de cobrança ilegal, assim como para CONDENAR a ré a pagar ao autor indenização por danos morais.  

 

        

Dos parâmetros do valor da Indenização

 

         O poder de exigir indenização por danos morais teve início no direito Norte - Americano, sendo que a corrente doutrinária que impera nos Estados Unidos da América é a conhecida como ''pugnitive damages'', sendo que resumidamente objetiva a indenização concedida ao lesado, causar um sentimento de punição ao transgressor e, ainda, atos e providencie efetivamente meios de impedir a repetição do ocorrido.

 

         A doutrinária do ''pugnitives damages'' combate de forma grandiosa e efetiva o binômio mercantil ''custo - benefício'' que normalmente guia os atos da empresa. No momento que o causador do dano perceber que o custo de sua conduta é extremamente maior que o beneficio alcançado, sem dúvida modificará seus atos a fim de evitar o prejuízo em seu patrimônio, haja vista que o lucro é o bem mais prezado pelo capitalista.

        

         Contudo, em razão deste país possuir um desnível social gigantesco, onde as classes da base da pirâmide não possuem qualquer qualificação jurídica, tem-se que através de um grande esforço de juristas romanos, quase sempre defensores de grandes corporações e instituições bancárias, criou-se em âmbito de tribunais superiores o entendimento de que a indenização por danos morais, não poderá ensejar aumento do patrimônio do lesado.

 

         Não é mister grandes dotes de inteligência para que se perceba ser o entendimento acima exposto como fruto de um país onde o capitalismo selvagem domina, pois que em se verificando que a esmagadora maioria dos lesados não busca a proteção do Estado- Juiz, tem-se que conceder ínfimas indenizações quando o agressor é uma potência econômica é permitir m benefício maior que o custo, situação que conduz o agressor a permanecer em seus atos de lesão, mantendo a sociedade estatizada na injustiça.

 

         Assim, discordando o Magistrado da corrente imposta pela elite atual, entendo que o valor da indenização deve objetivar a punição, tornando-se o Estado - Juiz como agente de mudanças e não como chancela de agressores aos ''pequenos''.

 

         Destarte, como forma de atendimento aos pressupostos acima, fixo o valor da indenização em R$ 10.000 (dez mil reais) acrescidos de juros legais, a partir da publicação da sentença, extinguindo-se o feito com julgamento do mérito, nos termos do artigo 269, inciso do CPC.  

 

         Sem custas e honorários. 

 

         Registre-se. 

 

Cachoeiro de Itapemirim - ES 19 de setembro de 2005

 

 

Robson Louzada Lopes

Juiz Substituto

 

 

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