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Manifesto

Professores de Direito da USP pedem respeito ao Estado Democrático

Em nota, docentes asseveram que espírito republicano requer que todos saibam ouvir e que o uso da palavra aconteça de forma respeitosa e responsável.

Da Redação

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Atualizado às 14:21

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Professores do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP lançaram manifesto pelo respeito ao Estado democrático de Direito. Em nota, os professores asseveram que o espírito republicano requer que todos saibam ouvir e que o uso da palavra aconteça de forma respeitosa, com responsabilidade e equilíbrio.

Para os docentes, o Estado de Direito se alicerça nas leis, sendo necessário o respeito às instituições, e ao cumprimento da Constituição, cujo intérprete final é o Supremo Tribunal Federal, em consonância com aquilo que é estabelecido pela própria ordem constitucional.

Neste sentido, o corpo docente defende não ser aceitável que, a pretexto do exercício da liberdade de expressão, assegurada pela Carta Magna, sejam realizadas ofensas, agressões físicas ou verbais destrutivas ou "posturas distanciadas da realidade, reveladoras da incompreensão dos papéis de cada um no equilíbrio que deve ser observado num regime democrático".

"Não há espaço, no sentido mais amplo possível, para qualquer esboço ou desejo de que as divergências, sejam elas quais forem, sejam resolvidas com posturas unilaterais, imperativas ou autoritárias, que não encontrem suporte nos limites do exercício das funções Legislativas, Executivas e Judiciárias, nos estritos moldes estampados no texto da Constituição."

Leia a íntegra da manifestação:

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PELO RESPEITO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO!

Nosso País vive um momento extremamente delicado.

Estamos situados dentro da maior catástrofe de saúde pública desde a Gripe Espanhola, ocorrida há cerca de 100 anos. Com ela, a crise econômica, que golpeia o mundo e o Brasil de forma inédita, realmente não tem precedentes.

O papel das lideranças políticas, especialmente daquelas que ocupam cargos de responsabilidade, é coordenar esforços para minimizar as perdas humanas, sociais e econômicas.

Além disso, num contexto de dificuldades a serem enfrentadas em todas as esferas da Federação, mostra-se imprescindível a quem, por força do cargo, ocupe posição de responsabilidade, que assuma seu papel, tendo como pano de fundo o incontornável respeito às Instituições e aos princípios que iluminam o Estado Social e Democrático de Direito, inaugurado com a Constituição de 1988.

Afirme-se desde logo: não há soluções para a crise, em todos os seus planos, a não ser nas linhas e entrelinhas do texto constitucional.

O que temos presenciado, entretanto, nos últimos tempos, é a desnecessária, exacerbada e, guardado o devido respeito, inadequada elevação das tensões.

A experiência humana, social e política na qual estamos inseridos, neste primeiro quartel do século 21, justifica que se invoque a lembrança de que experiências passadas, aqui e alhures, nas quais se abdicou do respeito às Instituições democráticas em prol de projetos mais ou menos personalistas ou ideológicos, temperados pelos sabores e pelas cores de cada momento, desaguaram, invariavelmente, em desilusões, sofrimentos, descrédito e insucesso!

Acreditamos, com tranquilidade, que o futuro reservará ao nosso País e ao seu povo dias mais serenos, melhores e mais felizes. Seu potencial é imenso e quase que inigualável. Mas para que este destino seja realizado é imperativo que nos guiemos pelos limites fixados no Pacto Fundamental, ou seja, na Constituição da República.

O convívio no plano político e institucional, e o exercício das elevadas funções do Poder estatal, são ambientes nos quais naturalmente se apresenta o dissenso. E a divergência, no plano das ideias, é sempre positiva, pois se revela como oportunidade para ouvir, reavaliar, corrigir e seguir adiante.

A grave responsabilidade de conduzir os destinos da Nação, nos diferentes planos em que o Poder estatal é exercido, exige serenidade para ouvir e para compreender os diferentes papéis que, numa sinergia de forças, devem conduzir à realização do bem de todos, sempre trilhando aquilo que é autorizado pela ordem jurídica no Estado Constitucional e Democrático de Direito.

A liberdade de opinião e de manifestação do pensamento é assegurada pela ordem constitucional. A crítica respaldada em análise sóbria de fatos, respeitosa em relação àqueles aos quais é endereçada, é elemento vivo do pensamento e da convivência democrática.

Não se mostra aceitável, entretanto, que a pretexto do exercício da liberdade de expressão e de crítica se empregue, sem qualquer constrangimento, a ofensa, a admoestação gratuita, as agressões físicas ou verbais destrutivas e, ainda, pior, posturas distanciadas da realidade, reveladoras da incompreensão dos papéis de cada um no equilíbrio que deve ser observado num regime democrático.

O espírito republicano exige e impõe que todos saibamos ouvir. Mas determina também que o uso da palavra ocorra com respeito, com responsabilidade e com equilíbrio.

Não há caminho a não ser na lei. Seus grilhões são libertadores, pois é neles que se acomoda, com firmeza e confiança, o Estado de Direito.

Não há atalhos neste caminho. Ele passa necessariamente pelo respeito à democracia, às Instituições, e pelo cumprimento da Constituição e das leis, cujo intérprete final é o Supremo Tribunal Federal, em consonância com aquilo que é estabelecido pela própria ordem constitucional.

Não há espaço, no sentido mais amplo possível, para qualquer esboço ou desejo de que as divergências, sejam elas quais forem, sejam resolvidas com posturas unilaterais, imperativas ou autoritárias, que não encontrem suporte nos limites do exercício das funções Legislativas, Executivas e Judiciárias, nos estritos moldes estampados no texto da Constituição.

Os anos que se seguiram à edição da Carta de 1988 já nos mostraram que as Instituições que nela se assentam são sólidas. Em mais de um momento, tensionadas, foram postas à prova, demonstraram sua resiliência e cumpriram prontamente seus encargos, sempre observando os limites que o Pacto fundamental assentou.

Temos tranquilidade para afirmar que, na página atual de nossa existência, não há vertente para qualquer solução que se afaste destes princípios!

São Paulo, 1º de junho de 2020. 

Professores do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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