Incorporadora é condenada por omitir enquadramento social de imóveis
Juiz reconheceu violação do dever de informação ao omitir que as unidades eram classificadas como habitação de interesse social, categoria sujeita a regras restritivas de uso e destinação, determinando a devolução integral dos valores pagos.
Da Redação
domingo, 23 de novembro de 2025
Atualizado em 24 de novembro de 2025 07:48
O juiz de Direito Pedro Rebello Bortolini, da 8ª vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP, rescindiu dois contratos de compra e venda após reconhecer que a incorporadora omitiu informação essencial sobre o enquadramento dos imóveis como HIS - Habitação de Interesse Social, configurando violação ao dever de informar.
O magistrado determinou a devolução integral dos valores pagos - incluindo o preço dos imóveis e as comissões de corretagem - que somam R$ 504.313,56. Também ordenou o ressarcimento pelas reformas realizadas e a aplicação da cláusula penal em favor dos consumidores, inicialmente prevista apenas em caso de inadimplemento por parte dos compradores.
Entenda o caso
Os autores adquiriram duas unidades imobiliárias em empreendimentos distintos na região da Barra Funda, com finalidade de investimento. O valor total desembolsado incluiu o preço dos imóveis e as respectivas comissões de corretagem. Após a entrega das chaves, os compradores realizaram reformas visando à locação das unidades, com gastos superiores a R$ 42 mil.
Contudo, ao tentarem registrar os imóveis no cartório competente, descobriram que ambos eram classificados como habitação de interesse social - regime jurídico que impõe restrições quanto ao uso e à destinação, voltado a famílias com renda específica. Alegaram que tal informação jamais lhes foi comunicada, inviabilizando o propósito de exploração econômica das unidades.
Diante disso, ingressaram em juízo pleiteando a rescisão contratual, a restituição integral dos valores pagos, o reembolso das reformas realizadas e a aplicação da cláusula penal em favor dos compradores.
A incorporadora, por sua vez, sustentou que a classificação como HIS é informação pública, que não descumpriu obrigações contratuais e que não poderia ser responsabilizada pelos investimentos feitos nas reformas.
Dever anexo de informação
O juiz entendeu que o caso comportava julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do CPC, por estar suficientemente instruído com prova documental, dispensando a produção de outras provas.
Ao analisar os autos, concluiu que a incorporadora descumpriu o dever de informar, ao deixar de indicar, de forma clara e ostensiva, o enquadramento dos imóveis como Habitação de Interesse Social. Ressaltou que essa classificação não é um detalhe secundário, mas sim uma característica essencial, que impõe restrições relevantes ao direito de propriedade - como a obrigatoriedade de destinação, por dez anos, a famílias de determinada faixa de renda.
Nesse contexto, destacou que a omissão configura violação tanto ao dever de informação previsto nos arts. 6º e 37 do CDC, quanto ao princípio da boa-fé objetiva, conforme o art. 422 do CC.
"A alegação da ré de que a informação seria pública não a exime de sua responsabilidade contratual. A boa-fé objetiva, princípio norteador das relações contratuais (art. 422 do CC), impõe às partes deveres anexos de conduta, entre os quais se destacam a lealdade, a transparência e a informação."
O magistrado também observou que os contratos firmados não traziam qualquer menção à classificação HIS, ainda que contivessem cláusulas específicas sobre restrições incidentes sobre os imóveis - nenhuma delas relacionada ao regime de habitação de interesse social. Tal ausência, segundo ele, reforça o descumprimento do dever de transparência contratual.
"O dever de informação, previsto no art. 6ª, III, do CDC é um dos pilares do sistema de proteção ao consumidor e impõe ao fornecedor a obrigação de prestar informações claras, precisas e ostensivas sobre as características essenciais do produto ou serviço."
Reconhecendo o inadimplemento da incorporadora, o juiz decretou a resolução dos contratos por culpa exclusiva da vendedora e determinou:
- restituição integral, em parcela única, de R$ 504.313,56, com correção e juros;
- indenização de R$ 42.860,67 pelas reformas realizadas;
- aplicação da cláusula penal em favor dos consumidores, com base no tema 971 do STJ, já que a penalidade constava apenas contra o comprador;
- impossibilidade de cumular cláusula penal com lucros cessantes, conforme tema 970 do STJ;
- negativa de restituição das taxas condominiais, pois os adquirentes estavam na posse dos imóveis.
Ao final, a incorporadora foi condenada ao pagamento integral das custas processuais, despesas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
O advogado Marcelo Pacheco, do escritório Salles Ribeiro Advogados atuou no caso.
- Processo: 4015132-49.2025.8.26.0100





