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142 anos

Monteiro Lobato promotor? Conheça a trajetória jurídica do escritor

Formado em Direito, o literato atuou brevemente como promotor público e como advogado.

Da Redação

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Atualizado às 08:20

Nesta quinta-feira, dia 18, celebra-se o Dia Nacional do Livro Infantil, uma data que homenageia o nascimento de Monteiro Lobato, pioneiro na literatura infantil brasileira. Além de sua famosa contribuição para a literatura, Lobato teve uma passagem menos conhecida pelo Direito, atuando brevemente como promotor público.

Nascido em Taubaté/SP, em 1882, José Bento Monteiro Lobato seguiu os desejos de seu avô, o Visconde de Tremembé, e formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. Com o diploma em mãos, em 1905, Lobato retornou a Taubaté e candidatou-se ao cargo de promotor público, começando a exercê-lo na cidade de Areias pouco tempo depois.

Após a morte de seu avô, no início de 1911, Lobato abandonou a carreira jurídica para dedicar-se à vida de fazendeiro e escritor. Foi nesse período que ele começou a publicar contos, crônicas e críticas, consolidando-se como um renomado literato.

Embora sua carreira no Direito tenha sido curta, de 1907 a 1911, Monteiro Lobato deixou sua marca também nos anais jurídicos.

 (Imagem: Reprodução)

Monteiro Lobato atuou por um curto período como promotor de Justiça.(Imagem: Reprodução)

Um ossinho

Em artigo, o historiador João Gabriel Rosa de Almeida afirma que, no início de 1930, o jornalista Eurico Pereira Penna escreveu, no jornal regional O Cruzeirense, críticas ao ex-promotor Lobato, por atitudes consideradas "injustas ao povo acolhedor de Areias".

Lobato queria ser nomeado para uma comarca próspera, contando com a influência política do avô, o Visconde de Tremembé, conforme revelou o autor a seu amigo de faculdade Godofredo Rangel em carta.

"Estou nomeado promotor publico da comarca de Areias, que deve ser nalgum lugar. Mas reverencia, portanto, amigo, quando escreveres ao Lobato. Exijo DD. no envelope. Sou o DD. Promotor Publico de Areias, cidade que positivamente ha de existir. Cento e tantos candidatos para esse ossinho [...]. Foi trunfo decisivo uma carta de meu avô ao general Glicerio. De lá - de Areias - passarei para uma comarca da Terra Roxa, a terra abençoada onde se ganha dinheiro..."

 (Imagem: Reprodução)

(Imagem: Reprodução)

Sabe-se que o livro "Cidades Mortas" foi inspirado no município de Areias, a partir do qual o autor criou as fantasiosas cidades de Itaoca, Itapuca e Oblivion. Na obra, Lobato retrata a estagnação sócio-econômica da região do Vale do Paraíba.

Carta

O maior registro da figura de Lobato promotor foi uma carta, de junho de 1907, na qual explica porque o menor de idade João Baptista de Oliveira deveria ser condenado.

Nela, Monteiro Lobato registra que as provas constantes nos autos confirmam a culpabilidade do menor de idade e excluem a de outro menor, Sebastião José da Silva.

"João, filho de um alcoólatra confesso e duma mulher notoriamente reconhecida como tal, expia a funesta herança dos seus ascendentes, patenteando o facies do degenerado em 2º grau, revelando pender para a continuação da obra de auto-envenenamento, demonstrando embrutecimento cerebral e inaptidão assimiladora [...] e denotando o predomínio incipiente dos instintos anti-sociais passíveis de pena."

Lobato ressalta que a prisão se justificaria já que a convivência familiar do menor o levariam à continuidade delitiva, e traz elementos lombrosianos para explicar a prática de delitos pelo jovem, como a "inclinação congênita para o álcool estimulada pelo exemplo circunvizinho" que o fariam progredir "em sua terrível obra de degenerescência".

Não é mencionado o motivo pelo qual o jovem foi processado.

 (Imagem: Reprodução/Museu Monteiro Lobato)

Monstro teratológico

Enquanto aguardava sua remoção para uma comarca maior, Lobato passou a advogar na cidade. O então promotor foi contratado para defender a firma Gonçalves & Ferreira da reclamação de uma dívida protestada por João da Costa e Sá.

Lobato saiu-se vitorioso.

Nas razões finais, dois vocábulos curiosos ironizavam as acusações contra seus clientes: "urupês" e "oblivion". Um deles daria o nome a seu primeiro livro nacional; o outro, derivado do latim, significa "esquecimento" e foi, anos depois, utilizado para nomear uma das cidades do livro "Cidades Mortas".

"[...] Esta ação é um monstro teratológico. [...] As monstruosidades irão brotar como urupês em pau podre, após um dia de chuva. Ilmo. Julgador, vê desta rápida análise, que os Réus tinham razão de, no começo desta, classificar esta ação de monstro teratológico. Não tem pernas, não tem braços, não tem cabeça. E merecia, em vez do oblivion duma estante de escrivão, ir figurar no Museu do Ipiranga, dentro de um alentado vidro de álcool."

Em 1911, a morte do avô interrompeu a carreira jurídica de Lobato, que, tendo herdado uma fazenda do Visconde de Tremembé, abandonou a profissão para se tornar fazendeiro.

"Vou-me à vida livre do fazendeiro, criar porcos em vez de acusar réus, viver como bicho ou árvore em vez de como chapéu-de-sapo que o Dr. Washington desloca daqui para ali", confessou ao mineiro Godofredo.

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