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Maus-tratos

Mazelas do sistema carcerário: Caso de tortura no Ceará não é isolado

Inspeção no presídio de Itatinga/CE identificou novas formas de maus-tratos.

Da Redação

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Atualizado às 09:49

Novos indícios de técnicas de tortura contra presos foram identificados por defensores públicos em presídio de Itatinga/CE, durante inspeção realizada no último dia 23. Foram encontrados cerca de 100 presos aparentemente machucados por policiais penais na unidade prisional Elias Alves de Souza.

Segundo noticiado pela Folha de S.Paulo, relatos dos presos aos defensores denunciam que um dos castigos aplicados rotineiramente era o da "posição taturana": um detento era escolhido aleatoriamente e obrigado a ficar abaixado em ângulo de 45º, sustentando o peso do corpo com a força abdominal.

 (Imagem: Folha de S. Paulo)

Os detentos e familiares também relatam a técnica do "amassamento de testículo", pela qual o policial penal apertava e torcia a genitália do preso até que desmaiasse. Além dessas, espancamentos generalizados, conhecidos por "massacres" eram comuns. De acordo com a Folha de S.Paulo, as vítimas apresentavam marcas de balas de borracha pelo corpo, uma delas tinha dentes quebrados, e outras os dedos tortos, fraturados.

 (Imagem: Reprodução/TVM)

As perícias foram realizadas no Presídio em Itatinga/CE.(Imagem: Reprodução/TVM)

Três dias antes da inspeção dos defensores, outra averiguação ocorrera no mesmo presídio. A juíza de Direito Luciana Teixeira de Souza, da 2ª vara de Execução Penal de Fortaleza/CE, esteve no local e relatou indícios de maus-tratos, determinando, no último dia 26, o afastamento da diretoria da unidade por 90 dias (processo 8003218-49.2023.8.06.0001).

Em nota divulgada pelo G1, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará afirmou repudiar atos atentatórios da dignidade humana, que são feitas inspeções regulares nas dependências das prisões e que os suspeitos serão investigados.

 (Imagem: G1)

A DP/CE também se manifestou em nota oficial: 

"A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DP/CE) atua cotidianamente dentro das unidades prisionais fazendo o atendimento jurídico dos internos, o acompanhamento processual, os atendimentos individuais e sempre que detecta alguma irregularidade, violação de direitos ou maus tratos reporta imediatamente aos poderes e órgãos competentes. Soma-se a este trabalho, o atendimento regular de familiares por meio de seus núcleos especializados e providências sobre melhorias no sistema carcerário cearense.

Do mesmo modo, tem realizado inspeções regulares nas unidades cujos resultados são entregues em relatórios que têm caráter sigiloso por envolver a integridade de internos, familiares e policiais penais. Estes documentos são remetidos ao Poder Judiciário, à Corregedoria dos Presídios e Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas (DMF), ao Ministério Público do Ceará e à Secretaria de Administração Prisional do Estado. Neles, traz a situação das instalações físicas e salubridade, das condições de alimentação e os atendimentos regulares das equipes de apoio, além das possíveis violações de direitos e denúncias trazidas.  

Dessa forma, instituiu o Grupo de Trabalho do Sistema Prisional, que reúne defensores e defensoras públicas para atuar de forma sistêmica, em diálogo com as instituições e na escuta dos movimentos sociais. Criou também a Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Tortura que recebe denuncias pelo e-mail: [email protected]

O caráter sigiloso destes documentos tem o intuito de preservar vidas e, sobretudo, colaborar para apuração e punição dos responsáveis, auxiliando na tomada das medidas necessárias para cessar quaisquer atos que configurem tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante. Assim, o vazamento de dados e informações sigilosas colhidas nessas inspeções vulnerabiliza ainda mais as vítimas e requer também a apuração de responsabilidades".

Torturas não são de hoje

De acordo com o G1, desde abril de 2019 práticas de tortura por policiais penais no sistema prisional do Ceará são denunciadas. O relatório do MNPCT - Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura explicou que os cárceres cearenses são acompanhados desde 2015, e que em janeiro de 2019 o MNPCT notou um número elevado de denúncias no "Disque 100" e no Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura.  (Imagem: O Povo)

Períodico cearense, O Povo, realizou reportagens a respeito da situação carcerária do Ceará.(Imagem: O Povo)

Em setembro de 2022, conforme noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo, o MP/CE identificou que pelo menos 72 detentos tiveram os dedos fraturados como forma de tortura. Como resultado desta operação, conhecida como Martírio, quatro mandados de prisão preventiva foram cumpridos e em novembro do mesmo ano, seis policiais penais tornaram-se réus no caso.

O juiz de Direito Raynes Viana de Vasconcelos, da 1ª vara de Execução Penal de Fortaleza/CE, responsável por iniciar a operação em 2022, relatou ao periódico cearense O Povo que, após o trabalho de identificação das vítimas, as denuncias aumentaram.

O defensor público Medeiros Filho, que também esteve nas fiscalizações realizadas no presídio em 2022 e em 2023, relatou à Folha de S.Paulo que houve inovação nos métodos de tortura, com a mesma brutalidade.

O periódico Folha de S.Paulo também noticiou que a técnica de "quebra-dedos" não é exclusiva do Ceará. Bárbara Suelen Coloniese, perita do MNPCT, informou ao jornal que ela já foi identificada em presídios do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e Pará. 

 (Imagem: Folha de S. Paulo)

Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

A tortura nas prisões não é uma realidade exclusiva do sistema cearense. Por conta de denúncias, em 2013, a lei 12.847 instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

O sistema produz relatórios periódicos, após inspecionar presídios por todo o Brasil, com a finalidade de averiguar condições carcerárias. Por meio desses documentos, diversas situações de torturas foram denunciadas.

Ocorre que a lei teve eficácia reduzida no período de vigência do decreto 9.831/19, que alterou a estrutura do comitê, exonerando e extinguindo cargos de peritos, e estabelecendo que a participação no MNPCT seria considerada prestação de serviço público relevante, não remunerado.

Contra tal desmonte da legislação, foi proposta a ADPF 607. Ela foi votada em 25/3/22 e, de modo unânime, o STF declarou o decreto inconstitucional. 

Por ser uma realidade nacional, em 2021, o diplomata peruano, Juan Pablo Vegas, integrante do Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura, apontou que a tortura em presídios é um problema estrutural do Brasil, durante audiência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Situação em Minas Gerais

De acordo com o CNJ, Minas é o segundo maior Estado em número de unidades prisionais do país. O relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura identificou na unidade prisional de Jacy de Assis indícios de torturas físicas. "Em outubro de 2021, privados de liberdade foram baleados com bala de borracha, outros levaram chutes nas costelas; até o momento da inspeção muitos possuíam queimaduras, marcas de bala de borracha e ossos ainda fraturados", revela o documento.

A prisão tornou-se a primeira na lista de unidades mineiras com maior número de denúncias na plataforma Desencarcera, agregadora de relatos de tortura e violações em unidades prisionais e socioeducativas de Minas Gerais.

Com relação ao denunciado, a SEJUSP, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, informou ao G1 que os dados do relatório relacionam-se a nove das 224 unidades de acautelamentos de adultos e adolescentes em Minas Gerais e que os dados não poderiam ser generalizados. Acrecentou que "não compactua com eventuais desvios de conduta de qualquer servidor e tem postura de apuração célere e prioritária para casos relacionados a possíveis abusos com acautelados".

Casos no Rio Grande do Norte

A equipe do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura vistoriou entre 21 e 25 de novembro de 2022 a Cadeia Pública de Ceará-Mirim e o Complexo Prisional de Alcaçuz, ambos na Grande Natal.

No relatório restou reportado que há na unidade prisonal Ceará-Mirim "um sistemático cenário de prática de maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos, degradantes e tortura física e psicológica como modus operandi e condição para o seu funcionamento".

Para a equipe do MNPCT não existem condições mínimas de dignidade para cumprimento da pena. O que há é uma violação de normas nacionais e internacionais que garantem, em tese, direitos fundamentais das pessoas sob custódia do Estado.

Já no Complexo de Alcaçuz, os peritos receberam relatos de castigos físicos feitos com sandális de pneu - que não deixa muitas marcas - e choques nos pés. De acordo com o relatório, "Alcaçuz apresenta um cenário conformado por camadas de violações de direitos e práticas de tortura como modus operandi da unidade. São várias as engrenagens que constroem a privação de liberdade desta unidade de forma torturante".

Para a CNN, o titular da SEAP - Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, Helton Edi Xavier da Silva informou que providências são tomadas desde o primeiro relatório do MNPCT. 

Outros Estados

As torturas não são exclusivas dos Estados mencionados. É possível verificar as condições carcerárias nos outros Estados brasileiros por meio do portal do MNPCT. No site são divulgados os relatórios gerais, temáticos e por Estado. Acesse.

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