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Editorial

Editorial migalheiro.

Da Redação

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Atualizado às 08:46

"- Por que o ministro Marco Aurélio deu essa decisão agora ?"

Reunidos ontem no charmoso Jockey Club de São Paulo, na anual festa do CESA, o PIB da advocacia brasileira repetia a pergunta acima, em cada roda de conversas. Muitos ainda complementavam com um "e olha que eu gosto dele, mas".

Fato é que não há uma resposta simples. Ou, pior, há mais perguntas: "por que um processo crime demora quase uma década para ter uma denúncia recebida?"; "como pode um cidadão com mais de uma dezena de inquéritos, cujas suspeitas são gravíssimas, manter-se chefe de um Poder (lembrando que se apeou a presidente da República por uma transgressão contábil)"?; "o que fazer quando um ministro retarda a proclamação de uma decisão já tomada pela Corte?".

Estas e outras tantas indagações ajudam a compreender os motivos pelos quais, quando foi instado a decidir, o ministro Marco Aurélio não titubeou. E vale agora relembrar Rui Barbosa: "O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde."

"Ah, mas ele não podia dar essa decisão monocraticamente?"

Insistiam em dúvidas os nobres advogados no referido encontro. E nova pergunta: "onde está escrito que isso é proibido?". Ao contrário, a lei que disciplina a ADPF autoriza a liminar monocrática, que obrigatoriamente deve ser ad referendum, o que ele prontamente se dignou a fazer. Ademais, o ministro Marco Aurélio é um magistrado extremamente cioso da legalidade. E não raras vezes é criticado por isso. S. Exa., aliás, é das primeiras vozes contra a imiscuição do Judiciário nas questões de outro Poder. E na liminar proferida na segunda-feira, cujo pedido lhe chegou no mesmo dia (eis uma das respostas ao porquê da decisão agora), não estamos a falar de um Poder interferindo em outro. Nada disso. Seria isso se ele estivesse substituindo-se ao legislador, coisa que sabidamente ele não tolera.

Vencidas as questões que permeiam o meio jurídico e abstraídos os argumentos de conveniência, que arrepiam o jurista sério ("ele está no fim do mandato", "há pautas importantes no Senado"), é bem o momento de deitar olhos a partir do ponto de vista institucional.

Os jornais, acostumados a tratar tudo como fato político, olham para a contumácia (na acepção jurídica do termo) do presidente do Senado como um imbróglio a mais no contexto. Não se enganem, leitores. Estamos diante do fato mais grave da República das últimas décadas. Com efeito, quando alguém não cumpre uma ordem Judicial, é algo grave. Mas quando este alguém é uma autoridade pública, o que temos é uma anarquia.

A propósito, este informativo, em não poucas notas, previa que o impeachment, da forma como estava sendo engendrado, iria descambar para uma acracia. O altipotente presidente do Senado, conquanto habilmente não tenha ficado com a pecha, foi um dos articuladores da troca de mando presidencial. De fato, o DNA de seu mocassim pode ser encontrado na retaguarda da antiga ocupante do Palácio. Com isso, assumiu pessoalmente (e não institucionalmente) um poder descomunal. Não por acaso, na trapalhada Geddel/Calero, quem o presidente chamou para estar a seu lado direito, na tentativa de descolar-se do imbróglio, foi exatamente ele, atestando publicamente o que estamos a dizer.

Mas voltando ao descumprimento da ordem judicial, a pergunta que se faz é: se ele faz isso com um ministro do Supremo, o que não fará com o resto?

Por isso, leitor, acredite : estamos seguramente diante da questão de maior importância para nosso Estado Democrático de Direito. Ou melhor, estamos a nos perguntar se ele existe. Se existe, decisão judicial cumpre-se.

E fica a advertência do sempre citado Rui: "A justiça não se enfraquece, quando o poder lhe desatende. O poder é que se suicida, quando não se curva à justiça."

Hoje, logo mais, o Supremo irá se reunir. Os jornais falam em acordo, em ajuste, em saída para a crise. Não queremos crer nessas informações, as quais não passam de comentários leigos, de quem confunde "acórdão" com "acordo". Os ministros vão enfrentar a questão com a grandeza que se espera deles.

E novamente trazendo o Conselheiro Rui: "Ao juiz não interessam as contingências, previstas ou imprevistas, previsíveis ou imprevisíveis, na execução do seu julgado. O que lhe cumpre, é, só e unicamente, moldar as suas deliberações na justiça, embora suspeite, receie, ou anteveja que não serão cumpridas."

Falando em grandeza, para na verdade mencionar seu antônimo, causou espanto a afirmação de um colega de que o caso seria de inimputabilidade do prolator da decisão. Lobrigamos na situação um modelo perfeito da psicanálise freudiana, segundo o qual, quando Pedro fala de Paulo, mais sei de Pedro do que de Paulo. E, sabendo que a declaração foi dada numa escala de voo internacional, creditamo-la ao jet lag, aquele mal-estar que afeta os sentidos por conta das diferenças de fuso horário. Portanto, plenamente escusável.

Por fim, como não poderia deixar de ser, mais uma referência ruiana:

"A ninguém importa mais do que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer covardia."

Ainda há juízes em Brasília!