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Falecimento - José de Castro Bigi

Faleceu em SP, aos 83 anos, o ilustre advogado José de Castro Bigi (OAB/SP 7496). Ex-presidente da OAB/SP, Bigi comandou também a CAASP e a AASP. Era formado pelas Arcadas (Turma de 1952).

Da Redação

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Atualizado às 10:01


Falecimento

Falece o ilustre advogado José de Castro Bigi

Faleceu em SP, aos 79 anos, o ilustre advogado José de Castro Bigi (OAB/SP 7496). Ex-presidente da OAB/SP, Bigi comandou também a CAASP e a AASP. Era formado pelas Arcadas (Turma de 1952).

Liderança

José de Castro Bigi tornou-se presidente da OAB/SP (1981-1983) sob um cenário de pobreza e de direitos individuais diariamente aviltados. Corporativamente, Bigi centrou sua administração na construção e/ou locação de várias Casas do Advogado, no interior. Na sua gestão, iniciaram-se estudos para a informatização da OAB.

"A Advocacia paulista está de luto. Poucas lideranças fizeram tanto pela classe como Bigi, que era incansável. Entre seus feitos, destacaria a criação da Comissão de Direitos Humanos da Seccional Paulista, que teve papel de destaque na luta pela redemocratização do país e contra os desmandos do regime de exceção", diz o presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D'Urso.

O presidente da OAB/SP editou a Portaria 92/09, decretando luto oficial por 3 dias, devendo as bandeiras serem hasteadas a meio pau em todas as Subsecções do Estado e unidades da Ordem. "Bigi era uma liderança de visão. Assim como no seu tempo tinha claro que a principal luta da advocacia era política, uma vez que cidadãos estavam sendo alijados de seus direitos e garantias constitucionais e as instituições subvertidas; sabia que hoje uma das frentes de luta da advocacia mais importantes é a garantia das prerrogativas profissionais de forma a assegurar o direito de defesa para todos", completa D'Urso.

Além de ser membro nato da OAB/SP, Bigi ocupou diversos cargos na Seccional na diretoria e comissões. O último deles foi de presidente da Comissão de Direito Internacional (2001-2003). Homem de grande cultura, dizia que tinha sido atraído para advocacia pela influência que os bacharéis de Direito tiveram na Literatura brasileira.

Presidente da AASP (1972/1973), Bigi foi homenageado no ano passado pela Associação.

Da esq. para dir., desembargador Antônio Carlos Mathias Coltro; advogada Renata Di Pierro; Arystóbulo de Oliveira Freitas; Mário de Barros Duarte Garcia e Renato Luiz de Macedo Mange; o homenageado, José de Castro Bigi; Márcio Thomaz Bastos; Aloísio Lacerda Medeiros e José Diogo Bastos Neto e Marcio Kayatt. (Foto : Balaio de Idéias - Setembro de 2008)

Entrevista

Veja abaixo uma entrevista concecida pelo ilustre advogado em novembro de 2002 ao Jornal do Advogado.

"Não se constrói uma nação em torno da fome e da pobreza"

Ele já presidiu a OAB/SP em duas ocasiões: quando eleito para o biênio de 1981/1983 e, em 1990, em substituição a Antonio Cláudio Mariz de Oliveira - de quem era vice -, que se licenciou para assumir a Secretaria de Justiça de São Paulo. O pulso firme e a marca de liderança também o levaram ao comando da CAASP, e da AASP. Desde sempre, participou das ações da Ordem na defesa de interesses da classe. Incansável nesse intuito, aos 73 anos, o advogado, professor de Direito Civil e ex-juiz do TRE, José de Castro Bigi, mantém-se altivo e falante.

Em sua primeira passagem pela Seccional paulista conduziu importantes realizações. Bigi criou subsecções na capital, instituiu a Comissão de Direitos Humanos, providenciou os primeiros computadores. "Foi um período extremamente gratificante de minha vida." Até hoje, continua a proferir palestras na instituição e não se abstém das articulações políticas. "Não fico alheio à Ordem."

Também não larga o futebol. Declara, solenemente, seu engajamento com o Sport Clube Corinthians, que freqüenta, pelo menos uma vez por semana, há 40 anos. Lá, já foi diretor jurídico, diretor profissional, candidato a presidente e, atualmente, conselheiro. E admite: "É uma paixão". Ao lado da literatura - fã de Saramago, Eça de Queiroz e Machado de Assis - e de óperas - Puccini é seu compositor favorito. Nem por isso deixa de reservar um tempo sagrado para a mulher, as cinco filhas e os seis netos.

Na militância como advogado, continua firme. Especialista em Direito de Família, atua na Área Civil e acompanha as causas de perto, junto aos sócios, com quem mantém um escritório, na região dos Jardins, na capital. Já a militância política é contida na prática, mas não no discurso. "Gosto muito de política, embora não a faça." Isso ficou bem claro ao longo da entrevista concedida ao Jornal do Advogado, em que analisou o último pleito, a vitória de Lula, os caminhos do Direito e da advocacia.

Jornal do Advogado - Tendo em vista sua experiência no TRE, como o senhor avalia o pleito deste ano, o maior da história de nossa República?

José de Castro Bigi - Essa campanha eleitoral teve o mérito de consolidar a democracia brasileira. Foi muito mais ética do que eu esperava, com algumas discussões, normais, entre os candidatos, porém, ainda não atingiu o objetivo maior, que seria o de debater os programas de governo. Desta vez, pelo menos, não houve golpes de última hora, como o que o Collor fez em relação à filha do Lula. Chegamos ao fim com os dois pólos esperados: o Serra, representando o que ainda resta da força do governo Fernando Henrique, e o Lula, pelo carisma, pela vontade de mudanças.

O senhor acha viável colocar as promessas de campanha em prática?

- Não será fácil. Vai depender da equipe que o Lula montar, de muito boa vontade e de uma grande união nacional. A oposição que se formar precisa pensar antes no interesse brasileiro. Vamos atravessar um período difícil, com as negociações da Alca, por exemplo, para qual o presidente vai precisar do respaldo popular. E acho que o Lula vai ter.

O Brasil é um país que vai se projetar no cenário internacional?

- Acredito que sim. Na América do Sul e na América Central, já ocupamos a liderança. Nas últimas cúpulas internacionais, a posição firme do Brasil ajudou a compor um bloco com nações importantes, que não fazem parte das oito mais ricas do mundo. Isso, provavelmente, não devemos ao governo, mas ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Como presidente, foi o melhor chanceler que o Brasil já teve.

A informatização do processo eleitoral também ficou consolidada depois deste pleito?

- Sou absolutamente a favor da urna eletrônica, porque evita a fraude, que era terrível com a votação por cédula. Muitas vezes, quando o voto estava em branco, mesários ou fiscais de partido inseriam nomes de candidatos. Era um tipo de fraude dificílimo de pegar. Por isso, a máquina é um grande avanço; uma conquista brasileira. Estão de parabéns os que compuseram esse processo e, especialmente, os juizes do Tribunal Superior Eleitoral, que não tiveram medo de mudar.

Falando em mudanças, a representação proporcional é uma distorção legislativa, que permitiu eleger um deputado pelo Prona com 275 votos. Que ajustes devem ser feitos na nossa legislação eleitoral?

- Sou a favor do voto distrital. É a única solução que vejo para se resolver isso. Que respaldo pode ter esse deputado federal do Prona em qualquer medida que ele queira tomar no Congresso? É um absurdo. Nem em reunião de clube de futebol as coisas se processam assim. O presidente em exercício do Corinthians foi eleito com 5.001 votos, contra mil e pouco da oposição. O voto distrital é muito mais adequado. Poderíamos adotar aqui o sistema inglês, mais simples do que o francês. Funciona assim: vota-se no candidato do seu distrito para os partidos que concorrem e, evidentemente, o sistema lê os votos. Depois, tem-se uma lista proporcional, com um número de deputados eleitos pelo país todo, pelo Estado todo. Um tanto na proporcionalidade, outro, nos distritos. E os distritais terão de ser em número maior que os proporcionais. Só na Grande São Paulo, por exemplo, dá para fazer vários distritos em grandes bairros. Isso vai obrigar o eleitor a um corpo-a-corpo direto com o candidato e vice-versa.

E o candidato tem que dar retorno direto para o eleitor...

- Sim, até os debates são bem mais circunscritos. Também se pode estabelecer que, depois da metade do mandato, se realize uma espécie de plebiscito. Se o deputado está indo bem, permanece, se não, sai fora. Daí, os eleitores colocam outros que lutem por suas causas. Outro dia, li uma reportagem que me fez chorar. Um bebê de nove meses morreu no Amazonas, porque a mãe não tinha como comprar leite. Ela dava água com açúcar para o filho, que morreu de fome. Isso é inadmissível. O Estado está inerte e precisa entender - e o mercado financeiro também - que não se constrói uma nação em torno da fome e da pobreza.

Dentro desse cenário, qual sua avaliação do Poder Judiciário?

- O Judiciário é o último abrigo do cidadão; o último reduto daqueles que precisam buscar Justiça. Só que é preciso mexer na legislação processual, para diminuir o número de recursos e chegar a julgamento mais rápido. No meu modo de ver, a ação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, os JPECS, deve ser ampliada, em relação à natureza das ações. Tive uma experiência ótima no JEPC de Santo Amaro, na defesa da causa de um parente. Perdi em primeira instância, recorri e achei que fosse levar uns dois anos. Em dois meses, o caso estava em pauta. Foi julgado por turma e com votos pensados. Essa é uma justiça rápida, barata e que pode desafogar muito as pautas. A solução para o Judiciário é investir nesses Juizados.

Como especialista em Direito de Família, o que há de urgente para mudar na legislação nessa área?

- Temos que partir para um sistema de tentativa de conciliação, uma espécie de arbitragem. Dentro do Judiciário e não fora dele. Essa tentativa de conciliar pode ser feita com a presença de um psiquiatra, de um psicólogo e, obrigatoriamente, de um advogado. Mas, repito, não fora do Judiciário. Também deve ser dirigida por um juiz. Penso o seguinte: teríamos um quadro de juízes, não muitos, que só tratariam de conciliação.

Quando o senhor fala em conciliar não é obrigatoriamente colocar o casal em harmonia de novo, mas resolver os impasses entre eles, certo?

- Exatamente. Se não dá para voltarem, tudo bem. No entanto, com quem ficam os filhos? Porque as coisas têm que ser resolvidas de imediato. Há questões de guarda em que, depois de quatro anos, o desembargador decide que as crianças não deveriam ter ficado com a mãe. Mas, daí, como tirá-las depois de tanto tempo? E há outros sistemas de guarda, como a compartilhada.

Essa é a solução mais adequada para o bem estar dos filhos?

- Acho que não. Dividir entre o homem e a mulher as obrigações, sim. Mas ter dois lares não é indicado. O guardião tem que ser um só. Estar um pouco na casa de um, um pouco na casa do outro, representa um grande perigo de ordem psíquica para a criança. Um bom procedimento - que já se faz hoje - é alargar bastante a visita, com compreensão. Não se fixa mais o fim de semana. Geralmente, os filhos ficam com a mãe. De qualquer forma, devem estar sob a guarda de um dos dois. De preferência, com o que tiver maior possibilidade de exercer o cargo de guardião, em ordem financeira, de amor e de afeto.

Ainda na área de Família, o senhor tem um trabalho muito citado, no qual defende a indenização por dano moral entre cônjuges. Em que situações concretas?

- No caso de adultério, por exemplo, cabe o dano moral. Do homem para a mulher ou vice-versa, pela situação vexatória que se cria no círculo social. Em sevícias graves também. Aí, existem dois campos: o dano moral e o dano material. É o caso de quando o marido dá um violento tapa no ouvido da mulher e ela perde a audição. Tem-se, então, um dano concreto, que deve ser indenizável - o do tratamento necessário -, e o dano moral pela agressão. Aqui no Brasil, o dano moral demorou para se tornar indenizável. Agora, está na Constituição e tem que ser aplicado, inclusive na área de Família.

O senhor é muito ligado ao futebol, especialmente, ao Corinthians. Qual sua visão da legislação esportiva do Brasil?

- O erro está na Medida 39, feita por pessoas não especialistas e que poderá trazer graves prejuízos para o país. Para transformar um clube em uma empresa jurídica, como sociedade anônima ou limitada, não é fácil. Arrumar uma terceira empresa para administrá-lo também não é. A única coisa boa que essa medida tem é obrigar os clubes a publicar balanço anual. Isso dá transparência. O resto é coisa de quem não entende de futebol. Isso tudo saiu daquela podridão, que a CPI levantou, mas, até hoje, não se divulgou o relatório. O governo entrou, talvez, com vistas a impingir aos clubes o imposto de renda. Aquele que não obedecesse à medida provisória passaria a ter que pagar os tributos. E ela entrou em vigor no dia da publicação. Não há como você fazer uma mudança dessas em 24 horas.

De onde veio a sua inspiração para escolher o Direito como carreira?

-Talvez, da influência política na carreira. Gosto muito de política, embora não a faça. Os grandes políticos foram grandes advogados. Outra influência foi a ligação da carreira com a literatura. Castro Alves, Álvares de Azevedo, todo aquele encanto das Arcadas da São Francisco acabou me levando para lá.

A Ordem teve atuação importantíssima durante o regime militar. Passada essa época crítica de defesa dos interesses da sociedade, qual devem ser, hoje, as bandeiras da OAB?

- No período da presidência do Mário Sérgio Duarte Garcia, no meu, no do Thomaz Bastos, não podíamos deixar de combater o regime de exceção. Havia advogados e intelectuais presos, torturados. Então, o interesse corporativo ficava comprometido, porque éramos obrigados a encarar a parte política. Hoje, penso que a principal bandeira da Ordem deve ser a defesa dos direitos dos advogados. As prerrogativas, enfim. A Ordem é, quer se queira, quer não, uma entidade classista e ponto final. Não pode ter vergonha de dizer isso. Se amanhã acontecer algo que possa perturbar o bom andamento da democracia, ela deverá voltar a atuar novamente nessa frente, com toda a força.

Ao longo de nossa conversa, o senhor mostrou uma postura otimista. É uma impressão ou, de fato, esse é seu posicionamento na vida?

Considero-me um otimista, sim. O governo do nosso país tem defeitos, aqui tem assassinatos, mas na França e na Alemanha também tem. Os Estados Unidos tem malucos atiradores. Então, não desmereço meu país. Ao contrário, tenho orgulho dele. E não acho que vá acontecer nada de mal no governo Lula. Isso é coisa do mercado financeiro. Tem gente que não deseja um sujeito mais à esquerda no poder, porém essa é a tendência da América do Sul. Não seguimos a tendência dos países europeus, que estão caminhando toda à direita, depois de terem se esquerdizado demais.

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