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Famigerada decisão

Veja o pedido e decisão relativos à identificação

Da Redação

sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Atualizado às 10:27

  

Famigerada decisão

 

Veja abaixo o pedido  do Procurador da Rebública e a decisão do juiz cuiabano que obrigou a identificação dos ianques.

 

 

Petição

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA _______ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO.

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO,neste ato o procurador da República que ao final assina, no exercício do dever poder previsto nos artigos 127, caput, e 129, ambos da Constituição da República, combinados com o Artigo 4º da Lei federal n. 7.437/86, vem perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CAUTELAR INOMINADA, COM PEDIDO DE LIMINAR, preparatória de futura AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, que devera ser chamada judicialmente para responder a esta demanda através do Senhor Procurador-Chefe da Advocacia Geral da União nesta Unidade Federada, argumentando, para tanto, as razões fáticas e jurídicas abaixo jurisdicionalizadas:

 

Conforme faz prova a documentação que acompanha esta inicial ministerial, o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América editou Ato Normativo, com natureza jurídica de norma interna, que instituiu um novo sistema de segurança contra atos terroristas, ou ao menos sob a justificativa de tentar evitá-los, e passará a exigir, a partir do próximo mês de janeiro de 2004, que algumas espécies da raça humana que adentrarem em solo americano, notadamente aquelas que possuírem as nacionalidades, originárias ou secundária, vinculadas a certos Estados estrangeiros listados na mesma norma norte americana, deverão, de forma cogente, ser fotografadas e obrigadas a passar por um mecanismo de colheita das impressões datiloscópicas, cujos dados, vale dizer, fotográfico e datiloscópico, serão imediatamente inseridos em um grande banco de dados, que tem a pretensão de fornecer às autoridades daquele país elementos de identificação de supostos terroristas. Revela notar, por oportuno, que igual providência, isto é, a obrigatoriedade de nova fotografia, bem assim da tomada de novas impressões digitais, também ocorrerá no instante em que a pessoa humana, vinculada juridicamente a um dos Estados listados, deixar o solo americano.

 

Dentre os muitos Estados alienígenas escolhidos pelas autoridades americanas, e cujo nacionais, e só pelo simples fato de ostentarem essa natureza, serão obrigados a submeterem-se ao aludido procedimento prévio de identificação, encontra-se a República Federativa do Brasil, e como costuma acontecer, também fazem parte da famigerada lista de Estados, cujos nacionais seriam para as autoridades americanas presumidamente terrorista, a quase totalidade daqueles localizados na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia, não fazendo parte do elenco, à evidência, os Estados Europeus, o que ocorre, quem sabe, por questões históricas ou comerciais, pois não encontramos outro fundamento para justificar tamanho preconceito xenofóbico.

 

Com efeito, é certo que os Estados, por serem independentes, por terem a capacidade de autodeterminação, e só com essas qualidades e que podem ostentar a natureza jurídica de Estados, com fundamento em sua Soberania, estão autorizados a estabelecer, e apenas no âmbito de seu componente espacial, a norma que entenderam conveniente e necessária à sua realidade histórica e social. Igualmente é certo que às autoridades de um determinado Estado, no exercício de sua função interna, não é ofertado o Poder, como exercício de parcela da soberania desse mesmo Estado, de se imiscuir na razoabilidade de uma norma de um outro Estado também soberano.

 

Como o devido respeito, se nos afigura como sendo o caso aqui tratado, pois ao Magistrado brasileiro, como acima dito, no exercício de parcela da Soberania que a Constituição da República federativa do Brasil lhe ofertou, não é ofertado o Poder de julgar a adequação da referida norma americana à Lei Maior dos Estados Unidos da América, muito menos a sua compatibilidade com a nossa carta política de 1988.

 

No entanto, às Instituições e autoridades brasileiras, dentre elas o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal, ao Juiz Federal e ao Procurador da República, a Constituição da República do Brasil não deixa margens à dúvida, ao transformar o Poder em dever, quando determina que tais Instituições e Autoridades devem velar, devem defender, e que exijam respeito a certos princípios que o Legislador Constituinte de 1988 entendeu serem de importância para o nosso Estado, que se denomina como sendo democrático e de direito, dentre eles, e com maior relevo, os princípios da soberania e da dignidade da pessoa humana, elencados, como comandos emergentes, no Artigo 1º, incisos I e III, da nossa Lei Maior.

 

Ora é público e notório que cidadãos brasileiros vêm sendo humilhados ao adentrarem em solo americano, obrigados que são a passarem por revistas, entrevistas e tiragens que ofendem aos mais comezinhos princípios da razoabilidade , tudo contando com a omissão das autoridades brasileiras encarregadas de zelar pelas nossas relações internacionais, que nada fazem para evitar, ou ao menos diminuir as humilhações que os brasileiros vêm sofrendo ao pisarem nas terras da América do Norte.

 

Não é segredo para ninguém mediante informado que até mesmo o Ministro das Relações Exteriores do Governo Fernando Henrique foi obrigado, juntamente com toda a sua comitiva, a tirar os sapatos para serem revistados pelas autoridades americanas, fato esse noticiado por toda a imprensa nacional, em razão disso, e diante da importância do tema para as nacionais, um comentário do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando, que durante o seu governo, nenhum de seus ministros precisaria tirar os sapatos para entrar nos Estados Unidos da América.

 

Em razão da norma americana, cuja obediência naquele território se aproxima, vale dizer, que entrará em vigor no próximo dia 01/01/04, muitos cidadãos brasileiros serão mais uma vez humilhados em solo americano, agora com maior perversidade, pois serão obrigados, de forma constrangedora e vexatória, a deixarem-se fotografar e terem colhidas as suas impressões digitais, isso por serem, no entender das autoridades americanas, presumidamente terroristas.

 

Não nos cabe aqui, nesta demanda, debater ou criticar se a norma americana é ou não justa, se ela é ou não legitima, se ela é ou não necessária diante da atual quadra histórica vivida pelos Estados Unidos da América, notadamente após o atentado de 11 de Setembro de 2001.

 

Realmente, o que se está tentando proteger é a dignidade da pessoa humana, mormente o cidadão brasileiro que será inexoravelmente exposto a constrangimento em terras americanas, sendo vítima de desrespeito a princípios de obediência obrigatória pelo simples fato de ter nascido com vida, independentemente de sua nacionalidade, pela só condição de ser da espécie humana.

 

Argumentos sobre a necessidade dessa específica norma americana, com o devido respeito, fogem a esta demanda judicial, e devem se manter ao longe dos foros do Poder Judiciário, cabendo, com toda certeza aos debates acadêmicos-doutrinários, e aos convescotes palacianos, em especial naqueles do Itamaraty.

 

O que o Ministério Público Federal deseja, como exercício de seu dever-poder, e o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, mormente dos cidadãos brasileiros, onde quer que eles estejam, pois entender de forma diversa, vale dizer, compreender que os princípios eleitos pelo constituinte só teriam validade, só seriam instrumento de proteção no âmbito espacial de nosso território, à evidência, seria relegar, fazer olhos desarmados ao significado de uma justiça que deve ser Universal.

 

Em situação que tais, o que se pode fazer é a utilização de instrumentos de há muito ofertados pelo Direito Internacional Público para pontuar as relações entres os Estados, dentre eles o princípio da reciprocidade, que, e ao que parece, e sempre em homenagens às questão econômicas-comerciais, vem sendo pouco exercido, esquecido, desatendido, pelas autoridades brasileiras que constitucionalmente são encarregadas das nossas relações internacionais.

 

Em poucas palavras, e sem maiores delongas, se as autoridades americanas estão a exigir determinada obrigação de cidadãos brasileiros, e abstraindo-se se os motivos da exigência sejam ou não razoáveis em um momento histórico, força concluir que, em respeito ao princípio da reciprocidade, as autoridades brasileiras estão autorizadas, legitimamente, a exigir a mesma obrigação dos cidadãos americanos quando adentrarem nestas terras.

 

Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a Vossa Excelência o seguinte:

 

1) - que seja expedido comando emergente, em caráter liminar, determinando-se à União Federal, através do Ministério das relações Exteriores, que, de forma concreta, faça gestão junto às autoridades americanas para excluir os nacionais brasileiros da necessidade de serem fotografados e obrigados a deixarem as impressões digitais ao entrarem nos Estados Unidos da América, devendo comunicar ao juízo, no prazo improrrogável de 10 dias as providências efetivamente tomadas;

 

2) - seja expedido comando emergente, determinando-se à União que exige dos nacionais americanos, durante o espaço temporal em que a mesma exigência for feita aos nacionais brasileiros nos Estados Unidos da América, que, no instante em que adentrarem no território da República Federativa do Brasil, seja por via aérea, marítima ou terrestre, sejam fotografados e obrigados a terem as impressões digitais recolhidas por autoridades brasileiras, sob pena de serem proibidos de adentrarem em solo nacional, tudo com a finalidade de se evitar que, em caso de cometerem crime neste território, não possam ser identificados e, ao depois, responsabilizados pelos seus atos;

 

3) - citação e intimidade da UNIÃO, por meio de seu representante legal, para responder à presente demanda, julgando ao final procedente o pedido;

 

4) -condenação da requerida no ônus da sucumbência e demais despesas processuais;

 

Provará o alegado por meio de provas documentai, periciais, testemunhais, cujo rol apresentará oportunamente, bem como por todos os demais meios de prova admitidos em direito.

 

Dá-se à presente causa o valor de R$ 100.000,00(cem mil reais).

 

Cuiabá - MT, 28 de dezembro de 2003.

 

JOSÉ PEDRO TAQUES

PROCURADOR DA REPÚBLICA

 

____________________

 

Poder Judiciário

Justiça Federal

Seção Judiciária de Mato Grosso

 

Ação Cautelar Inominada

Reqte: Ministério Público Federal

Reqdo: União Federal

 

D E C I S Ã O

 

Trata-se de pedido de medida liminar formulado em sede de Ação Cautelar Inominada atentada pelo Ministério Público Federal, em desfavor da União Federal, no intuito de que seja determinado à Requerida que faça gestões junto às autoridades norte-americanas para excluir os brasileiros da obrigatoriedade de serem fotografados e de deixarem suas impressões digitais ao entrarem e deixarem os Estados Unidos da América - EUA, bem como que seja exigido dos nacionais norte-americanos, quando entrarem neste país, o mesmo que se está a exigir dos brasileiros que para lá se dirigem, tudo sob o fundamento de que cabe ao Brasil zelar pela aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da reciprocidade nas suas relações internacionais.

 

Decido.

 

Nos últimos tempos, tem a mídia nacional noticiado uma série de humilhações e maus-tratos de que tem sido vítima uma grande quantidade de brasileiros que viajam para os Estados Unidos da América. Inúmeras têm sido as dificuldades e percalços impostos aos brasileiros que visitam aquele país, principalmente após a consecução dos atos terroristas de 11 de setembro de 2001. Exige-se vistos de entrada, de permanência e, agora, até de trânsito. São feitas revistas em bagagens sem qualquer polidez, desrespeitados direitos mínimos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nacionais trancafiados em celas juntamente com criminosos americanos, deportações e expulsões ultrajantes etc.

 

Até o Ministro das Relações Exteriores do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso foi submetido ao tratamento humilhante em aeroporto dos Estados Unidos, tendo o atual Presidente da República Luiz Inácio da Silva criticado abertamente o ato, afirmando que, em seu governo, tamanho destino não teria acolhida e seria repelido de imediato.

 

Mais recentemente, conforme os documentos de fls, 06/20, decidiu o governo dos EUA implantar novo sistema de segurança no país para os visitantes. Pela nova determinação, pessoas de várias nacionalidades, consideradas desde logo terroristas em potencial, deverão ser fotografadas e terão suas impressões digitais recolhidas pelas autoridades norte-americanas assim que apartem ou deixem o território daquele país. Obviamente, que os cidadãos europeus e de outros países ricos não serão objeto do ato ultrajante, o qual serão reservado aos nacionais de países pobres da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia. A data de início do novo procedimento será o dia 01 de janeiro de 2004 (em quatro dias).

 

Consigno que considero o ato em si absolutamente brutal, atentatório aos direitos humanos, violador da dignidade humana, xenófobo e digno dos piores horrores patrocinados pelos nazistas. Porém, dentro dos limites territoriais norte-americanos, esta ao alvedrio daquele Estado regulamentar a forma de entrada de alienígenas no espaço reservado à sua soberania.

 

No entanto, na seara do direito internacional público, vige o chamado princípio da reciprocidade, garantidor do que o mesmo tratamento dado por um Estado à determinada questão também será concretizado por outro País afetado pela decisão do primeiro. Significa dizer que a relação internacional entre países não pode se realizar de forma desigual, principalmente em se tratando de princípios norteados da dignidade da pessoa humana e de proteção e resguardo dos direitos humanos.

 

Dessa forma, não se pode admitir a omissão da União Federal no trato do problema gerado na entrada e saída de brasileiros dos Estados Unidos da América. A Constituição Federal, por seus artigos 1º, III; 3º, IV; e 4º, II, impõe-lhe o dever de agir no caso no sentido de excluir os brasileiros do tratamento indigno à pessoa humana e violador dos tratados/convenções internacionais protetores dos direitos humanos.

 

De outro giro, enquanto perdurarem os atos norte-americanos discriminatórios quanto aos brasileiros, pelo princípio da reciprocidade, está autorizado a República Federativa do Brasil a impor aos cidadãos dos Estados Unidos as mesmas exigências que estão sendo materializadas aos nacionais aqui nascidos. Não há qualquer impedimento legal. Ao contrário, a Magna Carta não compactua com a omissão das autoridades brasileiras nesse sentido, porquanto lhes confere o dever legal de agir nos exatos limites ditados pelo principio da reciprocidade.

 

Sendo cristalina a plausibilidade do direito invocado, tenho que também o denominado "periculum in mora" fez-se presente. O período é de festas de fim de ano e de férias tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Existem turistas indo e vindo entre os dois países e apenas os brasileiros estarão submetidos a partir do dia 01 de janeiro de 2004, ao vexatório ato de entrada e saída dos Estados Unidos. Assim, devem as autoridades brasileiras agir imediatamente tanto para buscar excluir os brasileiros do âmbito da exigência norte-americana quanto apara impor dos cidadãos dos Estados Unidos que adentrem o território brasileiro o mesmo que se está a exigir dos tupiniquins.

 

De sua parte, tenho que a medida ora deferida não acarreta qualquer prejuízo ou transtorno à Requerida.

 

D I S P O S I T I V O

 

Com efeito, defiro o pedido de concessão de medida liminar e determino à União Federal, que faça gestões junto às autoridades norte-americanas para que os brasileiros sejam excluídos da exigência que passa a vigorar a partir do dia 01 de janeiro de 2004 para entrada e saída dos Estados Unidos da América.

 

Enquanto perdurar a restrição imposta pelas autoridades norte-americanas, determino à Requerida que fotografe e recolha as impressões digitais dos nacionais dos Estados Unidos da América, nos portos, aeroportos e rodovias, quando entrarem em território brasileiro, sob pena de ser-lhes negada a entrada devida.

 

Deverá a Requerida reportar ao Juízo, no prazo de 10 dias, as providências tomadas para o cumprimento desta, restando, desde logo, fixada a multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de inobservância do ora decidido.

 

Oficie-se com urgência, ao Ministério de Relações Exteriores e ao Departamento de Polícia Federal para cumprimento imediato.

 

Cite-se. Intimem-se.

 

Cuiabá, 28 de dezembro de 2003.

 

Julier Sebastião da Silva

Juiz Federal

 

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