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Regras do CDC valem para os bancos

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Da Redação

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Atualizado às 09:20

 

Regras do CDC valem para os bancos

 

As relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo CDC. Esse foi o entendimento do Plenário do STF que, por maioria, (nove votos a dois) julgou improcedente o pedido formulado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif) na ADIn 2591.

 

A entidade pedia a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 3º do CDC na parte em que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.

 

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

 

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O julgamento havia sido adiado no início de maio em razão do pedido de vista do ministro Cezar Peluso que ontem seguiu a divergência aberta pelo ministro Néri da Silveira (aposentado) e julgou improcedente a ação.

 

Cezar Peluso afirmou que o CDC não veio para regular as relações entre as instituições do Sistema Financeiro Nacional e os clientes sob o ângulo estritamente financeiro, mas sim para dispor sobre as relações de consumo entre bancos e clientes. Nesse sentido o ministro argumentou que "não há como nem por onde sustentar, convincentemente, que o CDC teria derrogado, de forma inconstitucional a Lei nº 4.595/64 [norma sobre o sistema financeiro]".

 

Em seguida votou o ministro Marco Aurélio que também acompanhou a divergência. Marco Aurélio afirmou que o CDC não representa nenhum risco ao Sistema Financeiro Nacional e destacou a crescente lucratividade dos estabelecimentos bancários para afastar o pensamento de que o CDC repercutiu de forma danosa em relação aos bancos.

 

Celso de Mello seguiu o entendimento da maioria pela improcedência do pedido na ação e ressaltou que a proteção ao consumidor qualifica-se como valor constitucional. Para o ministro, as atividades econômicas estão sujeitas à ação de fiscalização e normativa do Poder Público, pois o Estado é agente regulador da atividade negocial e tem o dever de evitar práticas abusivas por parte das instituições bancárias.

 

Nesse sentido, Celso de Mello entende que o CDC cumpre esse papel ao regulamentar as relações de consumo entre bancos e clientes. O ministro acrescentou que o Sistema Financeiro Nacional sujeita-se ao princípio constitucional de defesa do consumidor e que o CDC limita-se a proteger e defender o consumidor "o que não implica interferência no SFN". Assim, concluiu que as regras do CDC aplicam-se às atividades bancárias.

 

A última a votar, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, também entendeu que as relações de consumo nas atividades bancárias devem ser protegidas pelo CDC.

 

O placar do julgamento definitivo da ADIn ficou assim: votaram pela improcedência do pedido formulado pela Consif os ministros Néri da Silveira (aposentado), Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Carlos Velloso (aposentado), relator, e Nelson Jobim (aposentado).

 

Vitória para o consumidor

 

Para o Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o consumidor sai vitorioso do julgamento da ADIn dos bancos no STF. "Apesar do tempo demasiado, saímos felizes do julgamento. Com a decisão, o consumidor obteve três grandes vitórias: a aplicação do CDC para os bancos, agora incontestável; a concretização da importância do Código como um todo; e o triunfo estrondoso em relação à postura manifestada por um ex-ministro", comemora Marcos Diegues, gerente jurídico do Idec.

 

O Idec acompanha de perto o processo desde o início. Em 2002, o instituto se manifestou como amicus curiae da ação e realizou uma grande mobilização contra ela promovendo uma campanha para demonstrar aos ministros do STF a gravidade do tema e as conseqüências nocivas para o consumidor caso fosse julgada procedente. Mais de 3,9 mil pessoas participaram enviando e-mails aos ministros.

 

Histórico

 

Em dezembro de 2001 a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) ajuizou no STF a ADIn 2591, com pedido de liminar, visando o fim da aplicação do CDC às atividades de "natureza bancária, financeira, de crédito e securitária".

 

A representação da Consif, encabeçada pelo advogado Ives Gandra Martins, alegava que o vício de inconstitucionalidade estaria na ofensa ao artigo 192 da Carta Magna, pois a regulação do Sistema Financeiro Nacional seria matéria de lei complementar, e não do CDC, uma lei ordinária.

 

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)

 

Além disso, os advogados entenderam que teria havido ofensa ao princípio da razoabilidade visto que as instituições financeiras não poderiam ser confundidas com fornecedores de produtos ou serviços porque não poderiam garantir a boa qualidade de sua mercadoria, que é o dinheiro ou moeda, produzida e garantida pelo Estado. A ação citava passagens do CDC, argumentando que não poderia ser exigido dos bancos concessão de crédito a todas as pessoas, pois a relação creditícia é baseada na confiança no cliente, sob pena de o banqueiro ser acusado de gestão temerária. Segundo a Consif, a propaganda das entidades de seguro também não poderia obrigá-las a contratar com qualquer pessoa, pois deveriam ser observardos os riscos do negócio.

 

Por fim, a Confederação disse que a defesa dos usuários de serviços de instituições financeiras cabia às Resoluções nº 2.878/01 e 2892/01 baixadas pelo Conselho Monetário Nacional, e que as regras constituem "disciplina ampla, genérica e abrangente da defesa dos usuários de serviços bancários em todas modalidades, mas não se coadunam com as regras de consumo estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor."

Em março de 2002, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, encaminhou ao STF informações para instruir o julgamento da ADIn 2591. Os responsáveis pela elaboração do parecer, adotado pela Advocacia Geral da União, foram o Ministério da Justiça e o Banco Central.

 

No documento, foi atacado um dos principais argumentos da Consif para justificar a inconstitucionalidade da aplicação do CDC. Segundo a entidade, a regulação do Sistema Financeiro só poderia ser feita por Lei Complementar e não por uma lei ordinária, conforme sua leitura do artigo 192 da Constituição. Em defesa da constitucionalidade da lei, o parecer encaminhado pelo presidente da República dizia que o Código de Defesa do Consumidor não regulava o Sistema Financeiro e que já existia a norma no ordenamento jurídico que tinha essa função, que era a Lei 4595/64. Essa norma foi recepcionada pela Carta Magna de 1988 com força de lei complementar.

 

No mesmo raciocínio, de acordo com o documento, as instituições financeiras não são um "corpo de pessoas apartado de todo o restante da legislação, que se submetem única e exclusivamente às disposições da lei complementar atinente ao Sistema Financeiro", sendo obrigadas também a cumprir, por exemplo, leis de natureza tributária, trabalhista, municipais, dentre outras que não se relacionam diretamente com a sua atividade econômica principal.

 

O parecer dizia também que o CDC é uma norma de conduta e não uma norma de organização. A intenção do legislador não teria sido disciplinar os aspectos relacionados ao custo da intermediação financeira e da aplicação de recursos próprios das instituições financeiras. Por fim, alegava-se que a interpretação da norma deve ser feita conforme os princípios constitucionais que disciplinam a matéria. Entre eles, inclui-se a defesa do consumidor, prevista no capítulo da Constituição que trata da ordem econômica (art. 170, V).

 

A Procuradoria Geral da República também apresentou parecer na época. A manifestação foi na mesma linha dos argumentos apresentados pelo Ministério da Justiça e Banco Central, em nome da Presidência da República, no sentido de que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras coexiste pacificamente com a lei complementar prevista pelo artigo 192 da Constituição Federal.

 

No início do julgamento, em abril de 2002, votaram o ministro-relator da ADIn, Carlos Velloso (aposentado) e Néri da Silveira (aposentado). Ambos consideraram constitucional a aplicação das regras do CDC aos contratos bancários. Velloso entendeu que o CDC não contraria as normas que regulam o Sistema Financeiro e deve ser aplicado às atividades bancárias. No entanto, disse que o Código não se aplica à regulação da taxa dos juros reais nas operações bancárias, bem como a sua fixação em 12% ao ano.

 

Essa matéria, segundo entendeu Velloso, é exclusiva do Sistema Financeiro Nacional e deve ser regulada por lei complementar. Nesse sentido, deu interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 2º do artigo 3º da Lei 8.078/90 (CDC). Já o ministro Néri da Silveira julgou totalmente improcedente o pedido formulado pela Consif.

 

Em fevereiro deste ano, a ação entrou novamente na pauta, ocasião em que votou o então presidente do STF, ministro Nelson Jobim (aposentado), proferindo voto-vista. Jobim acompanhou o entendimento do ministro Carlos Velloso, no sentido de julgar procedente em parte o pedido. Ele diferenciou as operações bancárias dos serviços bancários e concluiu que, no caso destes, deverá ser aplicado o CDC.

Na continuação do julgamento no dia 4 de maio, o ministro Eros Grau decidiu acompanhar o ministro Néri da Silveira (aposentado) e julgou improcedente o pedido formulado na ADI. Grau argumentou que "a relação entre banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo". O ministro acrescentou que é "consumidor, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito".

 

Assim, Eros Grau não acolheu a distinção feita pelo ministro Nelson Jobim entre "operações bancárias", às quais não caberiam as regras do CDC e "serviços bancários" sujeitos à aplicação do Código. Eros observou, no entanto, que o Banco Central deve continuar a exercer "o controle e revisão de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros, no que tange ao quanto exceda a taxa base [de juros]." Em seguida, votou o ministro Joaquim Barbosa que também entendeu que o pedido formulado pela Consif é improcedente. Para o ministro, não existe inconstitucionalidade a ser pronunciada no parágrafo 2º do artigo 3º do CDC. "São normas plenamente aplicáveis a todas as relações de consumo, inclusive aos serviços prestados pelas entidades do sistema financeiro", completou.

 

O mesmo entendimento foi adotado pelos ministros Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence que, após o pedido de vista de Cezar Peluso, decidiu antecipar o voto. Ao votar, o ministro Pertence observou que após a revogação do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal pela Emenda 40/2003, o voto do ministro Carlos Velloso "perdeu a sua base positiva". O dispositivo limitava a taxa anual de juros a 12%.

 

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