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Demarcação de terras | Indígenas

STF começa a julgar marco temporal em terras indígenas

Marco temporal é a tese que diz que a terra só pertence a determinado grupo indígena se ficar comprovado que ele ocupava a terra no dia da promulgação da Constituição de 1988. Julgamento continua na próxima semana.

Da Redação

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Atualizado às 18:18

Nesta quinta-feira, 26, o plenário do STF deu início ao julgamento sobre a sensível questão da demarcação de terras indígenas. Os ministros decidirão sobre o marco temporal e a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena.

Na tarde de hoje, foi apenas lido o relatório pelo ministro Edson Fachin. Pelo adiantado da hora, a sessão foi suspensa e o debate será retomado na próxima quarta-feira, 1º, para as 39 sustentações orais.

 (Imagem: Fernanda Pierucci/Futura Press/Folhapress)

(Imagem: Fernanda Pierucci/Futura Press/Folhapress)

A quem pertence a terra?

Em 2009, a FATMA - Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina buscou a Justiça, por meio de ação de reintegração de posse, dizendo que é legítima possuidora de uma área de mais de 80 mil m² localizada na linha "Esperança-Bonsucesso". Segundo a Fundação, essa área compõe uma gleba maior, chamada de "Reserva Biológica do Sassafras".

Acontece que, naquele ano, 100 indígenas ocuparam a referida área, "ali se instalando, e acabaram por derrubar a mata nativa do interior da reserva, construíram picadas e montaram barracas".

A FUNAI - Fundação Nacional do Índio rebateu o argumento da FATMA alegando que aquela área, na verdade, é protegida pela portaria 1.182/03, do ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37 mil hectares, localizada nos municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, todos em Santa Catarina.

Em 1º e 2º graus a Justiça entendeu que a área deveria ser reintegrada à FATMA - Fundação do Meio Ambiente, sob o seguinte fundamento:

"não há elementos que permitam inferir que as terras referidas na petição inicial sejam tradicionalmente ocupadas pelos índios, na forma do art. 231 da Constituição Federal, máxime porque quem as vem ocupando, ainda atualmente, para fins de preservação ambiental, como visto, é a parte autora."

Em 2019, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria por unanimidade. Naquela oportunidade, o relator, ministro Fachin, frisou que não estão pacificadas pela sociedade, nem mesmo pelo Poder Judiciário, questões como o acolhimento pelo texto constitucional da teoria do fato indígena, os elementos necessários à caracterização do esbulho possessório das terras indígenas, a conjugação de interesses sociais, comunitários e ambientais, a configuração dos poderes possessórios aos índios e sua relação com procedimento administrativo de demarcação.

Marco temporal: controvérsia

O julgamento desta quarta-feira vai requerer dos ministros uma extensa e profunda análise do artigo 231, da CF/88, o qual dispõe o seguinte:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

O grifo "tradicionalmente ocupam" é o ponto sensível da questão. Em 2017, a AGU emitiu o parecer 1/17 trazendo à tona o marco temporal.

O marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Tal parecer foi aprovado pelo então presidente da República Michel Temer.

Atualmente, este parecer está suspenso por ordem do ministro Edson Fachin. Ao suspender o texto, o ministro considerou que o parecer poderia prejudicar diversas comunidades indígenas, que poderiam deixar de receber o tratamento adequado dos poderes públicos, "em especial no que se refere aos meios de subsistência, se a demarcação de suas terras não foi ainda regularizada".

Para os indígenas, a aprovação do marco temporal seria uma forma de estrangular o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras.

Raposa Serra do Sol: vai se repetir?

Como abordado no início da reportagem, o STF já decidiu acerca da territorialidade dos indígenas em julgamento de grande impacto. Foi em 2009 que o Supremo deu um prazo para que todas as pessoas não-indígenas (dentre elas, muitos produtores rurais) desocupassem a terra Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão do Supremo protegeu 19 mil índios de cinco etnias.

A ação foi proposta em 2005 pelo então senador Augusto Botelho contra a portaria 534/05, do ministério da Justiça, que demarca a reserva indígena em área contínua, e contra o decreto do então presidente Lula, que homologou a demarcação. Para o parlamentar, todo o processo administrativo que resultou na edição da portaria e na homologação da demarcação tinha sido "viciado".

Segundo o senador, a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua põe em contraposição, de um lado, o princípio constitucional da tutela dos índios e, de outro lado, os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica, do devido processo legal, da livre iniciativa, da proporcionalidade e o princípio federativo.

Quatro anos mais tarde, depois de longas discussões, o plenário decidiu, por maioria, que a demarcação daquele território deveria ser contínua e a saída dos produtores rurais que ocupam a terra teria de ser imediata, mas supervisionada.

Na controvérsia em Santa Catarina, pequenos produtores temem uma decisão similar àquela tomada no caso Raposa Serra do Sol. Na região em SC, vivem 5 mil pessoas. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, estas pessoas vivem uma situação dramática com medo de ter que sair de suas terras. "O agricultor vive da terra. Tirar nossa terra é o mesmo que tirar nossa vida", disse um produtor ao veículo de comunicação.

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