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Decisão

STJ tranca ação penal contra procurador que registrou ocorrência policial contra juíza por abuso de poder

Eventuais excessos cometidos pelo advogado no exercício da profissão, por si sós, não configuram o crime de calúnia.

Da Redação

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Atualizado às 17:20

O STJ determinou o trancamento de ação penal por calúnia que corria contra um procurador do INSS do interior de MG. Ele e o chefe da agência da autarquia registraram ocorrência policial contra uma juíza por abuso de autoridade, depois que ela enviou à agência um oficial de Justiça, acompanhado por quatro policiais, para que fosse concedido benefício assistencial a uma cidadã, sob pena de prisão em flagrante.

A concessão do benefício, segundo alegam os réus, já havia sido concretizada. O INSS ainda impetrou HC preventivo, perante o TRF da 1ª região, para resguardar a liberdade não apenas dos réus, mas também de diversos servidores do instituto, contra a suposta ameaça de prisão no período de funcionamento do juizado itinerante em Pedra Azul/MG. A liminar foi negada e o pedido arquivado.

O MP, com base em representação criminal da juíza, denunciou o gerente e o procurador por calúnia e injúria. O TRF trancou a ação penal por injúria, apenas. A defesa, então, impetrou HC no STJ, pedindo o trancamento pela atipicidade da conduta (o fato não seria crime descrito em lei).

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, votou pela concessão do HC, por entender que não há justa causa para a deflagração da ação penal. Ele acolheu a tese de atipicidade da conduta. Para ministro, o procurador apenas prestou auxílio ao servidor do INSS, registrando ocorrência policial de um fato que, no seu entender, caracterizaria abuso de autoridade.

O ministro Og Fernandes acompanhou essa posição. Ele afirmou que a denúncia por calúnia não demonstra a presença do elemento subjetivo necessário à caracterização do crime, qual seja, a intenção de ferir a honra da juíza. Pelo contrário, o gerente da agência é que relatou ter sofrido constrangimento com a ameaça de prisão em flagrante por delito de prevaricação, delito que não admite sequer prisão em flagrante, por se tratar de menor potencial ofensivo.

A ministra Maria Thereza de Assis Moura e a desembargadora convocada Alderita Ramos de Oliveira votaram para que o habeas corpus fosse negado. Com o empate, prevaleceu a posição mais favorável ao réu.

___________

HABEAS CORPUS Nº 157.522 - MG (2009/0246195-0)

RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

IMPETRANTE : S.R.M.J.

IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO

PACIENTE : L.M.G.L.

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. CALÚNIA. REGISTRO DE OCORRÊNCIA POLICIAL. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE CALUNIAR. CONDUTA ATÍPICA.

1. Para configuração do crime de calúnia, exige-se a presença simultânea da imputação de fato qualificado como crime, da falsidade da imputação e do elemento subjetivo, que é o animus caluniandi. Ausente o animus caluniandi , não se configura o delito em questão.

2. No caso concreto, a conduta do paciente - procurador federal -, ao registrar a ocorrência policial ao lado do servidor do INSS, não revela a intenção de ofender a magistrada, mas, apenas, de narrar o fato ocorrido, o qual, na sua concepção, poderia configurar abuso de autoridade por parte da Juíza Federal.

3. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que eventuais excessos cometidos pelo advogado no exercício da profissão, por si sós, não configuram o crime de calúnia, mormente quando manifesta a atipicidade subjetiva , ou seja, a ausência do dolo.

4. Ordem concedida para, reconhecendo-se a atipicidade das condutas e a ausência de justa causa, determinar o trancamento da ação penal, decisão extensiva ao corréu, J.A.S..

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes concedendo a ordem de habeas corpus , verificando-se empate na votação, prevalecendo a decisão mais favorável, conceder a ordem de habeas corpus em favor do paciente L.M.G.L., nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencidas as Sras. Ministras Alderita Ramos de Oliveira e Maria Thereza de Assis Moura. O Sr. Ministro Og Fernandes votou com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento a Sra. Ministra Assusete Magalhães.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília, 07 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de L.M.G.L., denunciado como incurso nos arts. 138, caput, e 140 c/c o art. 141, II, todos do Código Penal, contra acórdão denegatório do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Alega, em suma, o impetrante:

a) nulidade do processo criminal, por violação do devido processo legal, em razão da ausência de oportunidade para aplicação das medidas despenalizadoras na fase preliminar, antes do recebimento da denúncia, bem como pela aplicação do rito sumário;

b) nulidade da proposta oferecida pelo Ministério Público Federal, seja por incluir pena de prestação pecuniária, seja por exigir que o paciente comprove possuir os requisitos para a suspensão, transferindo a ele um dever do Estado-acusador;

c) inépcia da denúncia, pois o pedido é incompatível com o fato narrado;

d) falta das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir), visto que o fato narrado na denúncia não constitui, em tese, crime, e seu recebimento viola a imunidade do advogado público, a independência dos Poderes da República Federativa do Brasil, os constitucionais princípios da personalização da pena, da reserva legal e da proteção da dignidade da pessoa humana;

e) ausência de justa causa para a ação, uma vez que não há sequer indício da materialidade do fato.

A liminar foi indeferida pelo eminente Ministro Cesar Rocha, então presidente desta Corte (fls. 381/382).

As informações foram prestadas (fls. 386/390, 420/437, 442/447 e 448/449).

Parecer do Ministério Público pelo indeferimento da ordem (fls. 438/440).

O impetrante ingressou, ainda, às fls. 484/493, com petição, requerendo o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva ou a concessão da ordem, nos termos do pedido formulado inicialmente.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):

Extrai-se da exordial que o ora paciente, L.M.G.L., acompanhou J.A.S. até o Batalhão da Polícia Militar de Pedra Azul/MG, ocasião em que foi registrada uma ocorrência policial contra a Juíza Federal Rogéria Maria Castro Debelli, por prática do delito de abuso de autoridade e constrangimento ilegal, consistente na intimação, no curso do processo civil, para que se cumprisse determinação judicial consistente na implantação de benefício de amparo social ao idoso, sob pena de prisão.

Em razão do fato narrado, o Ministério Público, após representação criminal da Juíza mencionada, denunciou o ora paciente, procurador federal, e J.A.S., servidor público federal dos quadros do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, como incursos nos arts. 138 e 140 c/c o art. 141, II, todos do Código Penal (fls. 231/236). A denúncia foi recebida (fl. 239). O Tribunal Regional Federal da 1ª Região concedeu parcialmente a ordem no HC n. 2008.01.00031146-0, para excluir da denúncia o crime de injúria (art. 140, CP).

Afasto, inicialmente, a alegação de prescrição da pretensão punitiva feita às fls. 484/493. Como relatado, o paciente responde à ação penal pela prática dos crimes previstos no art. 138, com previsão de pena de 6 meses a 2 anos, c/c o art. 141, ambos do Código Penal; o último prevê o aumento da pena em 1/3. O máximo das penas aplicadas, assim, supera 2 anos, razão pela qual o prazo prescricional aplicável à hipótese é de 8 anos (art. 109, IV, do CP), lapso temporal ainda não decorrido.

Passo ao exame das teses contidas na impetração.

Além das diversas nulidades suscitadas, busca o impetrante o trancamento de ação penal na qual se imputa ao paciente - procurador federal - a prática do delito de calúnia, que teria sido cometido quando do registro de ocorrência policial, sob a alegação de abuso de autoridade da Juíza Federal, supostamente ofendida. Sustenta a inépcia da denúncia, pois o pedido é incompatível com o fato narrado, e a falta das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir), visto que o fato narrado na denúncia não constitui, em tese, crime e seu recebimento violaria a imunidade do advogado público. Inexiste, ainda, alega, justa causa para ação, uma vez que não há sequer indício da materialidade do fato.

O boletim de ocorrência foi lavrado nos seguintes termos (fl. 248):

[...]

Compareceu neste Quartel PM o Sr. J.A.S., chefe da Agência da Previdência Social do INSS (APS), acompanhado do Sr. L.M.G.L., procurador do INSS, onde relataram que no dia 31/5/07, às 17:50 horas, a Juíza Federal Rogéria Maria Castro Debelli enviou um oficial de justiça, acompanhado de quatro policiais militares, até a agência do INSS desta cidade, onde a MM Juíza intimava o citado instituto na pessoa de seu chefe de agência da previdência social para que fosse implantado um benefício assistencial em nome de Rosania Ferreira dos Santos e caso não fosse cumprida tal intimação fosse preso em flagrante o chefe da agência. Segundo o Sr. J.A.S. o fato gerou constrangimento e alega que a MM Juíza tratou o caso com abuso de autoridade, pois segundo ele a implantação do benefício já havia sido concretizada, foi dado ciência à MM. Juíza Drª Rogéria Maria de Castro Debelle, sobre o registro do fato.

[...]

A denúncia está assim redigida (fls. 232/236):

L.M.G.L. e J.A.S., acima qualificados, mediante iniciativa em conjunto, compareceram perante o plantonista em serviço no Batalhão da Polícia Militar na cidade de Pedra Azul e lá fizeram lavrar Boletim de Ocorrência no qual imputavam

falsamente à Juíza Federal Dra. Rogéria Maria Castro Debelli o crime de abuso de autoridade e constrangimento ilegal, tudo porque a mencionada magistrada federal determinou, no regular exercício de suas funções jurisdicionais, a intimação do primeiro denunciado para cumprir ordem

judicial prolatada em autos de processos judiciais, e que consistia na "implantação de benefício de amparo social ao idoso", tudo de acordo com o que consta dos documentos extraídos dos mencionados autos e que se encontram acostados nas pelas informativas criminais que instruem a presente denúncia (fls. 14 e seguintes).

Destaco, Exa,. por necessário, que os denunciados, cientes da decisão prolatada nos autos do processo judicial supramencionado, promoveram Habeas Corpus junto ao e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fls. 07/13), em que apontavam a "concreta ameaça de constrangimento ilegal

promanada da Excelentíssima Juíza Federal da 4ª Vara (...), Rogéria Maria de Castro Debelli, que emanou ordem de prisão em flagrante por crime de prevaricação, caso não seja cumprida sua ordem" (petição do HC, fls. 08, final, e 09, início, com nossos destaques).

Os denunciados atribuíram, ainda, à ordem prolatada pela mencionada magistrada federal a ausência absoluta de fundamento.

Constou ainda da mencionada petição, no que interessa, a afirmação de que "a despeito de a cominação judicial já se encontrar definitivamente adimplida, valeu-se a autoridade coatora de oficial de justiça acompanhado de força policial [...] para constranger o chefe da agência [o segundo denunciado] ao cumprimento de determinação expedida há pouco mais de um mês, [...] Em vista deste notório exemplo de abuso de autoridade, reputa-se absolutamente essencial que, durante o funcionamento do juizado itinerante de Pedra Azul-MG, os servidores do INSS, [...], não sejam constrangidos a cumprir determinações sob pena de constrangimento de seu livre exercício nas funções representativas que lhes competem [...]" (peças informativas criminais, fls. 10, com nossos destaques).

A medida impetrada junto ao TRF teve sua liminar indeferida (fls. 21 das peças informativas) e o processo foi arquivado (fls. 25).

Mesmo cientes desta decisão do Tribunal Regional Federal designado, e ciente ainda da legalidade das decisões prolatadas pela magistrada federal acima mencionada, os denunciados se dirigiram à Polícia Militar e deram causa ao mencionado Boletim de Ocorrência acostado por cópias às fls. 05 e 06 das peças informativas que instruem a presente denúncia.

Observo, Exa., que a decisão da liminar no Habeas Corpus impetrado pelos denunciados foi expedida no dia 01 de junho de 2007 (fls. 21) e o mesmo feito foi encaminhado ao arquivo no dia 01 de agosto de 2007 (fls. 25).

Os denunciados, cientes da decisão do TRF, foram à Polícia no dia 07 de junho, como comprova o documento de fls. 05 das peças informativas criminais.

Através destas reprováveis condutas, os denunciados imputaram falsamente à Magistrada Federal mencionada, fatos que em tese capitulariam o crime previsto no art. 146 do Código Penal Brasileiro

(crime em tese de constrangimento ilegal) bem como aqueles previstos nos artigos 3º e 4º da Lei nº 4.898/1965 (abuso de autoridade).

O Boletim de Ocorrência lavrado a partir do requerimento dos denunciados traz os seguintes trechos de redação:

"Compareceram neste Quartel da PM o Sr. J.A.S., chefe da Agência da Previdência Social do INSS (APS), acompanhado do Sr. L.M.G.L., Procurador do INSS onde relataram que no dia 31/05/07, às 17:50 horas a Juíza Federal Rogéria Maria Castro Debelli, enviou um oficial de justiça, acompanhado de quatro policiais militares, até a agência do INSS desta cidade, onde a Juíza intimava o citado instituto (...) para que fosse implantado um benefício assistencial (...) e caso não fosse cumprida tal intimação fosse preso em flagrante o Chefe da Agência, segundo o Sr. J.A.S. o fato gerou constrangimento e alega que a MM Juíza tratou o caso com abuso de autoridade, (...)" (fls. 06, com nossos destaques).

Os denunciados ao formularem as afirmações que fizeram nos autos da petição de Habeas Corpus e no Boletim de Ocorrência, conforme se viu nos trechos já transcritos, mediante concurso formal, praticaram além de calúnia, o crime de injúria, ofendendo, de forma cristalina, a dignidade e o decoro da Magistrada Federal.

Outrossim, Exa. deve-se considerar que as condutas imputadas aos denunciados foram praticadas em face de agente público em razão de suas funções, o que leva inexoravelmente à aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 141, II, do Código penal Brasileiro, sendo que a Juíza Federal atacada em sua honra ofereceu representação ao Ministério Público Federal, consoante documentos de fls. 02/04, impondo a aplicação do disposto no art. 145, parágrafo único, do Código Penal, determinando o caráter de ação penal pública à questão.

Posto isso, o Ministério Público Federal oferece Denúncia contra L.M.G.L.e J.A.S., como incursos nas penas dos arts. 138 e 140, mediante concurso formal, todos do Código Penal Brasileiro, ambos c/c art. 141, II, também do Código Penal, requerendo o recebimento da denúncia e citação dos denunciados com o prosseguimento regular do processo e com final condenação, requerendo a juntada dos documentos anexos e a oitiva das testemunhas.

Como se verifica, a denúncia teve por lastro probatório a ocorrência policial feita pelos denunciados, sendo possível, assim, a aferição da existência de justa causa apenas pela leitura da referida peça, desnecessária, portanto, a avaliação de outros elementos probatórios, o que torna a matéria passível de discussão no âmbito do habeas corpus. A conduta dos pacientes, ao registrarem a ocorrência policial, a meu sentir, não revela a intenção de caluniar a douta magistrada, mas sim de solicitar esclarecimentos e providências quanto à legalidade do ato praticado pela eminente Juíza, que teria determinado o cumprimento de uma decisão, sob pena de prisão do servidor público do INSS. Entendo que o paciente, ao registrar a ocorrência, teve a intenção apenas de narrar o fato ocorrido, o qual, na sua concepção, poderia configurar abuso de autoridade.

Não verifico, na espécie, a vontade concreta do paciente de caluniar a vítima, imputando-lhe a prática de ato definido como crime, de que sabe ser inocente, o que caracterizaria, no entender de Cezar Bitencourt, o crime de calúnia (Tratado de Direito Penal. Vol. 2, 11ª ed., pág. 323).

Verifica-se, também, que, quando feita a ocorrência, ainda não havia o julgamento de mérito do habeas corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região contra o ato da Juíza Federal, existindo, no mínimo, dúvida razoável sobre se constituíam, ou não, crime, os fatos 'denunciados' pelo paciente.

Segundo a jurisprudência desta Corte, ausente o animus caluniandi, não se configura o delito em questão:

HABEAS CORPUS . CRIME DE CALÚNIA PRATICADO POR ADVOGADO NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO CONTRA MAGISTRADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARTIGO 7º, § 2º,

DA LEI Nº 8.906/94. IMUNIDADE QUE NÃO ALCANÇA O DELITO EM QUESTÃO. AUSÊNCIA DO ANIMUS CALUNIANDI . ORDEM CONCEDIDA.

1. Narram os autos que o crime de calúnia teria sido praticado por meio de uma petição, na ação penal em que o paciente exercia a defesa de um cliente, em desfavor do Juiz Substituto do Primeiro Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Ceilândia, no Distrito Federal, após o patrono da causa tomar conhecimento da decisão que indeferiu os pedidos de produção de provas.

2. É sabido que o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção que só se admite quando evidenciada, de plano, a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.

3. Afasta-se, de início, a alegada atipicidade da conduta decorrente de suposta imunidade profissional, garantida ao advogado pelos arts. 133 da Constituição Federal/88, 142, I, do Código Penal e 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94, visto que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no

sentido de não se aplicar os referidos dispositivos legais quando se constatar a possibilidade de ocorrência do crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal.

4. Nos delitos contra a honra, deve-se observar não apenas as palavras utilizadas pelo ofensor, mas, principalmente, o contexto em que foram proferidas.

5. In casu, basta um simples exame da peça acusatória para se constatar, de plano, sem necessidade de se incursionar no campo probatório, que as palavras tidas como ofensivas à honra do Magistrado foram irrogadas em juízo - ação penal - pelo advogado da parte, ou seja, o paciente, e na discussão da causa.

6. Embora ríspidas e desnecessárias as expressões utilizadas pelo paciente na defesa de seu cliente, ao que quero crer, as mesmas não alcançam o patamar da relevância penal, não se configurando o crime em questão, notadamente em virtude da ausência do animus caluniandi .

7. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal.

(HC n. 105.114/DF, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 3/8/2009 - grifo nosso)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA. PEÇA DE DEFESA. ANIMUS DEFENDENDI . REPRESENTAÇÃO CONTRA A VÍTIMA. ANIMUS NARRANDI . ADVOGADO. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. AUSÊNCIA DO ANIMUS CALUNIANDI . ATIPICIDADE DA CONDUTA. INJÚRIA. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

1. Os crimes contra a honra exigem, além do dolo genérico, o elemento subjetivo especial do tipo consubstanciado no propósito de ofender a honra da vítima.

2. A calúnia exige a presença concomitante da imputação de fato determinado qualificado como crime; da falsidade da imputação; e do elemento subjetivo, que é o animus caluniandi .

3. O propósito de esclarecimento e de defesa das acusações anteriormente sofridas configura o animus defendendi e exclui a calúnia.

4. A representação dirigida contra a vítima com o propósito de informar possíveis irregularidades, sem a intenção de ofender, caracteriza o animus narrandi e afasta o tipo subjetivo nos crimes contra a honra.

5. A advocacia constitui um múnus público e goza de imunidade - excluída em caso de evidente abuso - pois o advogado, no exercício do seu mister, necessita ter ampla liberdade para analisar todos os ângulos da questão em litígio e emitir juízos de valor na defesa do seu cliente. A imputação a alguém de fato definido como crime não configura a calúnia se ausente a intenção de ofender e o ato for motivado apenas pela defesa do seu constituinte

6. O lapso prescricional da suposta injúria praticada antes da Lei n. 12.234/2010 é de dois anos.

7. Rejeição da denúncia quanto ao crime de calúnia; declaração de extinção da punibilidade quanto à injúria, ante a prescrição da pretensão punitiva.

(APn n. 564/MT, Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 3/6/2011 - grifo nosso)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . CALÚNIA. REPRESENTAÇÃO CONTRA MEMBRO DO PARQUET . IRRESIGNAÇÃO CONTRA ARQUIVAMENTO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO. INTENÇÃO DE OFENDER. NÃO OCORRÊNCIA. ATIPICIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. Nos crimes contra a honra, é imprescindível, para o perfeito juízo de tipicidade, que além do dolo também compareça a especial intenção de ofender. In casu, tendo o paciente se irresignado contra

o pedido de arquivamento formulado por representante do Ministério Público, as suas manifestações não alçaram à condição de caluniosas, mas, antes, se inseriram no universo da insatisfação. Tal descontentamento, inclusive, encontrou eco em despacho dos órgãos correicionais do Ministério Público, que reconheceram que o caráter ilógico da conduta funcional, recomendando que, doravante, fosse promovida a escorreita aplicação da Lei 9.099/95.

2. Ordem concedida para trancar a ação penal n. 21.494-0, em curso na 2.ª Vara da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí/MG.

(HC n. 115.684/MG, Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 18/12/2009 - grifo nosso)

Reitero que, pela leitura dos trechos transcritos, da ocorrência policial e da denúncia, não é possível ver explicitada a intenção de imputar à Juíza a prática de crime, em especial de abuso de autoridade, como mencionado na denúncia. A ocorrência foi registrada, narrando-se exatamente o fato ocorrido, de modo objetivo, não se podendo extrair a intenção de ofender a pessoa da magistrada. A propósito, confira-se mais o seguinte precedente desta Corte:

QUEIXA. CALÚNIA, INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. RENÚNCIA TÁCITA DO DIREITO DE QUEIXA. INÉPCIA DA QUEIXA.

I - A ausência de oferecimento de queixa-crime em relação aos co-autores, em tese, dos crimes contra honra implica a renúncia do direito de queixa em relação a todos, nos termos do art. 49 do CPP. (Precedentes do STF e desta Corte)

II - A calúnia é a imputação falsa à alguém de fato definido como crime. O pedido de abertura de inquérito sobre fatos que ocorreram e que poderiam eventualmente configurar um ilícito penal não se enquadram na hipótese de imputação falsa. Além do mais, pelos dados colhidos se verifica que incide ao caso concreto a hipótese do estrito cumprimento do dever legal, que para uns configura hipótese de excludente de antijuridicidade, e para outros de atipicidade conglobante.

III - Na injúria não se imputa fato determinado, mas se formula juízos de valor, exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio de alguém. Ocorre que da leitura dos trechos transcritos na exordial acusatória não se vislumbra a prática de tal delito, porquanto as quereladas, no pedido de instauração de inquérito policial criminal, não formularam considerações em relação à dignidade ou decoro do querelado, não tendo sido praticado o crime de

injúria.

IV - O crime de difamação consiste na imputação de fato que incide na reprovação ético-social, ferindo, portanto, a reputação do indivíduo, pouco importando que o fato imputado seja ou não verdadeiro. Entretanto, o querelante não particularizou qual seria o fato determinado que seria ofensivo à sua honra. Na peça elaborada pelas quereladas consta somente a narração da atuação do querelante, enquanto Juiz Substituto, em autos de execução cível, e a indicação da existência de

indícios da ocorrência de crime, com a solicitação da instauração de investigação. Isso, por si só, não se amolda à conduta inscrita no tipo acima mencionado.

V - Além do mais, se tivesse havido calúnia, ela não poderia ser automaticamente injúria e difamação.

Queixa julgada improcedente, com base no art. 395, incs. I e III, do CPP c/c art. 6º da Lei 8.038/90.

(APn n. 560/RJ, Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 29/10/2009 - grifo nosso)

Ademais, o ora paciente, ao se dirigir à delegacia policial para o registro da ocorrência, na verdade, estava atuando como advogado público, tendo em vista tratar-se de procurador federal, que tomou a decisão de acompanhar o servidor do INSS, o qual se sentia ameaçado pela ordem de prisão, para o registro do fato perante a autoridade policial. Eventuais excessos cometidos pelo advogado no exercício da profissão, por si sós, não configuram o crime de calúnia, mormente quando manifesta a atipicidade subjetiva, ou seja, a ausência do dolo:

HABEAS CORPUS . DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO IMPUTADOS A ADVOGADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

1. Excessos na defesa de interesse patrocinado em juízo, embora distantes da objetividade que deve gravar a atuação profissional do advogado e, por isso, reprováveis, não podem conduzir à afirmação

de crime, quando a atipicidade subjetiva do fato se mostra evidente, na inicial de "ação de indenização por danos materiais e reparação por danos morais" , proposta contra juiz de Direito, por ato praticado no exercício da jurisdição.

2. Ordem concedida.

(HC n. 30.042/SP, Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJe 11/4/2005 - grifo nosso)

HABEAS CORPUS . REPRESENTAÇÃO CONTRA JUIZ EM FACE DE DEMORA NA ANÁLISE DE PROCESSO JUDICIAL. INJÚRIA, DIFAMAÇÃO E CALÚNIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. LEI 8.906/94.

1. No cumprimento do seu dever de ofício, ou seja, na ação restrita à causa de seu patrocínio, o advogado tem a cobertura de imunidade profissional, em se tratando de crimes contra a honra.

(Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º).

2. Não obstante a impropriedade verbal em Representação intentada contra Magistrados, por demora na tramitação de processos, sob seu patrocínio profissional, situação esta por nenhum momento contestada, não há como se concluir, no caso, pela ocorrência de falsa imputação de fato definido como crime.

3. Recurso provido.

(RHC n. 11.474/MT, Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, DJ 4/2/2002 - grifo nosso)

Ressalte-se que essa imunidade se impõe mesmo nos casos em que a alegada ofensa é praticada contra magistrado, desde que presente o animus defendendi. Nesse sentido: HC n. 41.576/RS, Sexta Turma, Paulo Medina, DJ 25/6/2007.

Como já exposto, dos fatos narrados não se verifica ter o paciente saído da atuação profissional para ingressar no campo ofensivo à pessoa da magistrada.

Sendo assim, não houve fato típico e, tampouco, justa causa quanto ao delito de calúnia.

Ante o exposto, concedo a ordem para, reconhecendo a atipicidade das condutas e a ausência de justa causa, determinar o trancamento e a extinção da ação penal, decisão que estendo ao corréu, J.A.S.

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