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Ex-ministro Paulo Brossard tem parecer ignorado

Da Redação

sexta-feira, 24 de março de 2006

Atualizado às 09:24


Parecer ignorado


Cláudio Humberto informa em sua coluna hoje que o ex-ministro Paulo Brossard, contratado para defender o Congresso no STF, no caso da emenda que acabou com a verticalização, foi pressionado a apresentar seu trabalho muito antes da data prevista em lei. Tudo para que o STF pudesse formalizar uma decisão que já parecia acertada com o próprio Congresso, segundo sugere uma carta contundente de Brossard ao presidente do Congresso, Renan Calheiros. Abaixo, a carta:
___________

Brasília, 20 de março de 2006.

Exmo. Sr.


Renan Calheiros


DD. Presidente do Congresso Nacional


Brasília - DF


Senhor Presidente:


Anexo à presente, e dentro do prazo legal, faço a entrega do trabalho jurídico que me foi solicitado, informações que o Congresso Nacional deveria prestar ao egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3685, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.


Ao formalizar a entrega do trabalho, sinto-me no dever de fazer o registro de alguns fatos.


Cronologicamente, lembro que fui convidado por V. Exa para defender a constitucionalidade da EC nº 52 e sua aplicabilidade imediata, pois publicamente sustentara posição que afastava a dita "verticalização" nas eleições do presente ano.


O convite ocorreu tão logo a Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que ingressaria no STF contra a Emenda.


Em 6 de março corrente, a pedido de V. Exa., ficou esclarecido que meu trabalho seria como advogado ficando a meu encargo elaborar as informações que o Congresso prestaria na ADI anunciada pela OAB, o único momento em que há possibilidade de expor razões nos autos por advogado em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Fazia-se necessário aguardar o ingresso da ADI anunciada pela OAB, para ver os fundamentos que seriam utilizados, e então enfrentá-los.


Nos termos do despacho do Sr. Ministro Gilmar Mendes, foi determinado que o julgamento da liminar se daria com o mérito da ação. O Congresso Nacional, após a intimação, tinha dez dias de prazo para prestar informações ao STF. Após prestadas, e com elas, o processo seria encaminhado à Advocacia Geral da União, e depois à Procuradoria-Geral da República, ambas com prazo de cinco dias para manifestação.


Quando instruído, o processo retorna ao ministro relator, que pede dia para julgamento, colocando-o em pauta, com antecedência mínima de 48 horas. É feito este registro, que reproduz normas legais e regimentais do Supremo Tribunal Federal, pois ocorreram fatos inexplicados e inexplicáveis.


A ADIn nº 3685 foi ajuizada no dia 9 de março de 2006.


O Congresso Nacional foi intimado a prestar informações no dia 10, sexta-feira. O prazo iniciou na segunda-feira, dia 13 de março, primeiro dia útil, findando em 22 de março. Até esta data o Congresso Nacional teria prazo para apresentar suas informações ao STF, com as razões jurídicas na defesa da constitucionalidade da Emenda.


No domingo, dia 12, por mensagem eletrônica, consultei a Advocacia-Geral do Senado sobre a data da intimação para prestar informações, consignando que utilizaria todo o prazo de dez dias. Em resposta, na segunda-feira, dia 13 de março, o Advogado-Geral não se insurgiu quanto ao uso integral do prazo, e consultou se responderia também a segunda ADI de nº 3686.


Com surpresa recebi ligação telefônica do Advogado-Geral, feita a seu pedido, na noite do primeiro dia do prazo, 13 de março, perguntando se o trabalho poderia ser entregue no dia seguinte, quando recém estava tomando contato com a ação, e, mais, havia recebido cópia da segunda ADI, nº 3686, com cerca de 100 páginas, ajuizada sobre a mesma matéria, por outra entidade.


Desnecessário dizer que a responsabilidade profissional, a importância institucional do Congresso, a matéria a ser submetida ao mais alto tribunal da Nação, não tornavam possível fazer um trabalho de afogadilho, sem utilizar o prazo processual legalmente assegurado para prestar as informações.


Um segundo telefonema do Advogado-Geral à noite de segunda-feira solicitou meu comparecimento ao Senado na manhã de terça-feira, para conversar com Vossa Excelência.


Lá estive, em seu gabinete, na manhã de 14 de março, mas V. Exa. não pode comparecer, mas falamos ao telefone; expus as razões pelas quais não podia apresentar as informações com a pressa subitamente pretendida.


V. Exa. pediu-me que expusesse ao presidente de um partido, debitando a ele o interesse na rápida solução; assim o fiz, ao telefone, de seu gabinete, imaginando que a situação estivesse explicada.


Como advogado do Congresso Nacional, tinha a obrigação de fazer o melhor na defesa do cliente, ao representá-lo em juízo, e não poderia apresentar um trabalho de forma apressada, para cumprir mera formalidade. Se o Congresso Nacional havia me escolhido, eu haveria de me desincumbir para bem defendê-lo. Naquela ocasião, perguntado, disse que não poderia apresentar o trabalho antes do próximo final de semana, ainda dentro do prazo, que finalizaria na quarta-feira, dia 22 de março.


Na tarde de 14 de março estava na biblioteca do Supremo Tribunal Federal, quando fui chamado pelo Presidente da Corte, Ministro Nelson Jobim, em seu gabinete. No caminho, atendi ligação telefônica de Vossa Excelência, e comuniquei o fato.


O Presidente Jobim pediu que fossem logo apresentadas as informações do Congresso Nacional. Respondi que não tinha como fazê-lo, que o prazo estava em curso, aquele era o segundo dia, que havia razões a serem expostas pelo advogado.


Disse S. Exa. que tinha compromisso com os partidos para julgar a ADI nº 3685, e que precisava que as informações do Congresso Nacional fossem apresentadas com urgência. O julgamento deveria ocorrer a 23 ou 24 de março.


Nesse contexto, o Ministro Presidente informou que já havia providenciado junto à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República, e que a manifestação de uma e o parecer da outra já estavam prontos. A ministra relatora estava apta para levar a julgamento o feito, informou o Presidente do STF.


Tudo isto antes que as informações do Congresso Nacional fossem apresentadas, e que as instituições - AGU e PGR - pudessem conhecer suas razões.


Salientei que havia outra ADI além da primeira, nº 3686, extensa, que também deveria ser examinada e respondida pelo Congresso Nacional, que fora intimado a fazê-lo. S. Exa. disse que o Congresso respondesse apenas a da Ordem dos Advogados; ponderei que o Congresso estava intimado a prestar informações na ADI nº 3686, e não podia se furtar de responder. Estávamos no segundo dia do prazo.


Pela responsabilidade da incumbência que me fora atribuída, não poderia apresentar informações adequadas com a pressa subitamente pretendida. Ele então disse que assim seria impossível julgar a ADI nº 3685 no dia 23 ou 24 de março, e chegou a aventar a possibilidade do Congresso prestar as informações imediatamente, por seus serviços próprios, e a tramitação da ADI prosseguir como ele esperava.


Na data de hoje, quando o Congresso Nacional disporia ainda de prazo para prestar informações, conforme o combinado, entrego a V. Exa. o trabalho que me foi cometido. Considero cumprida minha tarefa profissional.


Não posso deixar de registrar que chegou ao meu conhecimento que já foram apresentadas pelo Congresso Nacional ao Supremo Tribunal Federal as informações pela Advocacia-Geral do Senado, sem que isto me tivesse sido sequer noticiado, por Vossa Excelência, ou por quem quer que fosse. Aliás, até agora não conheço o teor das informações, que suponho brilhantes.


Estes os fatos, dos quais concluo ter sido dispensado do encargo congressual. É claro que V. Exa. poderia dispensar-me, o que estranho é a forma como isto foi feito. Não me queixo, apenas registro o fato. Sempre entendi que, se o advogado deve ser leal com o cliente, o mesmo dever de lealdade tem o cliente com o advogado.


Passo às suas mãos o teor das informações por mim elaboradas apenas para documentar sua tempestividade. Outrossim, reservo-me o direito de dar publicidade a trabalho de minha autoria.


Atentamente


Paulo Brossard de Souza Pinto

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Fonte: claudiohumberto.com.br