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Casamento homoafetivo

Adriano Ferriani: Equilíbrio é necessário para garantir direitos dos homossexuais

O professor de Direito Civil Adriano Ferriani questiona a forma como se deu a a tutela dos interesses dos homossexuais.

Da Redação

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Atualizado em 15 de maio de 2013 15:47

Passa a vigorar nesta quinta-feira, 16, a resolução 175/13, do CNJ, que disciplina a atuação dos cartórios no casamento de casais homoafetivos.

Em relação à norma, o professor de Direito Civil Adriano Ferriani destaca que não há dúvida de que os homossexuais precisavam ter seus interesses tutelados, mas questiona se isso não deveria ter sido feito pelo Legislativo.

O especialista levanta também a questão da resolução estar amparada na decisão do STF. "A proteção aos direitos dos homossexuais é de fato necessária. Todas as dúvidas que suscito dizem respeito à forma como tudo se deu e a mais um precedente importante que se abre. O custo para essa decisão pode ser alto em outros aspectos".

Avanço

Para os especialistas, Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, respectivamente presidente e vice do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, a aprovação da resolução é um avanço social. Segundo Rodrigo da Cunha, além de permitir que casais homossexuais se casem, a resolução contribui também para que esse ato se torne parte da normalidade da sociedade."A expropriação do direito de cidadão dos homossexuais deve-se, principalmente, à cultura moral e religiosa da sociedade brasileira e com a resolução se tornará normal perante às pessoas", afirmou.

Apesar disso, Maria Berenice defende que ainda é necessária a aprovação de uma lei que assegure os direitos dos homossexuais não somente em relação ao casamento, mas em todos outros sentidos em que se envolve a questão familiar. "O casamento não precisa mais de aprovação judicial, mas e os outros direitos? Por falta da lei, muitas vezes esse casais terão que recorrer à Justiça para obterem seus direitos".

Em relação ao cumprimento da resolução 175/13, os especialistas concordam que os casais homossexuais não deverão ter problemas. "Se a união entre pessoas do mesmo sexo foi equiparada à união estável, a consequência deve ser a mesma: facilitação do casamento".

Veja abaixo a entrevista na íntrega com Adriano Ferriani.

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1 - O que acontecerá a partir de agora com a aprovação da resolução? Ex.: qual será o posicionamento dos cartórios, muitos casais terão que recorrer à Justiça?

Penso que a tendência é o cumprimento da Resolução por parte dos cartórios. Recusar a habilitação é remar contra a maré. Muito embora as decisões do STF, referidas na Resolução, não tenham enfrentado o assunto "casamento", o parágrafo terceiro do art. 226 da CF/88 é inequívoco ao determinar que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Se a união entre pessoas do mesmo sexo foi equiparada à união estável, a consequência deve ser a mesma: facilitação do casamento.

2 - O ministro Joaquim Barbosa afirmou que a aprovação da resolução segue as transformações da sociedade. Essa resolução é realmente um avanço e conseguirá atender as necessidades dos homossexuais em relação ao casamento civil?

A afirmação é infeliz. Embora esse assunto seja extraordinariamente complicado, não se medem nem se acompanham transformações da sociedade por meio de resolução.

Não obstante isso, é importante lembrar que a Resolução está amparada em decisão do STF que reconheceu a possibilidade de caracterização de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. Se, por um lado, tal decisão do STF pode parecer um avanço, por tutelar plenamente, e em igualdade de condições, os interesses das pessoas que querem se casar com outra do mesmo sexo, por outro lado, é perigosa.

A CF/88 prescreve que a lei - e não o STF - deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Particularmente, não entendo adequado que se façam determinações dessa ordem por meio de Resolução. A decisão do STF não apreciou a questão do casamento. Apenas da união estável. E uma coisa é diferente da outra. Os direitos que decorrem da união estável não são os mesmos que decorrem do casamento, principalmente os sucessórios.

Não se pode negar que as decisões judiciais muitas vezes devem mesmo assumir um papel criador e inovador. Principalmente quando o cenário revela um Poder Legislativo inerte, que muito deixa a desejar. Porém, é preciso refletir sobre o limite para a criação por parte do Poder Judiciário. Extrapolar esse limite significa agredir, de forma nociva, o princípio da separação dos Poderes.

Nesse sentido, apesar de reconhecer a necessidade de tutelar os interesses dos homossexuais, cabe indagar se a decisão do STF, de 2011, foi mesmo acertada. Não se pode ignorar que grande parte dos juízes não se furtou a essa tarefa mesmo antes da decisão do STF.

Em outras palavras, não há dúvida que os homossexuais precisavam ter seus interesses tutelados. Mas deveria isso ser feito por meio do casamento? Não seria o Poder Legislativo o responsável por alteração de tal grandeza? Por isso, a questão que remanesce é a forma como isso se deu. A preocupação que expresso definitivamente não se volta para o assunto casamento de homossexuais especificamente, mas para o precedente que se cria para outros assuntos que possam vir a ser examinados pelo STF. E também para as consequências que decorrem de decisões assim, como essa Resolução sob comento.

Soluções adequadas para situações como essa são geralmente encontradas com equilíbrio quando se busca o meio termo. O anseio desmedido pela Justiça pode atentar contra outro bem relevante, que é a segurança. A propósito, atentar contra a segurança pode, muitas vezes, ser mais nocivo do que relegar a Justiça a um segundo plano. Os institutos da prescrição e da coisa julgada são bons exemplos disso.

3 - O art. 2º da resolução dispõe que a recusa dos pedidos referentes à habilitação, celebração e ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. É possível que, mesmo com a aprovação do CNJ, os juízes decidam pelo não provimento de um pedido de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como decidiu a 7ª câmara Cível do TJ/RJ?

Penso que tecnicamente seja possível, mas tudo isso será inócuo, pois, em última instância, eventuais decisões contrárias serão reformadas. O STF já decidiu por toda a sociedade e pelo Poder Legislativo como deve ser. Pautaram-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade para atender ao anseio que existia por parcela considerável da população, homossexuais e heterossexuais, no sentido de obter a regulação da matéria.

Outras questões surgem com isso. Como a da adoção conjunta de crianças por pessoas do mesmo sexo. E também essa matéria já se encontra, indiretamente, decidida pelo STF, lamentavelmente sem a participação da sociedade. Isso ocorre porque o parágrafo segundo do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a redação dada pela lei 12.010, de 3/8/ 09, estabelece como requisito para a adoção conjunta a existência de casamento civil ou de união estável.

Há países que admitem casamento de pessoas do mesmo sexo, mas não a adoção. Sem entrar no mérito sobre a conveniência ou inconveniência da distinção, não teremos a oportunidade de discutir isso no foro adequado (Poder Legislativo).

4 - Qual o será o posicionamento do judiciário em relação à resolução?

Acredito que o Poder Judiciário irá acompanhar e respeitar a Resolução. Isso porque a proteção aos direitos dos homossexuais é de fato necessária. Todas as dúvidas que suscito dizem respeito à forma como tudo se deu e a mais um precedente importante que se abre. O custo para essa decisão pode ser alto em outros aspectos.

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