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Garantia da coisa julgada

JF declara inconstitucional regime de compensação de precatórios

ação questiona a compensação de débitos antes da expedição do precatório e o procedimento de compensação instituído pela lei 12.431/11.

Da Redação

terça-feira, 26 de março de 2013

Atualizado às 09:21

O juízo da 8ª vara Cível Federal de SP declarou a inconstitucionalidade do procedimento instituído pela lei 12.431/11 para a compensação prevista nos § 9º e 10 do artigo 100 da CF/88, introduzidos pela EC 62/09, por violação à garantia da coisa julgada, bem como ao princípio da razoável duração do processo. A ação questiona a compensação de débitos antes da expedição do precatório e o procedimento de compensação instituído pela norma.

De acordo com a decisão, o "§ 9º do artigo 100 da CF viola a garantia constitucional da coisa julgada (limitação material explícita, prevista no artigo 60, 4º, inciso IV, da Constituição), ao autorizar que, no momento da expedição dos precatórios, deles seja abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial".

O magistrado também cita que "a lei, ao conceder à União novo prazo de 30 dias para se manifestar sobre a impugnação do pedido de compensação e estabelecer efeito suspensivo obrigatório ao agravo de instrumento, depois de transitada em julgado a sentença e de liquidada esta, está a criar meios que não garantem a celeridade da tramitação do processo".

O juiz ainda ressalta que "ao afirmar a inconstitucionalidade da compensação ora pretendida, não estou subtraindo da Fazenda Pública os meios de cobrança de seus créditos. Os meios existem. Basta que ela peça ao juízo competente, que é o juízo da execução fiscal ou de qualquer outra causa que gerou seu crédito, a ordem de penhora no rosto dos autos em que será expedido o precatório, cabendo a tal juízo competente (o juízo natural da causa), não havendo óbice à cobrança, expedir a ordem de penhora, a qual será cumprida".

A causa foi patrocinada pelo escritório Bueno Barbosa Advogados Associados.

  • Processo: 0004711-13.2010.4.03.6100

Veja abaixo a íntegra da decisão.

___________

*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio

DECISÃO FLS. 1016/1021: 1. Fls. 956/967, 969/972 e 990/996: julgo a questão prejudicial de inconstitucionalidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, que dispõem:

Art. 100 (...)(...)§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. § 10 Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no 9º, para os fins nele previstos.

Esses dispositivos, introduzidos na Constituição do Brasil por meio de emenda, pelo denominado poder constituinte derivado, violam a garantia da coisa julgada, que é cláusula pétrea.

O inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição do Brasil, que integra o título dos direitos e garantias fundamentais, estabelece que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". O artigo 60, 4º, inciso IV, da Constituição do Brasil dispõe que "Não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais".

O poder de emenda à Constituição, exercido pelo Congresso Nacional, que no exercício dessa competência atua como poder constituinte derivado, não é ilimitado, e sim está sujeito às limitações formais, materiais e temporais, explicitadas no artigo 60 da Constituição do Brasil, bem como às chamadas limitações implícitas, que não vêm ao caso.

O 9º do artigo 100 da Constituição do Brasil viola a garantia constitucional da coisa julgada (limitação material explícita, prevista no artigo 60, 4º, inciso IV, da Constituição), ao autorizar que, no momento da expedição dos precatórios, deles seja abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

Se a Fazenda Pública, citada para os fins do artigo 730 do Código de Processo Civil, não suscita, por meio de embargos à execução, a existência de créditos seus passíveis de compensação e supervenientes à sentença do processo de conhecimento, como o autoriza o inciso VI do artigo 741 do Código de Processo Civil , há formação da coisa julgada material, ressalvado erro material (erro de cálculo, que não transita em julgado), coisa julgada esta que protege também o valor constante da própria petição inicial da execução que não foi embargada ou o valor fixado na sentença que julgou os embargos à execução apresentados pela Fazenda Pública, fundados em outro motivo que não a compensação.

Depois do trânsito em julgado, quer pelo decurso do prazo para oposição dos embargos à execução, quer pelo trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública, fundados em motivos outros que não a compensação, não se pode admitir a modificação do valor da execução por força de pedido de compensação apresentado quando da expedição do precatório, sob pena de violação da coisa julgada.Além da coisa julgada, o 9º do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 62/2009, viola também outra garantia constitucional: a da razoável duração do processo.O inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição do Brasil estabelece que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

O que tem se verificado no caso da compensação do 9º do artigo 100 da Constituição do Brasil? Depois do trânsito em julgado a Fazenda Pública pede a compensação com base nesse dispositivo constitucional. Esse pedido instaura nova fase de julgamento da causa e gera incidente processual complexo, que exige ampla instrução probatória e decisão judicial com base em cognição plena e exauriente para resolver a compensação.A Fazenda Pública aponta vários débitos para compensação.

A parte contrária tem a oportunidade de apresentar impugnação sobre o pedido de compensação. Instaurada a controvérsia sobre os créditos que a Fazenda Pública apresenta para compensação, há necessidade de resolução, pelo próprio juízo da execução que expedirá o precatório, de questões complexas e que até então pendiam há anos de resolução pelo Poder Judiciário, mas que agora devem ser resolvidas imediatamente, todas aglutinadas em uma única fase do processo, como a prescrição da pretensão de cobrança de créditos relativos a execuções fiscais, a legitimidade passiva do suposto devedor, a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários, o montante passível de compensação, a abertura de nova fase para apresentação de cálculos de atualização, a remessa dos autos ao contador etc.

Em outras palavras, no final de um processo que já estava caminhando para a extinção da execução ? uma vez que, liquidado o precatório, decreta-se a extinção da execução, remetendo-se os autos definitivamente para o arquivo. Isto é, em processo quase terminado e no qual estava constituída a coisa julgada material, cuja imutabilidade e eficácia preclusiva atingem também o próprio valor da execução a ser pago por meio de precatório, instaura-se novo processo, com amplas instrução e cognição, para resolução de questões complexas e que não integravam a causa originária proposta pelo credor da Fazenda Pública.

Com um aspecto que deve ser enfatizado e repetido: até a formação da coisa julgada em nenhum momento tais questões haviam sido suscitadas como motivos extintivos da obrigação de pagar o precatório, no momento próprio, por ocasião dos embargos à execução.Devem ser resolvidas pelo juízo natural da causa, que é o da execução fiscal, todas as questões que impedem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública, e cabe a esta pleitear àquele juízo ordem judicial de penhora no rosto dos autos em que será expedido o precatório, nos termos do artigo 674 do Código de Processo Civil .

Ao afirmar a inconstitucionalidade da compensação ora pretendida, não estou subtraindo da Fazenda Pública os meios de cobrança de seus créditos. Os meios existem. Basta que ela peça ao juízo competente, que é o juízo da execução fiscal ou de qualquer outra causa que gerou seu crédito, a ordem de penhora no rosto dos autos em que será expedido o precatório, cabendo a tal juízo competente (o juízo natural da causa), não havendo óbice à cobrança, expedir a ordem de penhora, a qual será cumprida.É importante registrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento concluído em 25.11.2010 dos pedidos de medida cautelar em duas ações diretas de inconstitucionalidade, ajuizadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e pela Confederação Nacional da Indústria - CNI (ADIs 2356 e 2362 MC/DF, relator original Ministro Néri da Silveira, redator para o acórdão Ministro Ayres Britto, deferiu os pedidos para suspender, até julgamento final das ações diretas, a eficácia do art. 2º da EC 30/00, que introduziu o art. 78 e seus parágrafos no ADCT da CF/88, segundo o qual "ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data da promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos".

Nesse julgamento, segundo o informativo SFT nº 610 (o acórdão ainda não foi publicado), o Ministro Celso de Mello fundamentou expressamente seu voto na violação da coisa julgada pela Emenda Constitucional 30/2000, afirmando "que a norma questionada comprometeria a própria decisão que, subjacente à expedição do precatório pendente, estaria amparada pela autoridade da coisa julgada, o que vulneraria o postulado da separação de poderes, bem como afetaria um valor essencial ao Estado Democrático de Direito, qual seja, a segurança jurídica".O procedimento instituído pela Lei nº 12.431/2011 para a compensação prevista nos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, somente confirma a violação do princípio constitucional da razoável duração do processo.

Além do prazo previsto no 10 do artigo 100 da Constituição, para a União se manifestar, em 30 dias, sobre a existência de créditos passíveis de compensação com o valor do precatório, antes da expedição deste, prazo esse reiterado pelo 3º do artigo 30 da Lei nº 12.431/2011, esta lei estabelece, na fase de execução e depois do trânsito em julgado, procedimento complexo e demorado.

Trata-se de um autêntico processo de conhecimento, de cognição plenária e aprofundada, do ponto de vista vertical, para o processamento do pedido de compensação.Demonstro. Depois do prazo de 30 dias para a União especificar seus créditos passíveis de compensação com o valor do precatório, apresentado o pedido de compensação o beneficiário do precatório disporá de prazo de 15 dias para impugnar tal pedido (artigo 31, cabeça, da Lei nº 12.431/2011).

Ainda que os 1º e 2º do artigo 31 da Lei nº 12.431/2011 limitem a cognição, do ponto de vista horizontal, ao estabelecer a matéria passível de ser veiculada na impugnação do beneficiário do precatório, do ponto de vista vertical a cognição desse pedido, pelo juiz, é aprofundada e exauriente. Apresentada a impugnação do beneficiário do precatório ao pedido de compensação, a União disporá de novo prazo de 30 dias, agora para se manifestar sobre a impugnação (artigo 32 da Lei nº 12.431/2011).

Respondida a impugnação pela União, o juiz deverá resolvê-la, em 10 dias, limitando-se a "identificar eventuais débitos que não poderão ser compensados, o montante que deverá ser submetido ao abatimento e o valor líquido do precatório", a teor do artigo 33 da Lei nº 12.431/2011.Resolvida a impugnação e identificados os débitos passíveis de compensação, caberá agravo de instrumento, que produzirá efeito suspensivo automático, por força de lei (efeito suspensivo ex lege), por força dos artigos 34, 1º, e 35, cabeça, da Lei nº 12.431/2011.

Sendo contado em dobro o prazo para a União interpor agravo de instrumento da decisão que resolver o pedido de compensação, a partir da intimação dela para apresentar débitos compensáveis com o precatório até a Secretaria aguardar o trânsito em julgado da decisão que resolver a impugnação e a compensação, somam-se 105 (cento e cinco) dias de prazos.Sem contar o efeito suspensivo automático do agravo de instrumento e a impossibilidade de requisição do pagamento, por meio de precatório, até o trânsito em julgado daquele recurso.Até transitar em julgado a decisão final que resolver o pedido de compensação, o que poderá ocorrer tanto no Tribunal Regional Federal da Terceira Região como no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, caso a questão seja levada às instâncias extraordinárias, a expedição do precatório ficará sobrestada sabe-se lá por quanto tempo.

Mas ainda que ainda não ocorra a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que resolver a impugnação, depois do trânsito em julgado dessa decisão a União será intimada, com novo prazo de 30 dias, desta vez para registrar, em seu banco de dados, o deferimento da compensação, bem como para fornecer os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação referentes aos débitos compensados (artigo 36, cabeça, da Lei nº 12.431/2011).Devolvidos os autos pela União, nova vista dos autos será dada do beneficiário do precatório. A Lei nº 12.431/2011 não estabelece o prazo dessa vista. Aplicada a regra geral que estabelece que, no silêncio da lei e do juiz, o prazo é de 5 dias (artigo 185 do Código de Processo Civil), terão decorrido 140 (cento e quarenta) dias de prazos desde a abertura de vista dos autos à União para apresentar o pedido de compensação, tempo esse superior ao procedimento mais amplo, de cognição plenária e exauriente, previsto no Código de Processo Civil, que é o procedimento ordinário. Mas a demora no procedimento de compensação não se esgota no ato de registro dela no banco de dados da União. Depois do registro da compensação pela União, nos termos do artigo 36, cabeça e 1º a 4º, da Lei nº 12.431/2011, será necessária a remessa dos autos à contadoria da Justiça Federal.É que o crédito da União será atualizado "nos termos da legislação que rege a cobrança dos créditos da Fazenda Pública Federal" até a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação, por força do 8º do artigo 36 da Lei nº 12.431/2011.Mas a remessa dos autos à contadoria não é tão simples como parece. Para que se possa realizar o encontro de contas na compensação, é evidente que será necessária a atualização do crédito do beneficiário do precatório, nos termos do título executivo judicial, também até a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação.

Somente com a atualização do crédito da União e do crédito do beneficiário do precatório para a mesma data, a do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação, está poderá ser realizada.É possível prever, com razoável probabilidade de acerto, os inúmeros incidentes processuais que surgirão na atualização dos valores pela contadoria da Justi juros moratórios incidirão contra a União até a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação, as novas e sucessivas remessas dos autos à contadoria da Justiça Federal para refazer contas, etc.Sendo muito otimista, e desprezando não somente os prazos que a Secretaria tem para lavrar termos e certidões de decurso de prazo, remeter publicações ao Diário da Justiça eletrônico e abrir conclusão, mas também o prazo de 10 dias de que dispõe o juiz para proferir decisão (artigo 189, inciso II, do Código de Processo Civil) a cada oportunidade que os autos lhe são conclusos para tanto, dificilmente o pedido de compensação será resolvido em menos de 2 (dois) anos.Este prazo deixa de lado a situação em que é interposto agravo de instrumento em face de decisão do juiz que resolver o pedido de compensação, recurso este que, como visto, é dotado de efeito suspensivo automático (ex lege).

Sem considerar a possibilidade de o trânsito em julgado, no agravo de instrumento, não ocorrer no próprio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, e sim no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.O credor da Fazenda Pública, depois do trânsito em julgado (em processo de execução no qual bastaria a mera expedição de precatório e a decretação da extinção da execução), levará anos para, se for o caso, ver resolvido definitivamente o processo de execução e o pedido de compensação.

O que é pior é a circunstância de a compensação ser matéria de defesa, passível de ser suscitada por qualquer credor, inclusive pela Fazenda Pública, na fase de conhecimento, na contestação. Ou, se superveniente o crédito da Fazenda Pública, poderia a compensação ser suscitada por meio de embargos à execução, conforme já assinalado anteriormente (artigo 741, inciso VI, do Código de Processo Civil).

Em outras palavras, se antes havia duas oportunidades, em procedimentos de cognição plenária e exauriente, para a Fazenda Pública suscitar a compensação, agora são três as oportunidades para fazê-lo.É clara a violação do princípio da razoável duração do processo. A última das oportunidades para suscitar a questão da compensação ocorre depois do trânsito em julgado e de não ter esta questão sido ventilada nas épocas próprias para fazê-lo (contestação e embargos à execução).

Há violação da eficácia preclusiva da coisa julgada, prevista no artigo 474 do Código de Processo Civil, segundo o qual "Passada em julgado a sentença de mérito, repurta-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".Sobre violar a eficácia preclusiva da coisa julgada, há também violação do princípio constitucional da igualdade. Se todos os credores podem suscitar a questão da compensação somente na contestação ou em impugnação ao cumprimento da sentença ? nesta impugnação desde que o crédito passível de compensação seja superveniente à sentença do processo de conhecimento, nos termos do artigo 475-L, inciso VI, do CPC ?, a Fazenda Pública tem um tratamento processual (mais um) privilegiado.

De fato, a Fazenda Pública poderá suscitar a questão da compensação depois do trânsito em julgado da sentença, com violação da eficácia preclusiva da coisa julgada, pouco importando se o crédito por ela invocado para compensação já existia por ocasião da contestação ou da citação para dela os fins do artigo 730 do CPC, ocasiões em que a questão da compensação poderia ter integrado a contestação ou sido objeto de embargos à execução, respectivamente.

Desse modo, enquanto a Fazenda Pública se utiliza da extrema complexidade e morosidade do procedimento de compensação, o Poder Judiciário permanecerá a carregar, perante a sociedade, a pecha de moroso e ineficiente, sendo ainda sobrecarregado com o processamento mais um processo de cognição plenária ampla e exauriente, agora na fase de execução e depois do trânsito em julgado.Finalmente, cabe acrescentar que o Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), em voto proferido no Plenário em 6.10.2011, na condição de relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade - ADIs nºs 4357, 4372, 4400 e 4425, declarou a inconstitucionalidade total da Emenda Constitucional nº 62/2009.

Após o voto do Ministro relator, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux. No que diz respeito especificamente à inconstitucionalidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, o voto do Ministro Relator vai ao encontro da fundamentação por mim exposta acima, no que diz respeito à violação, pelos citados 9º e 10 do artigo 100 da CF, dos princípios da coisa julgada e da razoável duração do processo. Cito os seguintes trechos do voto do Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Ayres Britto:

22. Continuo neste exame das arguições dos requerentes para analisar a alegação de inconstitucionalidade dos 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal. Confira-se a redação dos dispositivos impugnados:(...)

23. Como se vê, as normas jurídicas atacadas chancelam uma compensação obrigatória do crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda Pública. Compensação que se opera "antes da expedição dos precatórios" e mediante informação da Fazenda devedora, no prazo de 30 (trinta) dias. Dando-se que o objetivo da norma é, nas palavras do próprio Advogado-Geral da União, precisamente este: "impedir que os administrados (especialmente os que devem valores vultosos à Fazenda) recebam seus créditos sem que suas dívidas perante o Estado sejam satisfeitas". E se é assim, o que se tem - penso - é um acréscimo de prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa do regime em si do precatório. Mas uma "super" ou sobre-prerrogativa que, ao menos quanto aos créditos privados já reconhecidos em decisão judicial com trânsito em julgado, vai implicar violação da res judicata. Mais até, vai consagrar um tipo de superioridade processual da parte pública sem a menor observância da garantia do devido processo legal e seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa.

24. Em palavras outras, a via-crucis do precatório passou a conhecer uma nova estação, a configurar arrevezada espécie de terceiro turno processual-judiciário, ou, quando menos, processual-administrativo. Com a agravante da não participação da contraparte privada. É como dizer: depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vê reconhecido seu direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes de natureza alimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal reconhecido. E não se argumente que ao administrado é facultada a impugnação judicial ou administrativa dos débitos informados pela Fazenda Pública. É que o cumprimento das decisões judiciais não pode ficar na dependência de manifestação alguma da Administração Pública, nem as demandas devem se eternizar (e se multiplicar), porque "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (inciso LXXVIII do art. 5º da CF).

25. Em síntese, esse tipo unilateral e automático de compensação de valores, agora constante dos 9º e 10 da Magna Carta (redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009), embaraça a efetividade da jurisdição e desrespeita a coisa julgada.

E nessa linha é que se pronunciou o Supremo Tribunal Federal quanto a mecanismo semelhante, inserido no art. 19 da Lei nº 11.033/2004. Artigo que foi unanimemente declarado inconstitucional pelo Plenário desta nossa Corte na ADI 3.453. Colho do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora, o seguinte trecho:(...)

26. Com efeito, esse tipo de conformação normativa, mesmo que veiculada por emenda à Constituição, também importa contratura no princípio da separação dos Poderes. No caso, em desfavor do Poder Judiciário. Como ainda se contrapõe àquele traço ou àquela nota que, integrativa da proporcionalidade, demanda a observância obrigatória da exigibilidade/necessidade para a restrição de direito. Isso porque a Fazenda Pública dispõe de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos tributários e não-tributários. Basta pensar que o crédito, constituído e inscrito em dívida ativa pelo próprio Poder Público, pode imediatamente ser executado, inclusive com a obtenção de penhora de eventual precatório existente em favor do administrado. Sem falar na inclusão do devedor nos cadastros de inadimplentes. A propósito, este Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme no sentido de vedar o uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo. Confiram-se, nesse sentido, as Súmulas n. 70, 323 e 547.9 Assim também vocalizou o Ministro Joaquim Barbosa na citada ADI 3.453, verbis:(...)

27. Não é tudo, porque também me parece resultar preterido o princípio constitucional da isonomia.

Explico.

Exige-se do Poder Público, para o recebimento de valores em execução fiscal, a prova de que o Estado nada deve à contraparte privada? Claro que não! Ao cobrar o crédito de que é titular, a Fazenda Pública não é obrigada a compensá-lo com eventual débito dela (Fazenda Pública) em face do credor contribuinte.

Por conseguinte, revela-se, por mais um título, antiisonômica a sistemática dos 9º e 10 do art. 100 da Constituição da República, incluídos pela Emenda Constitucional nº 62/2009.

Pelas mesmas razões, é inconstitucional a expressão "permitida por iniciativa do Poder executivo a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do 9º do art. 100 da Constituição Federal", contida no inciso II do 9º do art. 97 do ADCT. Ante o exposto, declaro incidentemente a inconstitucionalidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, e indefiro o pedido de compensação.

2. Pelos mesmos fundamentos expostos acima, no que diz respeito à violação do princípio constitucional previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição do Brasil, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", declaro também, incidentemente, a inconstitucionalidade do artigo 32, do 1º do artigo 34 e do artigo 35 da Lei nº 12.431/2011, que dispõem, respectivamente:

Art. 32. Apresentada a impugnação pelo beneficiário do precatório, o juiz intimará, pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, o órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução, para manifestação em 30 (trinta) dias.

Art. 34 (...) 1º O agravo de instrumento terá efeito suspensivo e impedirá a requisição do precatório ao Tribunal até o seu trânsito em julgado.(...)

Art. 35. Antes do trânsito em julgado da decisão mencionada no art. 34 desta Lei, somente será admissível a requisição ao Tribunal de precatório relativo à parte incontroversa da compensação.

Com efeito, sob a ótica do princípio constitucional da razoável duração do processo, de nada adiantaria afastar a incidência e aplicabilidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, se, de qualquer modo, ter-se-ia obstada a possibilidade de expedição do precatório, para aguardar, durante anos, o trânsito em julgado do julgamento final em eventual agravo de instrumento interposto contra esta decisão, como prevêem o 1º do artigo 34 e o artigo 35 da Lei nº 12.431/2011. Para a razoável duração do processo, a Constituição exige que o legislador adote "os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Trata-se de comando dirigido ao legislador. A lei, ao conceder à União novo prazo de 30 dias para se manifestar sobre a impugnação do pedido de compensação (além do prazo de 30 dias de que a União já dispõe para apresentar o pedido de compensação) e estabelecer efeito suspensivo obrigatório (ex lege) ao agravo de instrumento (interposto na fase de execução contra a decisão que indeferir a compensação), depois de transitada em julgado a sentença e de liquidada esta, está a criar meios que não garantem a celeridade da tramitação do processo. É público e notório que os Tribunais estão abarrotados de autos de processos, especialmente de agravos de instrumento. O recuso interposto contra a decisão que indefere a compensação demorará anos para ser julgado.

3. O nome da exequente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ corresponde ao constante da autuação. Junte a Secretaria aos autos o comprovante de situação cadastral dela no CNPJ.

4. Expeça a Secretaria o ofício precatório em benefício da exequente no valor fixado nos autos dos embargos à execução nº 0011117-16.2011.4.03.6100 (fl. 931), fazendo constar a data da intimação da União nos termos do 10º do artigo 100 da Constituição do Brasil (14.08,2012 - fl. 934) e inclua a observação de que o valor do precatório deverá ser depositado à ordem deste juízo, valor esse que somente poderá ser levantado depois de transitada em julgado a decisão final que indeferir a compensação, a fim de manter o equilíbrio entre as partes e não causar à União dano irreparável ou de difícil reparação.

5. Ficam as partes intimadas desse ofício, com prazo sucessivo de 10 (dez) dias.

Publique-se.

Intime-se.------------------------------------------------------------------------------ da decisão de fls. 1.016/1.021, em relação à data da intimação da União, nos termos do 10º do artigo 100 da Constituição do Brasil.Nessa decisão, onde se lê "14.08.2012 - fl. 934", leia-se "17.08.2012 - fl. 934".

Publique-se esta e a decisão de fls. 1.016/1.021.

Disponibilização D.Eletrônico de despacho em 13/03/2013 ,pag 117/128

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