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Supremo | Sessão

STF julga regra que reduz aposentadoria por incapacidade permanente

Ministros discutem se benefício deve ser integral ou seguir cálculo da EC 103/19, que fixa 60% da média contributiva.

Da Redação

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Atualizado às 16:34

Aposentados por incapacidade permanente devem receber o benefício de forma integral ou deve prevalecer a regra da Reforma da Previdência, que reduziu o valor para 60% da média das contribuições?

Essa é a questão que o STF passou a analisar, nesta quarta-feira, 3, em sessão plenária.

Os ministros discutem a constitucionalidade da EC 103/19, que alterou a fórmula de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente e substituiu o modelo anterior, no qual o benefício era pago de forma integral.

O julgamento havia começado no plenário virtual, mas foi levado ao plenário físico após pedido de destaque do ministro Edson Fachin.

O voto do então relator, ministro Luís Roberto Barroso (hoje aposentado), que considerou constitucional a nova metodologia de cálculo, foi mantido e recebeu os votos dos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

Na divergência, ministro Flávio Dino votou pela inconstitucionalidade da regra, sendo acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Edson Fachin e pela ministra Cármen Lúcia.

Com as ausências dos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, a análise foi suspensa e será retomada oportunamente.

Veja o placar até o momento:

Entenda o caso

O processo foi iniciado por segurado que buscava a revisão da aposentadoria por incapacidade permanente.

Ele argumentou que a doença incapacitante começou antes da reforma, o que lhe garantiria o cálculo integral previsto no regime anterior.

Além disso, sustentou que a nova fórmula da reforma - baseada em 60% da média - seria inconstitucional, especialmente por estabelecer benefício inferior ao auxílio-doença.

O INSS afirmou que a incapacidade permanente só foi reconhecida em 2023, já sob a vigência da EC 103/19, e que a aplicação do novo cálculo é obrigatória. 

A autarquia defendeu ainda que a modificação atende ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.

O segurado venceu na 1ª instância e na turma recursal, que considerou inconstitucional a metodologia da reforma. 

O INSS recorreu ao STF.

Em nome da autarquia

Representando o INSS, a procuradora Federal Renata Maria Pontes Cunha defendeu, nesta quarta-feira, 3, a constitucionalidade integral da fórmula de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente introduzida pela EC 103/19.

Segundo afirmou, a reforma previdenciária foi legítima, necessária e guiada pelo equilíbrio financeiro e atuarial, sem eliminar direitos nem violar a dignidade humana, uma vez que o benefício continua assegurando proteção mínima e jamais pode ser inferior ao salário mínimo.

Sustentou que a distinção entre invalidez comum - cujo coeficiente parte de 60% da média, com acréscimos anuais - e invalidez ocupacional, mantida em 100%, decorre de tradição normativa e possui fundamento racional, já que há fonte própria de custeio para benefícios acidentários.

Defendeu ainda que não há irregularidade no fato de a aposentadoria permanente, em alguns casos, ser inferior ao auxílio-doença, porque se tratam de prestações distintas, com impactos diversos sobre o sistema previdenciário.

A procuradora pediu o sobrestamento do julgamento, lembrando que a ADIn 6.279 já formou maioria pela constitucionalidade da regra.

No caso concreto, reforçou a aplicação do princípio tempus regit actum: reconhecida a incapacidade permanente após a reforma, deve prevalecer a fórmula da EC 103/19, ainda que a doença tenha se iniciado antes.

Amici curiae

Pelo IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários, o advogado João Osvaldo Badari Zinsly Rodrigues afirmou que a EC 103/19 representou retrocesso social, ao reduzir em cerca de 40% o valor da aposentadoria por incapacidade permanente justamente para quem se encontra em situação mais vulnerável.

Criticou a discriminação pela origem da doença, lembrando que segurados com a mesma enfermidade podem receber valores muito distintos apenas porque um caso é acidentário e outro não, ainda que o não acidentário tenha contribuído por muito mais tempo.

Para o IEPREV, a nova sistemática viola igualdade, dignidade e proibição do retrocesso, além de romper a lógica de proteção ao prever que quem sofre mais pode receber menos.

Pela DPU - Defensoria Pública da União, a defensora pública Érica Hartman sustentou que o coeficiente de 60% da EC 103/19 quebra a isonomia, ao permitir que a aposentadoria por incapacidade permanente (evento mais grave e definitivo) seja inferior ao auxílio-doença, calculado em 91%.

Destacou que, como benefícios por incapacidade são conversíveis, a nova regra pode reduzir o valor quando o auxílio-doença é transformado em aposentadoria permanente, contrariando a irredutibilidade. Também questionou a diferença entre invalidez acidentária (100%) e não acidentária (60%), para a qual vê ausência de justificativa constitucional.

A DPU pediu o improvimento do recurso do INSS e a declaração de inconstitucionalidade da fórmula de cálculo.

Voto do relator

O então relator, ministro Luís Roberto Barroso (hoje aposentado), votou pela constitucionalidade da norma.

Para S. Exa., o cálculo estabelecido pela EC 103/19 não viola cláusulas pétreas e foi aprovado dentro da legitimidade do processo legislativo constitucional.

Barroso rejeitou a alegação de ofensa à isonomia, argumentando que a diferença entre auxílio-doença e aposentadoria permanente decorre da natureza distinta dos benefícios e de fundamentos atuariais que sustentaram a reforma.

Destacou, ainda, que o tratamento mais favorável às aposentadorias decorrentes de acidente de trabalho tem fundamento constitucional e histórico.

No caso concreto, S. Exa. concluiu que, como a invalidez só foi reconhecida em 2023, aplicam-se as regras posteriores à reforma.

O ministro propôs tese para o Tema 1.300 da repercussão geral:

"É constitucional o pagamento do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente nos termos fixados pelo art. 26, §2º, III, da EC 103/19, para os casos em que a incapacidade para o trabalho seja constatada posteriormente à Reforma da Previdência."

O voto de Barroso foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

Seguindo o relator

Ministro Cristiano Zanin entendeu que a EC 103/19 não violou dispositivos constitucionais nem tratados internacionais, incluindo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Segundo afirmou, a CF, especialmente nos arts. 201 e 40, estabelece que os regimes previdenciários devem ser estruturados de modo a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, requisito essencial para garantir a continuidade do sistema de proteção social para as futuras gerações.

Zanin também afastou a alegação de violação à isonomia. Entendeu que incapacidade temporária (auxílio-doença) e incapacidade permanente (aposentadoria) possuem naturezas e finalidades distintas, o que justifica tratamentos diferenciados.

Do mesmo modo, avaliou que não há inconstitucionalidade na distinção entre invalidez acidentária e não acidentária, pois a própria lógica previdenciária admite diferenciações baseadas em fontes específicas de custeio e peculiaridades dos riscos cobertos.

Embora reconhecendo que, no plano "ideal", seria desejável ampliar a proteção social, Zanin destacou que o STF deve respeitar os limites que a própria CF impõe à atuação estatal, inclusive a necessidade de ajustes periódicos para garantir a sustentabilidade do sistema.

Assim, considerou legítima a opção do legislador constituinte derivado ao reformular o cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente.

Ao final, o ministro reafirmou seu voto pelo provimento do recurso do INSS, aderindo à tese segundo a qual é constitucional o cálculo previsto no art. 26, §2º, III, da EC 103/19.

Divergência

Em voto-vista apresentado no plenário virtual, ministro Flávio Dino afirmou que a fórmula criada pela EC 103/19 viola princípios estruturantes da Seguridade Social, como a irredutibilidade de benefícios, além de comprometer a proteção mínima assegurada ao segurado permanentemente incapacitado.

Nesta tarde, reafirmou que o cálculo deve considerar não apenas aspectos fiscais, mas também os ditames constitucionais de justiça social, direitos fundamentais e dignidade humana. Observou que reformas previdenciárias podem ser legítimas e necessárias, mas não podem produzir resultados que afrontem parâmetros constitucionais e convencionais.

Dino destacou que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada com status constitucional, impõe tratamento igualitário às pessoas com deficiência no acesso a benefícios previdenciários.

Para S. Exa., esse parâmetro impede distinções baseadas apenas na origem da incapacidade, já que a deficiência, e suas limitações concretas, é a mesma, independentemente de ter sido causada por doença comum, acidente de trabalho ou violência.

O ministro citou situações hipotéticas para ilustrar a incoerência prática da regra atual: duas pessoas paraplégicas, uma por acidente de trabalho e outra por doença comum, recebem benefícios profundamente distintos, embora enfrentem o mesmo quadro de incapacidade permanente.

Do ponto de vista constitucional, afirmou, não há justificativa para que um segurado tenha benefício integral e o outro apenas 60%. Tal assimetria, avaliou, produz desigualdade "insuportável".

Outro ponto central do voto foi a crítica à redução do benefício após a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente. Dino observou que não faz sentido que o segurado, ao deixar de ser temporariamente incapaz para se tornar definitivamente incapaz, passe a receber menos, situação que considera contrária à lógica do sistema, à segurança jurídica e aos princípios constitucionais.

O ministro também enfatizou que pessoas com deficiência, especialmente as mais pobres, enfrentam obstáculos adicionais, como moradias inadequadas, dificuldades de mobilidade urbana e acesso precário a serviços públicos, o que reforça a necessidade de proteção previdenciária adequada.

Diante disso, concluiu haver inconstitucionalidade e inconvencionalidade na regra da EC 103/19 que reduz o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária. Propôs a seguinte tese:

"É inconstitucional a regra de aferição da renda mensal inicial para os benefícios por incapacidade permanente descrita no art. 26, § 2º, III, da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, ao diminuir o valor para benefícios não decorrentes de acidente de trabalho. São aplicáveis a todos os casos de incapacidade permanente os critérios previstos no art. 26, §3º, II."

No caso concreto, negou provimento ao recurso extraordinário do INSS e determinou que o Instituto cumpra a decisão no prazo a ser fixado.

Cinco violações

Ministro Edson Fachin acompanhou integralmente a divergência inaugurada pelo ministro Flávio Dino. Destacou que a fórmula de cálculo instituída pela EC 103/19 fere o desenho constitucional originário e compromete diversos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito. Segundo Fachin, são cinco as violações centrais presentes na regra questionada.

A primeira é a ofensa à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status constitucional e impõe tratamento igualitário e proteção adequada às pessoas com impedimentos duradouros.

Em seguida, apontou violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proibição do excesso social, uma vez que a nova fórmula reduz a proteção justamente de quem se encontra em situação mais vulnerável.

Fachin também identificou dupla afronta ao princípio da isonomia, tanto na comparação entre incapacidade temporária e permanente quanto entre os casos acidentários e não acidentários.

O ministro mencionou ainda a incompatibilidade da regra com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proibição da proteção insuficiente, além da violação aos objetivos constitucionais da seguridade social, que exigem mecanismos aptos a reduzir desigualdades e assegurar proteção efetiva.

Ressaltou que, embora o controle de constitucionalidade de emendas constitucionais seja excepcional e deva respeitar o amplo espaço de conformação do legislador, neste caso há claro choque com limites materiais impostos pela Constituição e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Fachin concluiu afirmando que a proteção reforçada prevista nesses instrumentos exige medidas positivas do Estado para mitigar barreiras e desvantagens estruturais enfrentadas por pessoas com deficiência ou incapacidade permanente. 

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