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Entrevista - Para Ricardo Penteado o instituto do referendo é uma das jóias da democracia

Da Redação

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Atualizado em 29 de setembro de 2005 12:15

 

Referendo: o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?

 

Para Ricardo Penteado, presidente do IDPE, o instituto do referendo é uma das jóias da democracia

 

No próximo dia 23/10 os brasileiros decidirão sobre a proibição ou não do comércio de armas e munições no país, através de um referendo. Neste dia a população irá se manifestar quanto ao artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, que diz que "é proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei". Mas, o que é um referendo?

 

O referendo é uma forma de consulta popular sobre matéria muito relevante, na qual o povo manifesta-se sobre uma lei já constituída. O cidadão apenas comprova ou rejeita o que é submetido.

 

A constituição brasileira prevê que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular.

 

A diferença entre os três é que no referendo o povo manifesta-se sobre uma lei já constituída. No plebiscito, o cidadão se manifesta sobre matéria antes de uma lei ser constituída. Já a iniciativa popular permite a manifestação direta do povo na elaboração das leis. Lei nº 9.709.


Referendo no Brasil e no mundo

 

O Brasil será o primeiro país do mundo a consultar o povo sobre o desarmamento. Não existem regras universais quanto a realização dos referendos e plebiscitos. A Suíça é a campeã absoluta no uso das consultas populares. Alguns países da Europa, como Itália, Espanha, Suíça, França, e os Estados Unidos estão entre os que mais adotam a consulta popular direta, e não utilizam a expressão plebiscito, mas apenas referendo.

 

A grande maioria dos países recorre a plebiscitos ou referendos excepcionalmente para resolver problemas especiais, para os quais a rotina comum da democracia representativa não parece suficiente.

 

Opinião

 

Para esclarecer ainda mais sobre a questão do referendo, Migalhas foi ouvir a abalizada opinião do ilustre Ricardo Penteado. Na entrevista, o causídico explica a importância da consulta popular no Brasil e comenta também as normas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Penteado é advogado especialista em Direito Eleitoral, Professor da Faculdade de Direito na PUC/SP, Presidente do IDPE - Instituto de Direito Político e Eleitoral, autor do livro Manual das Eleições.

 

Migalhas - Na opinião do senhor, qual a importância da consulta através do referendo?

 

Ricardo Penteado - O instituto do referendo é uma das jóias da democracia. Através dele viabiliza-se o exercício do poder diretamente pelo povo, numa situação em que a voz de cada cidadão corresponde a um voto, sem a distorção da sub representação popular que hoje existe no Congresso Nacional, onde o voto de um paulista equivale a menos da metade do voto de um cidadão de Rondônia. Mas a importância do momento não está apenas no quanto se pode dizer do referendo em si mesmo, mas no seu objetivo presente de buscar saber se convém ou não proibir o comércio de armas de fogo como medida eficaz de combate à violência. É imprescindível que a população brasileira seja mobilizada para debater uma solução proposta pelo Congresso Nacional, validando-a ou não.

 

Migalhas - O que o senhor acha das normas impostas pelo TSE, principalmente no que diz respeito às regras de propaganda e a participação das ONGs.

 

Ricardo Penteado - Segundo as regras do TSE, as ONGs que tenham recebido um só centavo de dinheiro do exterior não têm direito de participar das campanhas do referendo, ao passo que as indústrias fabricantes de armas, nacionais ou multinacionais, poderão investir, sem limites, o dinheiro que quiserem na propaganda pela manutenção do comércio de seu interesse. Vamos ter de um lado uma força econômica defendendo um negócio, com todo o direito de investir numa empreitada de lucro, ao passo que do outro lado teremos a defesa de uma idéia que não se traduz em vantagem financeira para ninguém e, portanto, órfã de um patrocínio econômico imediato, a não ser o das ONGs que se dedicam ao tema, e que foram afastadas do processo. É de se ver que o TSE teve pouquíssimo tempo para estabelecer normas próprias para o referendo e acabou por adotar as mesmas regras das eleições e que são impostas pela Constituição exclusivamente aos Partidos Políticos. Ocorre, entretanto, que a Constituição Federal e a lei infraconstitucional não proíbem as associações sem fins lucrativos ou mesmo as indústrias lucrativas de participarem de mobilizações sociais, especialmente aquelas que digam respeito à sua própria razão existencial, de modo que os dois lados do referendo não podem ser tratados como partidos políticos. Percebe-se, aliás, que a principal força que provocou este referendo veio da mobilização comunitária organizada em associações cujo propósito existencial único é o de combater a violência, promover o desarmamento, etc. Não é nada razoável, portanto, afastar as ONGs de um movimento que nasceu delas mesmas e, em contrapartida, permitir que as indústrias de armas e munições aportem um irrestrito investimento para uma campanha publicitária de manutenção de seus negócios. Se proibir os dois lados de participarem das campanhas implicaria em atentado contra a Constituição; proibir apenas um deles implica em verdadeira catástrofe bíblica que só pode ser superada por um milagre semelhante ao da multiplicação dos pães.

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O IDPE

 

Congregando advogados que militam na Justiça Eleitoral, o Instituto de Direito Político e Eleitoral - IDPE tem por finalidade fomentar os estudos jurídicos pertinentes ao Direito Eleitoral e atuar nos processos de desenvolvimento e aprimoramento das instituições democráticas.

 

Ao lado da divulgação da finalidade social e da técnica normativa do direito eleitoral, fomentando a pesquisa, o debate e o ensino, o IDPE também atua de forma a acompanhar, debater e orientar o desenvolvimento de processos eleitorais tais como as eleições para representação popular, os referendos e os plebiscitos, sempre atuando em cooperação com órgãos públicos nacionais e organismos internacionais voltados para o aprimoramento da democracia.

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