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Editorial publicado hoje no Estadão é questionado pelo advogado Alberto Zacharias Toron

Da Redação

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Atualizado às 10:59


Penal

O editorial publicado hoje, 26/10, pelo jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "Mudanças na legislação penal", é questionado pelo advogado Alberto Zacharias Toron. Abaixo confira a íntegra do texto e a carta enviada por este ilustre migalheiro à esta redação.

  • Editorial

Mudanças na legislação penal

Em editorial de 3ª-feira, Mudanças no processo penal, comentamos a rapidez da tramitação no Congresso de cinco projetos de alteração do Código Penal, em resposta à pressão da opinião pública pelo endurecimento das leis penais. O último avanço, em matéria de modernização da anacrônica legislação penal, que foi editada entre 1940 e 1945 pelo Estado Novo varguista, quando eram outras as condições socioeconômicas do País, foi a aprovação pelo Senado, esta semana, de três dos cinco importantes projetos de lei.

O primeiro, que só depende da sanção do presidente Lula para entrar em vigor, muda os critérios de prescrição dos crimes. Até agora, os advogados de defesa sempre se aproveitaram das brechas do Código de Processo Penal para, apresentando recursos judiciais, adiar o julgamento final com o objetivo de retardar os processos até o esgotamento do prazo da prescrição antes da sentença final.

Pela legislação processual em vigor, embora os prazos de prescrição variem conforme o tipo de crime, todos começam a contar a partir da data em que o delito foi cometido. Pelo novo critério aprovado pelo Senado, o prazo para a prescrição agora será contado somente a partir do início da ação penal - ou seja, quando o Ministério Público oferece a denúncia criminal e a Justiça a acolhe, determinando a abertura do processo. Com isso, o tempo gasto com as investigações na fase policial não mais será contabilizado para efeitos de prescrição de um crime, o que fecha uma porta para a chicana jurídica dos advogados.

O segundo projeto aprovado pelo Senado, que também só depende da sanção de Lula para entrar em vigor, autoriza o uso da videoconferência para interrogatório de presos. Eles poderão ser ouvidos no local onde estão detidos, sem precisar se deslocar ao fórum. O projeto foi apresentado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) em 2006, após uma onda de ataques do PCC a bancos, delegacias e até a própria sede do Ministério Público em São Paulo. Na época, a polícia prendeu vários integrantes da organização criminosa e, por causa de sua extrema periculosidade, o deslocamento de cada um deles entre o presídio e o fórum criminal, para prestar depoimentos ou fazer acareações, acabou exigindo enormes escoltas policiais e a utilização de aviões e helicópteros. Além dos vultosos gastos com transporte, os comboios com os principais líderes do crime organizado podem ser alvo de ataques e tentativas de resgate, pondo em risco a própria segurança da população.

Para se avaliar corretamente a importância da videoconferência, basta lembrar que só o traficante Fernandinho Beira-Mar, que foi preso em 2001, já fez 15 viagens interestaduais em decorrência de audiências, a um custo de R$ 200 mil para os cofres públicos. Segundo levantamento do governo do Estado de São Paulo, o gasto médio com cada deslocamento de presos para audiências, interrogatórios e julgamentos foi de R$ 2,5 mil, em 2004. Nesse ano, em São Paulo, foram realizados cerca de 3 mil comboios por semana, mobilizando 4,8 mil policiais militares e 1.174 viaturas, que, no total, chegaram a percorrer 267 mil quilômetros, a um custo mensal de R$ 30 milhões.

O terceiro projeto aprovado pelo Senado torna mais rigorosa a punição para os crimes de lavagem de dinheiro. Este ainda terá de ser enviado à Câmara. Atualmente a pena máxima de prisão para esse tipo de delito é de 10 anos. O projeto a eleva para 18 anos e também amplia as prerrogativas do Ministério Público neste tipo de crime, permitindo o acesso dos promotores, sem autorização judicial, a cadastros de bancos, de administradoras de cartões de crédito e de provedores de internet.

Essas inovações na legislação penal eram reivindicadas há muito tempo pelos órgãos de segurança pública, mas a tramitação dos três projetos sofreu fortes resistências corporativas. Os advogados, por exemplo, se opuseram à videoconferência. E os juízes reclamaram do aumento das prerrogativas dos promotores. Mas a pressão da opinião pública foi mais forte e o Senado, agindo com determinação, teve o bom senso de pôr os interesses maiores da população à frente dos interesses corporativos de juízes e advogados.

  • Carta

"Prezado editor, sendo advogado e assinante do Estadão há mais de 30 anos, sinto-me no dever de reclamar uma correção relativamente a uma informação equivocada e profundamente ofensiva aos advogados. No editorial de 26/10 intitulado "Mudanças na legislação penal", aplaudindo a modificação introduzida pelo projeto aprovado no Senado que altera a sistemática da prescrição, impedindo a contagem do prazo antes do oferecimento da denúncia, afirmou-se: "Com isso o tempo gasto com as investigações na fase policial não mais será contabilizado para efeitos de prescrição de um crime, o que fecha uma porta para a chicana jurídica dos advogados".

Independentemente da opinião que se possa ter sobre o mérito do referido Projeto, é inaceitável atribuir-se a demora nas investigações conduzidas pela polícia aos advogados. Estes profissionais não detêm o controle do inquérito, que é presidido por um Delegado de Polícia (estadual ou federal, conforme o caso). Na fase pré-processual, investigativa, não vigora o contraditório (cross-exmination), quando se debatem as provas e a defesa pode produzir outras em prol do investigado.

Na fase do inquérito policial vigora o que tecnicamente chamamos de sistema inquisitivo, onde quem manda e conduz é o Delegado. Ora, se o advogado, vocalizando os interesses do investigado, nada pode, mais que ofensiva, revela um profundo desconhecimento das coisas a afirmação de que o Projeto "fecha uma porta para a chicana jurídica dos advogados". Que chicana? Asserções como esta, além de induzir em erro o grande público leitor, contribui de forma decisiva para uma incorreta identificação das reais mazelas que marcam o processo penal brasileiro.

O resultado disso é que (i) teremos uma polícia mais lenta na apuração dos fatos porque já não haverá mais a sanção da prescrição e (ii) o cidadão, que imaginaria fechada a porta da "chicana dos advogados", vai verificar, posteriormente, que o ritmo das investigações tem muito mais a ver com as condições de ação da polícia (recursos humanos, materiais e, por vezes, vontade política) do que com o fim da prescrição.

O editorial mancha a honra dos advogados indevida e gratuitamente pondo-nos como responsáveis por uma mazela da qual não somos responsáveis. Por fim, advogados e juízes não têm nenhum interesse corporativo na questão. Uma sociedade que se preocupar-se exclusivamente com os mecanismos de repressão e se descuidar das garantias dos cidadãos estará fadada a sucumbir à prepotência que este jornal, histórica e heroicamente até, combateu."

Alberto Zacharias Toron, advogado, Secretário-Geral Adjunto do Conselho Federal da OAB, Presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas Profissionais e Professor licenciado de Direito Penal da PUC-SP

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