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Ilegalidade

Na fumaça do crime: império do cigarro ilegal avança sobre o Brasil

Contrabando, sonegação e fábricas clandestinas movimentam bilhões, desafiam o Estado e financiam o crime organizado no país.

Da Redação

terça-feira, 10 de junho de 2025

Atualizado às 12:30

A cada dez cigarros vendidos no Brasil, três são ilegais. No Nordeste, são quatro - e em alguns Estados, como Maranhão e Piauí, sete ou até oito. É o que mostra estudo realizado pelo Ipec - Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica.

A pesquisa, encomendada pelo FNCP - Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade, revela que, no Brasil, o mercado ilegal de cigarros é um negócio bilionário que alimenta o crime organizado, corrompe estruturas de arrecadação e impõe desafios à fiscalização estatal.

O levantamento do Ipec revela a problemática do contrabando, da sonegação e da falsificação, e como cargas tributárias assimétricas e esquemas empresariais fraudulentos erguem o império da fumaça criminosa.

 (Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress)

Galpão da Receita Federal, em SP, com caixas de cigarros contrabandeados que foram apreendidos.(Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress)

O tamanho do problema

No Brasil, o cigarro ilegal representa 32% do mercado total - um índice que impressiona, e que se agrava em algumas regiões.

Os números no Nordeste são ainda mais alarmantes. O Maranhão aparece como destaque negativo: 70% dos cigarros vendidos naquele Estado são ilegais. Estimativas do setor com base no Ipec 2024 mostram que a atividade movimenta R$ 356 milhões para o crime organizado só naquele Estado, o que representa uma evasão de R$ 111 milhões em ICMS. 

Logo atrás, o Piauí (68%) e o Rio Grande do Norte (68%) mostram que a crise não é isolada. No Piauí, foram comercializados 541 milhões de unidades ilegais em 2024, gerando uma movimentação de R$ 135 milhões para o crime e uma perda de R$ 47 milhões aos cofres públicos.

"Via de regra o crime organizado no Rio Grande do Norte cuida da logística e segurança do descarregamento, transporte, armazenamento e distribuição de cigarro contrabandeado. Em paralelo, outras ORCRIMs espalhadas por diversas regiões do Estado, onde têm influência, se encarregam de comercializar os cigarros contrabandeados, muitas vezes com ações típicas de milícia proibindo o comércio de outras 'marcas' e forçando comerciantes a vender o produto ilícito", explica o delegado Gilberto Pinheiro, chefe da delegacia de repressão a crimes fazendários da Polícia Federal no Rio Grande do Norte.

 (Imagem: Arte Migalhas)

A cada dez cigarros vendidos no Brasil, três são ilegais.(Imagem: Arte Migalhas)

Embora o foco regional seja espantoso, o problema é nacional, e a presença do cigarro ilegal atinge todas as regiões.

Segundo o Ipec, 34 bilhões de unidades ilegais circularam no país em 2024, com movimentação de R$ 9 bilhões e evasão fiscal de R$ 7,2 bilhões.

No acumulado dos últimos 12 anos, estima-se que o país perdeu aproximadamente R$ 105 bilhões em arrecadação.

Segundo Edson Vismona, advogado e presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade, o avanço do cigarro ilegal é reflexo da crescente estrutura do crime organizado no país.

"O cigarro ilegal se torno tornou uma das principais fontes de financiamento das facções criminosas. Ele alimenta uma cadeia que vai muito além do contrabando, envolvendo corrupção, violência e outras atividades ilícitas. Combater esse mercado é enfraquecer diretamente o poder dessas organizações."

Tripé da ilegalidade

De acordo com Vismona, o mercado ilegal de cigarros se sustenta em três principais modalidades: contrabando, empresas devedoras contumazes e produção clandestina nacional, com falsificação e uso de trabalho análogo à escravidão.

O contrabando representa, historicamente, o maior volume, e o cigarro aparece, há anos, como o item mais apreendido pelas forças de segurança.

Maria Carmen Fantini, diretora da Unafisco Nacional  - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, explica que essa prevalência se deve a uma combinação de quatro fatores principais que fazem do cigarro um produto ideal para o crime organizado: i) alta carga tributária; ii) grande demanda interna; iii) lucro elevado; e iv) penalidades brandas e aceitação social. 

Enquanto os impostos sobre o cigarro legal no Brasil variam entre 70% e 90%, o Paraguai tributa o produto em apenas 13% a 20%. A diferença permite que marcas oriundas do país sejam vendidas a preços muito abaixo dos praticados por fabricantes nacionais. O Ipec aponta que 96% dos cigarros produzidos no Paraguai são destinados ao contrabando, e a proximidade com o Brasil estimula a entrada do produto ilegal no mercado brasileiro.

Fantini pontua que o Brasil tem um mercado consumidor significativo, sobretudo entre a população de baixa renda. Isto porque o cigarro ilegal pode ser vendido por até 65% menos do que o produto brasileiro. Por fim, destaca que, diferentemente do tráfico de drogas, o contrabando de cigarros é punido com penas mais brandas. 

Para agravar o quadro, criminosos têm contornado o aumento da fiscalização nas rotas tradicionais (Mato Grosso do Sul e Paraná) com novas rotas de entrada, como o Suriname.

A geografia, combinada à baixa vigilância aduaneira no país vizinho, o transformou-o em uma porta de entrada alternativa para o cigarro ilegal - e um novo desafio às autoridades brasileiras.

 (Imagem: Arte Migalhas)

Criminosos usam rotas alternativas para entrada de cigarro ilegal no Brasil.(Imagem: Arte Migalhas)

Edson Vismona observa que o segundo vetor de ilegalidades está nas chamadas "devedoras contumazes" - empresas instaladas no Brasil que produzem cigarros de forma legal, mas deixam de recolher sistematicamente os tributos devidos.

"Essas empresas usam uma estratégia premeditada: vendem cigarros a preços muito baixos, abaixo do valor de mercado, justamente porque não recolhem os altos impostos que incidem sobre o produto. Com isso, conseguem concorrer deslealmente com empresas regulares, ao mesmo tempo em que acumulam dívidas milionárias com o Fisco, muitas vezes criando novas empresas em nome de laranjas quando a cobrança judicial se torna iminente."

Esse comportamento, segundo dados públicos da PGFN e dos Estados, gerou mais de R$ 23 bilhões em dívidas acumuladas. Embora muitas operem com CNPJs formalizados, elas utilizam estratégias para atrasar ou simplesmente não recolher tributos, criando um ciclo vicioso de sonegação.

Por último, completam o "tripé da ilegalidade" as fábricas clandestinas - unidades que operam totalmente à margem da legislação e produzem cigarros falsificados, verdadeiras cópias de produtos paraguaios ou de empresas formais brasileiras. Isso, sem qualquer tipo de registro ou controle sanitário. Ao longo dos últimos anos, essas atividades vêm sendo identificadas em operações policiais com frequência cada vez maior.

Conforme explica o especialista, a atuação de facções criminosas é fator de grande preocupação, visto que veem no contrabando de cigarros uma atividade de baixo risco e alta lucratividade, e se utilizam deste método como uma das principais fontes de financiamento.

"Em geral, o comércio de produtos ilegais está vinculado a uma série de outros tipos de crimes ainda mais graves, tais como o tráfico de armas, de munição e de drogas, lavagem de dinheiro, roubo, homicídios, sequestros. Essa é uma parte da lista de crimes, por exemplo, das organizações criminosas ligadas ao cigarro, que têm crescido nos últimos anos. Ou seja, o cigarro contrabandeado é um dos pilares financeiros dessas facções, porque tem alta demanda e baixo risco comparado a outras atividades ilícitas. Ignorar esse elo é permitir que o crime siga se fortalecendo."

Maria Carmen Fantini também reitera a profunda ligação do contrabando de cigarros ao crime organizado.

"As mesmas rotas e estruturas logísticas usadas para o cigarro ilegal são frequentemente utilizadas para o tráfico de drogas e armas, a lavagem de dinheiro e a exploração do trabalho escravo. Da mesma forma, o lucro advindo da comercialização do cigarro contrabandeado financia as atividades das organizações criminosas."

Metodologia da pesquisa

A pesquisa realizada pelo Ipec cobre mais de 200 municípios brasileiros, entrevistando consumidores regulares de cigarro industrializado (mínimo de 7 unidades por semana). A amostragem considera áreas urbanas de cidades com mais de 20 mil habitantes, o que representa 75% da população de 18 a 64 anos.

Fonte: FNCP - Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade.
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