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STJ volta a discutir penhora de salário para pagamento de honorários

Após o voto de Cueva, relator, no sentido de confirmar a impenhorabilidade, pediu vista dos autos o ministro Luis Felipe Salomão.

Da Redação

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Atualizado em 18 de agosto de 2023 00:04

Nesta quarta-feira, 16, a Corte Especial do STJ começou a discutir, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, se pode haver penhora de verba remuneratória (como salários, aposentadorias e pensões) ou de saldo de caderneta de poupança até 40 salários-mínimos para o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, por serem estes dotados de natureza alimentar.

A relatoria dos dois recursos selecionados como representativos da controvérsia (REsp 1.954.380 e REsp 1.954.382) é do ministro Villas Bôas Cueva.

Após o voto de Cueva no sentido de confirmar a impenhorabilidade, pediu vista dos autos o ministro Luis Felipe Salomão.

Entenda

Em 2020, em um placar apertado de 7 a 6, a Corte Especial negou provimento ao recurso de escritório de advocacia e decidiu pela impossibilidade da penhora de salário de credor para pagamento de honorários advocatícios.

Em debate estava a possibilidade de penhora com base no §2º do art. 833 do CPC/15. O escritório recorrente alegou que não incide a regra da impenhorabilidade no caso de penhora para pagamento dos honorários, tendo em vista sua natureza alimentar.

Eis o teor do dispositivo:

Art. 833. São impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

§ 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.

Contudo, o tema, muito controvertido, tem admitido ressalvas e ainda não foi pacificado. Para resolver a questão, em maio de 2022, a Corte Especial levou o debate ao rito dos repetitivos como Tema 1.153, com a seguinte redação: "Definir se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 - pagamento de prestação alimentícia".

Na ocasião, o colegiado determinou a suspensão de todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma matéria, nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial no segundo grau de jurisdição, ou que estejam em tramitação no STJ.

 (Imagem: Rafael Luz/STJ)

Penhora de salário para pagamento de honorários volta à pauta do STJ.(Imagem: Rafael Luz/STJ)

Sustentação oral

Na sessão de ontem, sustentou oralmente o procurador adjunto da Procuradoria Especial de Defesa dos Honorários Advocatícios do CFOAB, Sergio Ludmer. Ele relembrou que a Corte já consolidou em sua jurisprudência que os "honorários constituem o direito do advogado e possuem natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos direitos oriundos do trabalho".

Nesse sentido, Ludmer reiterou que o §2º, do art. 833, do CPC, é taxativo. Ele destacou que os dispositivos que tratam da impenhorabilidade de salário não se aplicam à hipótese de penhora de prestação alimentícia "independentemente de sua origem" e que excluir os honorários advocatícios do rol previsto é negar a sua natureza alimentar.

"Fixar uma tese em que os honorários advocatícios estariam excluídos - ou não inseridos - da hipótese do §2º do art. 833 do CPC é dar uma categoria diferente aos honorários advocatícios, tirando sua essência de verba de natureza alimentar."

Voto do relator

Ministro Cueva, relator, ponderou que a questão é muito controvertida e lembrou o placar apertado da Corte Especial em 2020, merecendo, em sua avaliação, "uma nova e aprofundada análise".

Em seu voto, S. Exa. confirmou a impenhorabilidade do salário na hipótese de seu uso para pagamento de honorários advocatícios. Para Cueva, há uma distinção sutil, mas crucial, na definição da verba honorária. "A ideia é que honorários, apesar de terem natureza alimentar, não se confundem com prestação de alimentos", afirmou.

"Honorários advocatícios, apesar da sua inquestionável natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica de caráter ético-social, normalmente lastreado no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar, embora também possa resultar de condenações por ato ilícito e de atos de vontade."

Segundo o ministro, uma verba tem natureza alimentar quando é destinada à sobrevivência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia quando é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos, sejam indenizatórios ou voluntários.

Nesse sentido, sugeriu a seguinte tese:

"A verba honorária sucumbencial, a despeito de sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (penhora para pagamento de prestação alimentícia)."

Vista e divergência

Após o pedido de vista do ministro Salomão, que já havia sido anunciado desde o início do julgamento, ministro Humberto Martins adiantou seu voto no sentido de inaugurar a divergência. S. Exa. leu apenas sua tese:

"A verba honorária sucumbencial, em razão de sua natureza alimentar, amolda-se à exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (penhora para pagamento de prestação alimentícia)."

Ato contínuo, ministro Raul Araújo também adiantou a tese que pretende propor:

"Os honorários advocatícios, diante de sua natureza reconhecidamente alimentar, enquadram-se no conceito de prestação alimentícia, podendo o julgador, sopesando as circunstâncias de cada caso concreto e observando a proporcionalidade e razoabilidade, afastar a regra de impenhorabilidade das verbas remuneratórias e das quantias depositadas em caderneta de poupança, na forma prevista do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC."

Por último falou o ministro Herman Benjamin, pedindo cautela na fixação da tese. S. Exa. classificou como aberração o fato de que os maiores escritórios de advocacia do mundo, apesar de seu poder financeiro, adotem tais honorários como prestação alimentícia.

"O legislador pode muito, mas não pode tudo. Acima de todos está a Constituição. E nós temos de interpretar a lei e, se for o caso, afastá-la quando o legislador se afastar daquilo que é considerado como pilar estruturante do Estado social de Direito que temos no país."

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