MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Especialistas analisam concorrência e divergem sobre busca e apreensão em empresas
Direito Antitruste

Especialistas analisam concorrência e divergem sobre busca e apreensão em empresas

O debate aconteceu na última terça-feira, em SP.

Da Redação

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Atualizado às 08:22

Os três principais princípios que funcionam como base para a atuação do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) são: a celeridade, para permitir a aplicação do Direito Antitruste em prazo curto; a integridade, com a aplicação do devido processo legal; e a efetividade. A afirmação é do procurador-chefe do Cade, Gilvandro Araújo, que debateu busca e apreensão no direito da concorrência, na última terça-feira (22/10), no evento coordenado pela Escola de Magistrados Federais da 3ª Região (EMAG), o CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), em SP. Além do procurador do Cade, compuseram a mesa o advogado Tércio Sampaio Ferraz Jr., o desembargador federal José Marcos Lunardelli, que comandou os trabalhos, e o advogado Paolo Mazzucato.

De acordo com o procurador, a nova lei permite que o Cade analise com mais facilidade as condutas anticompetitivas no Brasil e a efetividade é vista como uma punição às empresas após a constatação da irregularidade. Já as buscas e apreensões são consideradas um instrumento necessário. "As buscas e apreensões representam importante instrumento para obtenção de provas, já que a infrações contra a ordem econômica tendem a ser escamoteadas". Gilvandro Araújo citou como importante o aumento da quantidade de acordos de leniência, forma de denúncia que inclui a admissão de culpa da empresa, com a apresentação de documentos que apontem a responsabilidade dos demais envolvidos no caso, mas destacou que o acordo é apenas o primeiro passo da investigação.

O Cade registrou, em 2012, recorde no número de acordos de leniência, que é quando uma das partes envolvidas em crime de cartel resolve colaborar com as investigações do órgão antitruste. De acordo com balanço divulgado em dezembro de 2012, foram assinados no ano passado dez acordos de leniência. O recorde anterior havia sido em 2010, quando foram feitos oito acordos.

O procurador explicou que após a verificação da fidedignidade das informações, o Cade abre processo administrativo que passa pela inspeção. Caso a empresa opte por tal caminho, ou pela ação de busca e apreensão, "que tem um caráter intrusivo e a prática é necessária porque a empresa responsável pelo crime não apresentará de livre e espontânea vontade os documentos ao órgão regulador. Sendo uma ação intrusiva, depende da autorização do Judiciário, mediante a apresentação de indícios que justifiquem a busca e apreensão de documentos", afirma.

Entre os indícios, estão o próprio acordo de leniência, depoimentos de testemunhas, dos concorrentes e características dos mercados. Sobre a atuação de policiais em tais processos, ele diz que a busca é um procedimento civil, relacionado à instauração de processo administrativo. Para o procurador do Cade, a atuação conjunta com a Polícia Civil ou Polícia Federal é possível, mas não é o modelo previsto na lei 12.529/2011, que regulamenta o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Já as dificuldades enfrentadas pelo Cade nas suas operações foram mencionadas por conta da variedade entre os diversos mercados, com diferenças de competitividade, agentes e dinâmicas, que exige estudo e criatividade por parte do Conselho, "que percebe uma tendência através de análises, a indicação da formação de cartéis em mercados oligopolizados, com poucos agentes econômicos. O mesmo vale, para produtos homogêneos, enquanto os heterogêneos podem ser substituídos de forma distinta", afirma ele.

O procurador explicou que, por ser intrusiva, a ação de busca e apreensão de documentos depende da autorização do Judiciário, mediante a apresentação de indícios que a justifiquem. Entre os indícios, estão o próprio acordo de leniência, depoimentos de testemunhas ou terceiros e características dos mercados. Sobre a atuação de policiais em tais processos, "a busca é um procedimento civil, relacionado à instauração de processo administrativo e a atuação conjunta com a Polícia Civil ou Polícia Federal é possível, mas não é o modelo previsto na Lei 12.529/2011, que regulamenta o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência".

Seleção de material

Para evitar constrangimento às empresas, servidores do Cade são os responsáveis por selecionar o material que deve ser apreendido e a devolução dos itens ocorre da forma mais rápida possível e, até por isso, são recolhidos todos os livros ou computadores da companhia, afirma Gilvandro. "Para evitar destinação diferente da prevista inicialmente, o servidor é o depositário do material e a petição que autoriza a ação deve, sempre que possível, conter a data em que eles serão devolvidos", concluiu Gilvandro Araújo.

Já o professor titular da Universidade de São Paulo, o advogado Tércio Sampaio Ferraz Jr. considera a ação de busca e apreensão invasiva. "Estamos tratando com um aspecto de resistência de todos. O assunto diz respeito à integridade de cada um e ter a sua porta aberta não é algo comum. A ação está pautada pelos artigos 173 e 174 da Constituição Federal, que regem o poder normativo e regulador do Estado em questões econômicas".

Sampaio Ferraz destaca que o papel concedido ao Estado é o de fiscalizador, e não de controlador. Assim, a intrusão deve ser analisada com cuidado e, quando necessária, proibida para impedir ação de controle.

O advogado lembra que já foi registrada a condenação de cartéis sem a ação de busca e apreensão, com base apenas em indícios, e cita a polêmica envolvendo a preservação de sigilos. "A comunicação não pode ser atingida, até porque nenhuma pessoa é obrigada a informar tudo que sabe. A necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo telefônico serviu como fio condutor para outro questionamento: é possível ou necessário pedir autorização para a quebra de outros sigilos, como o de dados telemáticos", questiona.

Sampaio Ferraz disse que outra discussão importante envolve a definição de comunicação. Ele aponta que a tendência é não considerar carta aberta ou e-mail aberto, como comunicação. Depois da abertura, a comunicação já ocorreu e trata-se de seu armazenamento, o que permite a concessão de ordem judicial para busca e apreensão, segundo ele.

Para o desembargador José Marcos Lunardelli, outro ponto que deve ser analisado é o vazamento de informações para a imprensa. "É muito difícil evitar que as provas obtidas após a ação de busca e apreensão sejam vazadas para a imprensa, expondo ainda mais a empresa. Isso é mais frequente em casos de cartel ou apuração da atuação de organizações criminosas e isso atinge também o tema da liberdade de expressão e a quebra de sigilo".

Lunardelli explica que o sigilo não envolve terceiros, apenas as autoridades e, em muitas ocasiões, o vazamento de dados ou documentos causa muito prejuízo aos investigados, mesmo que acabem absolvidos. "Debates como o este são importantes porque aumentam o grau de reflexão sobre o assunto, auxiliando o Judiciário em um tema sobre o qual não há jurisprudência".

Já o advogado Paolo Mazzucato, que também compôs a mesa, concorda que a ação de busca e apreensão é invasiva e afirma que é necessário discutir a participação de advogados nas ações, já que os profissionais são os legítimos representantes do cidadão. "A urgência da medida da busca e apreensão pode soar como algo estranho. É assim também com o médico que tem um diagnóstico de doença grave no seu paciente. As empresas ficarão cheias de dúvidas e vão precisar do acompanhamento do seu advogado".

______________