MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. "O cárcere não está fora da sociedade"
Política criminal

"O cárcere não está fora da sociedade"

Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP mostra a arte como ponte para o resgate da população encarcerada

Da Redação

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Atualizado às 14:01

No longínquo ano de 1764 o Marquês de Beccaria trazia a público o seu manifesto iluminista Dos delitos e das penas, em que denunciava a má condição dos cárceres europeus e mais do que isso, propunha novas balizas para a ideia de pena, lançando aquelas que seriam as bases para o Direito Penal moderno.

Exatos 250 anos passados, pode-se dizer que no Brasil as condições do sistema carcerário ainda são muito próximas daquelas, e que nos casos em que melhoraram materialmente, ainda demandam um novo olhar para o fenômeno da criminalidade e o sentido da pena.

Intitulado "Seminário", um evento criativo teve lugar no Teatro Gazeta, à av. Paulista, no último sábado, organizado pelas advogadas Adriana Nunes Martorelli e Fabiana Zanatta, respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP. A ideia central do acontecimento era compartilhar com a sociedade as múltiplas atividades terapêuticas desenvolvidas com as presas do CPP - Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantan, e os efeitos positivos na vida de várias daquelas mulheres.

Tão vasto quanto as boas experiências colhidas, o programa do encontro estendeu-se das 9:20 da manhã às 16:30 da tarde, sem interrupção para cafés e até mesmo para almoço. Muita gente tinha o que falar, muitos profissionais tinham o que mostrar - após breves explanações sobre a atividade proposta para as presas, cada um dos profissionais mostrava um pequeno vídeo feito in loco - com autorização judicial, é claro - e algumas chegaram mesmo a propor atividades com a plateia. Meditação e relaxamento, dança, canto, música, poesia são algumas das atividades que vêm colhendo bons frutos no CPP Feminino do Butantan.

Para Rosana Munhoz, que prefere ser chamada de Siari, a meditação segundo as regras da yoga permite às presas vivenciarem o silêncio, o que aos poucos contribui para o desenvolvimento da autorresponsabilidade, mas sobretudo da consciência de que o espaço em que vivem é interno, é o ser de cada uma, que pode e deve ser cuidado e cultivado, mesmo enquanto na prisão.

Foi a partir dessa perspectiva, aliás, que o hoje professor, mestre, doutor e livre-docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da USP Roberto da Silva retratou a sua própria experiência, uma trajetória que começou aos dois anos e meio de idade em um abrigo para órfãos e abandonados, passou pela experiência da extinta Febem e culminaria com uma condenação a 36 anos de pena, não fosse a percepção de que a liberdade poderia ser vivenciada internamente, em seu intelecto: "A partir da noção de que passaria boa parte da vida preso, busquei a liberdade no meu pensamento, aproximando-me da literatura e da filosofia". E o resto não é silêncio, e sim uma história capaz de converter o mais cético dos homens.

Tão surpreendente quanto a história do professor foi ouvir a diretora interdisciplinar de segurança e disciplina da penitenciária do Butantan, a bacharel em Direito Rosângela dos Santos Silva de Souza, narrar à plateia a transformação operada em sua visão das próprias presas a partir do contato com profissionais de fora do sistema - em sua maioria voluntários - que desenvolvem diferentes trabalhos com as reeducandas. "Eu preciso dessa parceria", reconheceu a diretora de disciplina, em uma fala que remete à capacidade humana de constituir-se a partir do olhar do outro.

O evento foi fechado com chave de ouro com a narrativa da experiência pioneira desenvolvida dentro da penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos/SP. A partir da sugestão de um agente penitenciário, foi criado um grupo de teatro integrado por presos e funcionários, que resultou no filme Na quebrada, em cartaz em cinemas Brasil afora. Juiz da Corregedoria do TJ/SP, Jayme Garcia Junior, um dos avalistas do projeto, foi quem chamou a atenção para algo óbvio, mas que ainda teimamos em não ver, e que corrobora a visão externada pela diretora de disciplina Rosângela de que o sistema carcerário é um assunto que diz respeito a toda a comunidade: "O cárcere não está fora da sociedade. Não temos que falar em reintegrar, e sim em olhá-lo como algo que já faz parte do agrupamento social".

Em metáfora tão perfeita como só é permitido pela arte, minutos antes boa parte do auditório havia deixado suas cadeiras e dado as mãos em uma roda proposta pela professora de dança Jacqueline Carla Sandes: advogados, estudantes de direito, familiares de detentos, egressos do sistema penitenciário e até mesmo um preso em cumprimento de pena no regime aberto, a quem o estigma tem pesado demais, segundo seu próprio relato, giravam todos sob a mesma música: a crença em um iluminismo que começou lá atrás mas que ainda luta para se firmar.

Patrocínio

Patrocínio

FERNANDA DOS ANJOS SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA
FERNANDA DOS ANJOS SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA

Olá, meu nome é Fernanda dos Anjos. Meu escritório fica localizado em RJ/Niterói. Conto com o apoio de colaboradores e parceiros, o que possibilita uma atuação ampla e estratégica. Entre as atividades desempenhadas estão a elaboração de peças processuais, participação em audiências de...

CASTANHEIRA MUNDIM & PIRES ADVOCACIA

CASTANHEIRA MUNDIM & PIRES ADVOCACIA

FREDERICO SOUZA HALABI HORTA MACIEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA

FREDERICO SOUZA HALABI HORTA MACIEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA