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Insatisfeita, organização "Repórteres Sem Fronteiras" pede revogação da Lei de Imprensa

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Da Redação

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Atualizado às 11:17

 

Insatisfeita, organização "Repórteres Sem Fronteiras" pede revogação da Lei de Imprensa

 

A ONG "Repórteres Sem Fronteiras" divulgou, em seu site, carta aberta às autoridades brasileiras na qual pede a revogação da Lei de Imprensa, editada em 1967. Essa mobilização, segundo o documento, deve-se a processos movidos contra dois jornalistas brasileiros: Lúcio Flávio Pinto, de Belém (PA), e José Arimatéia de Azevedo, de Teresina (PI). No texto, a entidade cita o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, que se manifestou a favor da revogação dessa lei.

 

"Hoje, todas essas razões devem levá-los a revogar a Lei de 9 de fevereiro de 1967, a respeito da qual, por várias vezes, o próprio presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, declarou que tinha sido 'implicitamente revogada pela Constituição de 1988'", diz o documento.

 

Esse documento é endereçado ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff; ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); ao presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) e ao presidente do STF, ministro Nelson Jobim.

 

A declaração do ministro Vidigal de que a Lei de Imprensa já teria sido revogada com a promulgação da Constituição federal foi citada em palestras feitas em diversos momentos em sindicatos de jornalistas e empresas de comunicação. Para o presidente do STJ, a Constituição já elenca penalidades para eventuais crimes cometidos pelos profissionais desse setor.

 

Além disso, coube ao ministro Vidigal conceder o habeas-corpus ao jornalista José Arimatéia de Azevedo, preso por decisão de um juiz de Teresina. Naquele momento, em sua decisão, o ministro destacou: "A liberdade é a regra no Estado de direito democrático; a restrição à liberdade é exceção, que deve ser excepcionalíssima."

 

E prosseguiu: "O decreto de prisão preventiva deve ser devidamente motivado, surgindo como resultado da análise de fatos concretos. É imprescindível que se demonstre, através de elementos objetivos, o periculum libertatis, ou seja, tem que restar claro que a liberdade do réu poderá causar grandes danos à paz social, à instrução criminal ou à realização da norma repressiva."

A seguir, a íntegra do documento:

 

Carta aberta ao Presidente Lula e aos três Poderes : Repórteres sem Fronteiras pede revogação de lei herdada da Ditadura

 

Comunicado em português

 

Senhora, Senhores, É com grande inquietação que Repórteres sem Fronteiras tomou conhecimento da situação de Lúcio Flávio Pinto, fundador e chefe de redação do quinzenal Jornal Pessoal de Belém (Estado do Pará, Norte do Brasil). Acostumado a abordar temas delicados, como o tráfico de drogas, o desmatamento amazônico ou a corrupção local, esse jornalista hoje enfrenta dezoito processos judiciários, dez dos quais por «calúnia e difamação». Além disso, já foi vítima de ameaças e agressões. Confinado em seu domicílio para elaborar a própria defesa, não poderá receber prêmio que lhe seria entregue em Nova Iorque no fim no mês. E, fato ainda mais grave: corre o risco de ser condenado a três anos de prisão, se as duas penas a que foi condenado em primeira instância se confirmarem após recurso, de acordo com a lei de imprensa de 9 de fevereiro de 1967, em função da qual foram abertos todos esses processos contra o jornalista.

 

Lúcio Flávio Pinto não foi o único a sofrer as conseqüências dessa lei. No dia 26 de outubro de 2005, José de Arimatéia Azevedo, Diretor do site Internet Portal AZ, de Teresina (Estado do Piauí, Nordeste) esteve detido durante 48 horas por «insulto e difamação» e «pressão no curso do processo». No dia 29 de agosto de 2003, no Estado do Rio de Janeiro (Sudeste do Brasil), Alvanir Ferreira Avelino, do diário Dois Estados, foi detido e condenado a dez meses e quinze dias de prisão em regime de semi-liberdade, em virtude de várias queixas por «difamação». Esse jornalista tinha cumprido pena semelhante em 2001 por «delito de opinião».

 

Já é tempo, Senhoras e Senhores, de acabar com essa lei iníqua que, embora raramente aplicada, não deixa de ser parte integrante da Constituição Federal do Brasil, nem de pesar sobre a liberdade de expressão, em geral, e sobre a liberdade de imprensa, em particular.

 

É normal que uma lei herdada do regime militar (1964-1985) esteja em vigor num país democrático ? A situação é ainda mais absurda quando se sabe que o Brasil assinou, como quase todos os países do continente americano, a Declaração de Chapultepec, de 11 de março de 1994, relativa à liberdade de expressão, elaborada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Esse texto reconhece principalmente o verdadeiro papel de contra-poder exercido pela imprensa, papel esse que a lei de 1967 vem negar.

 

Essa incompatibilidade entre a lei de 1967 e os textos, jurisprudência ou tratados atuais não é a única que questionamos. O perigo encontra-se na própria Carta constitucional. Com efeito, esta dá definições sempre bastante elásticas do que sejam delitos de imprensa, que pune com penas de prisão.

 

Assim, o artigo 14 determina que o fato de «fazer propaganda de guerra, processos de subversão contra a ordem política e social ou preconceitos de raça ou classe social » será punido com até quatro anos de prisão. A «caça à subversão» é apanágio dos regimes repressivos. E, hoje em dia, podem-se ainda comparar posicionamentos editoriais com propaganda?

 

O artigo 17 prevê penas de até três anos de prisão e multa equivalente a até vinte salários mínimos para o fato de «ofender a moral pública e os bons costumes». Onde se situam os limites extremos da «moral pública» e dos «bons costumes» ?

 

São previstas penas semelhantes em caso de «calúnia» (artigo 20), «difamação» (artigo 21), «injúria» (artigo 22) e até mesmo «difamação e injúria contra a memória dos mortos» (artigo 24). Esses agravos são considerados «crimes».

 

O artigo 23 aumenta o peso das penas se uma das ofensas citadas nos artigos 20 a 22 for cometida contra : o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, os magistrados do Supremo Tribunal Federal, os Chefes de Estado e Governos estrangeiros ou seus representantes diplomáticos; um funcionário público, em virtude de suas funções; um órgão ou autoridade que exerça a função de autoridade pública.

 

Esse artigo 23, contrário à Declaração de Chapultepec, constitui grave negação da vocação crítica da mídia relativamente ao poder e um álibi cômodo para se impor silêncio aos jornalistas, principalmente às redações locais. A lei de 1967 é tanto mais injusta quanto se aplica à «pequena» mídia que, geralmente, dispõe de recursos escassos. Além do mais, e paradoxalmente, essa lei é utilizada principalmente pelas jurisdições estaduais, enquanto que as federais já não apelam para ela.

 

Hoje, todas essas razões devem levá-los a revogar a lei de 9 de fevereiro de 1967, a respeito da qual, por várias vezes, o próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Vidigal, declarou que tinha sido «implicitamente revogada pela Constituição de 1988».

 

Esperando que um grande debate democrático, seguido por voto do Congresso, permita atingir tal objetivo, rogamos-lhes aceitar, Senhoras e Senhores, os nossos protestos da mais alta consideração.

 

Atentamente,

 

Repórteres sem Fronteiras

 

Reporteros sin Fronteras defiende a los periodistas encarcelados y a la libertad de prensa en el mundo. La organización cuenta con nueve secciones nacionales (Alemania, Austria, Bélgica, Canadá, España, Francia, Italia, Suecia y Suiza), representaciones en Abiyán, Bangkok, Londres, Moscú, Nueva York, Tokio y Washington, y más de 120 corresponsales en el mundo.

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