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Teoria da confiança

Quebra de confiança gera responsabilização por prejuízos em projeto mesmo sem contrato

Decisão unânime da 4ª turma do STJ responsabilizou IBM por prejuízos decorrentes de falha em projeto.

Da Redação

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Atualizado às 16:40

A responsabilidade pela quebra da confiança possui a mesma ratio da responsabilidade pré-contratual. A partir de tal premissa, o ministro Luis Felipe Salomão deu parcial provimento em recurso que discutia a responsabilidade solidária da IBM por prejuízos de uma fabricante por erro de desenvolvimento de projeto de produto de computação.

No caso, foram produzidas peças a mais que se tornaram sucata, e a fabricante ingressou com ação indenizatória contra a empresa do componente pelo prejuízo e a IBM, que era a idealizadora do conjunto da obra.

Em 1º grau, ambas foram condenadas em dano emergente e lucro cessante, valor de R$ 140 mil e R$ 300 mil, respectivamente. O TJ/SP, contudo, afastou a responsabilidade da IBM com base na ideia de ausência de contrato escrito com relação ao projeto de computador de bordo.

Teoria da confiança

Em substancioso voto, o relator, ministro Salomão, narrou que o projeto era, de fato, de titularidade da IBM, idealizadora e empresa-líder que gerenciou as etapas iniciais para sua viabilização, de onde decorre sua irresponsabilidade por ordenar componentes a mais.

Fazendo uma revaloração das tratativas negociais que constavam no acórdão recorrido, o ministro citou doutrinador alemão que, ao tratar da responsabilidade pela confiança, preceitua que tal é autônoma em relação à responsabilidade contratual ou extracontratual. Também S. Exa. fez referência à lição segundo a qual a teoria da confiança ingressa no vácuo existente entre a responsabilidade contratual e extracontratual, em que um sujeito que dá confiança e depois a frustra deve responder em certas circunstâncias.

"A responsabilidade pela quebra da confiança possui a mesma ratio da responsabilidade pré-contratual. O ponto que as aproxima é o fato de que uma das partes pode gerar na outra uma expectativa legítima que após não se concretiza. O que as diferencia é que na responsabilidade pré-contratual a formalização de um contrato é o escopo perseguido, enquanto que na outra ele não será inicialmente almejado. Foi gerado para o autor expectativa de contratação."

Ponderando que o princípio da confiança depende da atuação do juiz para efetiva tutela do bem jurídico, concluiu como "típica" a situação de responsabilidade por quebra de confiança.

"Os investimentos da Radiall para os conectores dos computadores de bordo da IBM foram realizados de acordo com as tratativas. Não há dúvida de que a presença dos engenheiros da IBM na sede da recorrente e da estipulação do número de peças a serem produzidas, a especificação dos anos em que seriam comercializados, são fatos que geraram expectativa qualificada, diferente da que seria criada caso não houvesse qualquer interferência da IBM. A IBM solicitou inclusive que os produtos utilizados na fabricação dos componentes fossem importados da França para evitar impostos."

De acordo com o ministro Salomão, ainda que não se discuta a existência de contrato formal, impossível negar a existência de relação jurídica comercial, uma vez que a IBM se portou desde o início como negociante, com apresentação de seu projeto e enquanto titular deste repassando à Radiall a especificação.

"As condutas praticadas pela IBM durante todo processo negocial, pautadas ou não em contrato formal de qualquer natureza, mas suficientemente demonstradas e constantes da sentença e acórdão, estão diretamente ligadas aos prejuízos suportados pela produção das peças que desnecessariamente produzidas, ou produzidas em conformidade com a demanda, mas não adquiridas.

Não é preciso investigar a presença ou existência de qualquer outro instrumento contratual que porventura tenha sido firmado entre a IBM e a Radiall, nem mesmo o teor deste eventual documento para analisar a responsabilidade da IBM, simplesmente porque não é essa a base de sua responsabilização."

O provimento ao recurso foi parcial porquanto negada a majoração dos danos e lucros cessantes que foi requerida. A decisão unânime da turma foi unânime.