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Juíza de SC julga improcedente ação sobre derivativos movida contra o HSBC

Da Redação

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Atualizado às 09:12


Derivativos

Juíza de SC julga improcedente ação sobre derivativos movida contra o HSBC


Ação movida pela empresa Cisframa contra o HSBC Bank Brasil S.A. - Banco Múltiplo foi julgada improcedente pela juíza de Direito Janine Stiehler Martins, de SC. A empresa, que celebrou com o banco Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio e Instrumento Particular de Contrato de Gerência de Operações a Termo de Moeda, asseverou que devido à desvalorização da moeda nacional frente à moeda norte-americana, por conta da crise financeira, há grande diferença no valor da operação realizada com o valor final a ser pago.

No entendimento da juíza : "Não se verifica, pela mera leitura dos contratos objeto da lide, que o agravante tenha submetido a autora às armadilhas de cláusulas obscuras e duvidosas. A 'imprevisão' alegada estava 'prevista' nos instrumentos contratuais. Assim, a suspensão dos efeitos dos contratos, algemando a cotação do dólar, equivale à moratória. É sabido que o autor não é pessoa leiga quando se trata de operações a termo uma vez já se utilizou deste tipo de contrato por inúmeras vezes, com instituições financeiras diversas. Assim, no que concerne ao pedido de revisão do contrato in comento, não merece guarida as alegações do autor, haja vista que não restou identificada qualquer cláusula que colocasse limites de perdas financeiras tão-somente no que concerne unicamente a uma das partes. E isso justamente é o fundamento para indeferir qualquer revisão ou mesmo resolução do contrato."

  • Confira abaixo a íntegra da decisão :

_____________________

Autos nº 015.08.006310-6

Ação: Revisão de Contrato/Ordinário

Requerente: Cisframa -Comércio e Indústria de Madeiras São Francisco Ltda

Requerido: HSBC Bank Brasil S.A. -Banco Múltiplo

SENTENÇA

Vistos etc.

Vistos etc.

Trata-se de ação cautelar inominada proposta por Cisframa Comércio e Industria de Madeiras Ltda contra HSBC Bank Brasil S.A. - Banco Múltiplo, aduzindo que é empresa exportadora e que celebrou com o banco réu Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio e Instrumento Particular de Contrato de Gerência de Operações a Termo de Moeda, tendo como objeto a celebração de operações se "swap" a termo.

Asseverou que devido à desvalorização da moeda nacional frente à moeda norte-americana, por conta da crise financeira, há grande diferença no valor da operação realizada com o valor final a ser pago, motivado pelos indexadores da moeda estrangeira na data da celebração das notas de negociação e da data do vencimento dos títulos.

Requereu liminarmente a suspensão da exibilidade dos débitos provenientes das Notas de Negociações de Operação a Termo de Moeda sem Entrega Física n. 38813, 38812 e 38783, com vencimento em 03/11/2008; que a ré se abstenha dos lançamentos dos débitos em conta-corrente da autora; que não inscreva o nome da autora em cadastros de proteção ao crédito ou proteste os títulos discutidos na demanda.

Requereu o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro com a resolução frente ao Instrumento Particular de Contrato de Gerência de Operações a Termo de Moeda e das operações consubstanciadas nas Notas de Negociações de Operação a Termo de Moeda sem Entrega Física n. 38813, 38812 e 38783 , com vencimento em 03/11/2008; se, pela impossibilidade de resolução, requereu a revisão contratual para declarar nula a cláusula contratual que impõe limite de perda financeira unicamente ao, restabelecendo o equilíbrio contratual das operações.

Citado o réu, este apresentou contestação às fls. 72 e ss., arguindo, no mérito, licitude da postura da instituição financeira, na contratação e durante a execução do contrato, que não há nenhum elemento que autorize a revisão judicial da avença, não sendo a variação cambial fato imprevisível e tampouco alterou o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, na podendo tal variação cambial tida como fato imprevisto ou imprevisível, suficiente para autoriza revisão judicial, não havendo ainda onerosidade excessiva, vez que, as expectativas das partes se mantiveram idênticas tanto antes quanto depois da variação cambial.

Ao final, requereu seja acolhida as preliminares arguidas com consequente extinção do processo, ou, seja julgada improcedente a demanda, sendo reconhecida a litigância de má-fé da autora, condenando-a ao pagamento de multa, indenização e honorários advocatícios.

Houve réplica.

Intimadas as partes para se manifestarem sobre a produção de provas, somente o autor manifestou-se, requerendo a produção de prova pericial contábil e ouvida de testemunhas.

Vieram-me conclusos.

É o relato.

Decido.

1. Julgamento antecipado da Lide Compulsando os autos, percebo que versam sobre questão unicamente de direito, prescindindo o julgamento da dilação instrutória, pelo quê julgo antecipadamente a lide, na disciplina do art. 330, I, do CPC.

2. Do mérito

Em síntese, o autor alega a abusividade de cláusula que resguarda de forma unilateral a instituição financeira de prejuízos inerentes ao negócio, o que acaba por acarretar uma quebra do equilíbrio contratual, requerendo ao final a resolução do contrato, ou caso não seja reconhecido este, a revisão de toda contratualidade.

Inicialmente importante destacar que o contrato entabulado entre as partes trata-se na verdade de "Instrumento Particular de Contrato de Gerência de Operações a Termo de Moeda" e não contrato de "SWAP" como fez crer o autor nos autos da ação cautelar em apenso.

Conforme destacado quando da análise do pedido de liminar no AI 2008.073295-0:

"O contrato de swap é negociado no balcão e registrado na BM&FBovespa, eletronicamente. Por meio dele, as partes trocam um índice de rentabilidade por outro, com o propósito de fazer hedge [proteção] e, por conseqüência, evitar oscilações cambiais, casando posições ativas com as passivas no mercado futuro.

Já nos contratos de operações a termo as partes assumem compromisso de compra e/ou de venda para liquidação em data futura. Nesta hipótese, não há ajuste diário nem intercambialidade de posições ativas e passivas. Assim, os contratantes ficam vinculados um ao outro até a liquidação do contrato [fontes: idem]". (grifei)

Ainda, acerca das especificações dos contratos a termo referenciado em dólar tem-se que:

"Objeto de Negociação: Todas as ações listadas na BOVESPA.

Sistema de Negociação:Mega Bolsa -sistema eletrônico de negociação.

Horário de Negociação: Conforme estabelecido pela BOVESPA.

Cotação: As ações no mercado a termo são cotadas em Reais (R$) e seguem a mesma forma de cotação (por ação ou por mil ações) da ação subjacente ao contrato.

Valor do Contrato: Corrigido diariamente pela taxa de câmbio de reais por dólar dos Estados Unidos, definida como "Cotação para Contabilidade", apurada pelo Banco Central do Brasil,

segundo critérios por ele definidos e divulgada através do SISBACEN, transação PTAX 800, opção 5, utilizada com quatro casas decimais. O período de correção compreende desde o dia da operação, inclusive, e o dia de encerramento, exclusive.

Tipo de Contrato: VC -À Vontade do Comprador, ou seja, somente o comprador pode liquidar a operação antecipadamente, se assim o desejar.

Prazo de Vencimento: Livremente escolhido pelos investidores, observado o período mínimo de 16 dias e máximo de 999 dias corridos para cada contrato.

Liquidação: A liquidação é feita pela CBLC e pode ser:

1 Por Decurso de Prazo : na data do vencimento do contrato;

2 Antecipada : antes da data do vencimento do contrato.

Liquidação por Diferença: Mediante a venda a vista, pelo comprador, dos valores mobiliários comprados a termo.

A liquidação será somente financeira, podendo ser solicitada até V-3 (terceiro dia útil anterior ao vencimento do contrato).

Garantias: É exigida garantia tanto do comprador, como do vendedor. As garantias podem ser sob a forma de cobertura ou margem.

Cobertura: É o depósito, pelo vendedor, da totalidade das ações-objeto da operação.

Margem: A CBLC usa o sistema de administração de risco CM-TIMS (Clearing Member Theoretical Intermarket Margin System), que diariamente avalia a adequação do nível de garantias de cada investidor à sua exposição ao risco nos mercados a prazo da BOVESPA.

Para tanto, diariamente projeta o valor de liquidação do portfólio de cada investidor final, calculando o total de margem exigida, com base em dois componentes: Margem do Prêmio e Margem de Risco.

3 Margem do Prêmio: corresponde à diferença entre a cotação de fechamento do ativo subjacente ao contrato a termo e o preço efetivo do contrato do investidor.

4 Margem de Risco: é o valor correspondente à perda potencial do contrato do investidor no caso de movimento adverso nos preços de mercado.

Ativos Aceitos Como Garantia: Moeda corrente nacional; títulos públicos; ouro ativo financeiro; ações de companhias abertas admitidas à negociação em bolsa de valores; títulos privados; títulos negociados nos mercados internacionais; cartas de fiança bancária; cartas de fiança ou cartas de crédito emitidas por instituições sediadas no exterior; seguro de crédito de companhias sediadas no país ou no exterior; outros ativos ou instrumentos.

Proventos: A partir da realização da operação a termo, todos os proventos deliberados pelas empresas emissoras são do comprador. No caso de subscrição, o investidor deverá manifestar sua intenção de subscrever ou de vender seu direito à subscrição até o 5º dia anterior ao prazo final estabelecido pela empresa.

Custos Operacionais:

5 Emolumentos: Percentual sobre o valor do contrato

6 Taxa de Corretagem: livremente negociada entre as partes.

7 Taxa de registro: percentual do valor da operação, cobrada somente na abertura da operação.

Limite Operacional:

8 Mercado como um todo: 30% das ações em circulação no mercado.

9 Por intermediário: 10% das ações em circulação no mercado.

Por 10investidor: 4,5% das ações em circulação no mercado". (Disponível em : https://www.bovespa.com.br/Mercado/RendaVariavel/Mercados/ATermoDolar.Asp. Acesso 23.04.2009)

Ainda:

"Termo Referenciado em Dólar norte-americano.

Tem características idênticas ao termo tradicional em Reais, sendo a única diferença o fato de que o preço contratado será corrigido diariamente pela variação entre a taxa de câmbio média de Reais por dólar norte-americano, para o período compreendido entre o dia da operação, inclusive, e:

:: dia da solicitação da liquidação antecipada, exclusive. Por exemplo, considerando uma solicitação de liquidação antecipada efetuada no último dia possível(V-2, ou seja, dois dias úteis anteriores ao vencimento do contrato a termo), a PTAX* que será utilizada é a calculada e divulgada em V-3;

:: o dia da solicitação da liquidação por diferença, exclusive. Por exemplo, considerando uma solicitação de liquidação por diferença efetuada no último dia possível (V-3, ou seja três dias úteis anteriores ao vencimento do contrato a termo), a PTAX* que será utilizada é a calculada e divulgada em V-4;

:: o dia do vencimento do contrato a termo, exclusive, para os casos de liquidação por decurso de prazo. A PTAX* utilizada é a calculada e divulgada em V-1.

(*) Taxa de câmbio oficial calculada e divulgada pelo Banco Central do Brasil.

(Disponível em: https://www.coinvalores.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=266. Acesso em 23.04.2009)

As partes celebraram contrato global de derivativos, na modalidade derivativo/operação de proteção contra riscos financeiros do tipo 'termo de moedas dólar dos Estados Unidos contra real' (f. 30/67).

Registre-se da cláusula VII que cuida das regras, obrigações e direitos por tipo de operação de derivativo:

(iv): Operações de Derivativos do tipo "Termo de Moedas Dólar dos Estados Unidos Contra Real"

[...]. Sempre que houver valores a pagar e a receber em uma mesma data sob uma mesma Operação de Derivativo as partes optam desde já pela liquidação da diferença positiva (f. 54.)

Para melhor entendimento, a requerente se comprometeu a vender ao requerido, em data futura, e a uma taxa de câmbio pré-estabelecida, uma determinada quantia de dólares, sendo que na data do vencimento dessa operação há um ajuste financeiro referente ao diferencial dos indexadores a ser pago ou recebido do cliente, sobre um valor em reais. Ou seja, não foi estabelecido a entrega física da moeda. In casu, se a diferença apurada fosse positiva, a parte deveria pagar à vendedora o valor da liquidação e, se a parte apurada fosse negativa, a vendedora deveria pagar à compradora o valor de liquidação. Ou seja, em outras palavras: se a cotação do dólar ficasse abaixo do ajuste realizado, a autora lucraria; se a cotação ficasse acima, o banco lucraria.

Explicado isso, verifico que o contrato suso mencionado deu origem a três Notas de Negociação de Operação a Termo de Moeda sem Entrega Física:

a) confirmação 38783 ?
negociação em 04.08.2008, com vencimento em 03.11.2008, moeda de referência: dólar EUA contra Reais, taxa de câmbio 1,600, valor base em moeda de referência USD 2.500.000,00;

b)confirmação 38812 ? negociação em 05.08.2008, com vencimento em 05.11.2008, moeda de referência: dólar EUA contra Reais, taxa de câmbio 1,607, valor base em moeda de referência USD 1.500.000,00 e;

c) confirmação 38813 ? negociação em 08.08.2008, com vencimento em 03.11.2008, moeda de referência: dólar EUA contra Reais, taxa de câmbio 1,607, valor base em
moeda de referência USD 1.000.000,00.

Em ambos ficou estabelecido que a cotação utilizada para avaliação no vencimento seria PTAX, referente ao dia útil imediatamente anterior a data do vencimento do contrato.

Conforme bem acentuou o Exmo. Sr. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, na decisão liminar do Agravo de Instrumento n. 2008.073315-8, acresço ao presente sua fundamentação, como razões de decidir:

"As partes celebraram contrato global de derivativos, na modalidade derivativo/operação de proteção contra riscos financeiros do tipo 'termo de moedas dólar dos Estados Unidos contra real' (f. 81/118).

Registre-se da cláusula VII que cuida das regras, obrigações e direitos por tipo de operação de derivativo:

(iv) ? Operações de Derivativos do tipo "Termo de Moedas Dólar dos Estados Unidos Contra Real"

[...]. Sempre que houver valores a pagar e a receber em uma mesma data sob uma mesma Operação de Derivativo as partes optam desde já pela liquidação da diferença positiva (f. 99).

Cumpre destacar que os litigantes confirmaram três operações de riscos financeiros da modalidade mencionada, as quais foram identificadas pelos números 38813, 38812, 38783. A primeira fixou a taxa de câmbio em R$ 1.607, na data de 5-8-2008, com vencimento ajustado para o dia 3-11-2008. A seguinte manteve o mesmo patamar cambiário e as mesmas datas de negociação e de vencimento da nota anterior. A última estabeleceu, em 4-8-2008, o dólar a R$ 1,600, com data limite para 3-11-2008 (f. 113/114, 115/116 e 117/118).

Nesse aspecto, a agravada trocou com o recorrente uma posição variável [cotação cambial] por uma fixa [valor do dólar], objetivando evitar oscilações naturais do mercado financeiro.

Ou seja, se a cotação do dólar ficasse abaixo do ajuste realizado pelas partes, perderia a instituição financeira e ganharia o "cliente". Entretanto, se a moeda estrangeira se valorizasse em relação ao real [como está a acontecer neste momento de turbulência econômica mundial], o banco ganharia e o "cliente" perderia.

É notório o risco.

Aliás, a respeito do risco da operação de derivativo tipo termos moedas refere o :

(a) Independência de iniciativa. Que está agindo por sua própria conta, tendo tomado suas próprias decisões de forma independente quanto a realizar a Operação de Derivativo e quanto á adequação e conveniência da mesma. baseando-se em seu próprio critério e, na medida considerada necessária, na opinião de seus consultores. Que não está se baseando em nenhuma comunicação (escrita ou verbal) da outra parte, como se fosse orientação para investimento ou recomendação para participar da Operação de Derivativo, ficando entendido que as informações e explicações relativas aos termos e condições da Operação de Derivativo não deverão ser consideradas como orientação de investimento nem como recomendação para participação na mesma. Nenhuma comunicação (escrita ou verbal) recebida da outra Parte será considerada como seguro ou garantia quanto à expectativa dos resultados previstos da operação:

(b) Avaliação e Entendimento Cada Parte está habilitada a avaliar os méritos e a entender (por si própria ou por intermédio de consultoria profissional independente), como de fato entende e aceita, os termos,condições e riscos da Operação de Derivativo. Está igualmente capacitada a assumir ? como, de fato, assume ? os riscos da Operação de Derivativo (f. 92).

Por óbvio, a agravada pretende limitar seus prejuízos e afastar riscos próprios e inerentes às operações financeiras em bolsa de mercadorias e futuros.

O tipo de negociação que é objeto deste recurso possui características específicas e diferenciadas da atuação bancária de varejo.

Da mesma forma, a agravada não pode ser enquadrada como uma "cliente leiga" [desinformada].

De fato, a Cisframa Comércio e Indústria de Madeiras São Francisco Ltda. reconheceu ? na petição inicial da ação cautelar ? não ser sua primeira experiência nesta modalidade contratual, sendo bastante razoável, portanto, presumir-se que tinha pleno conhecimento das operações financeiras que mantinha com o agravante e também dos riscos que estava assumindo ao pactuá-los (f. 51/69).

Isso quer dizer que não há ingênuos em litígio.

A agravada optou por uma linha de ação empresarial-financeira, mas pelo visto cometeu erros de diagnóstico.

Como inúmeros outros ao redor do globo, neste momento de forte depressão no cenário econômico internacional, pode ter perdido dinheiro, mas isso não significa a possibilidade de apresentar uma "quase proposta de moratória", para resolver o seu lado, naquela visão de "socializar o prejuízo".

E se acaso, em cenário supostamente inverso, a recorrida viesse a ter ganhos extraordinários com as operações, viria a juízo oferecer o excedente ao Banco?

Seria o mesmo que imaginar americanos fugindo da Florida, em barcos improvisados, rumo à Cuba!

Qual, então, o sentido do maniqueísmo? As relações negociais encerram riscos às partes que as celebram. Há probabilidades de ganhos e perdas. A captação de recursos financeiros, por meio de empréstimos bancários, mesmo quando têm por escopo o fomento da atividade empresarial, apresenta cenários com previsibilidade de lucros ou prejuízos, que são sopesados e depois avaliados no processo de gestão.

O caso que ora se analisa transborda a mera relação negocial das partes deste processo. Pode representar um sinalizador, de conseqüências graves.

Refiro-me ao que tem sido a tônica da análise dos economistas no que tange à crise global: a quebra dos compromissos assumidos como fato gerador de desconfiança.

O Brasil, ao menos aparentemente, está com um bom nível de proteção às turbulências externas e nosso sistema financeiro tem demonstrado solidez.

Os efeitos da falta de crédito, todavia, já são sentidos na economia doméstica e não há mágica para resolver essa situação. É preciso tempo para superar tudo isso.

Por outro lado, é ilusão imaginar que a instituição financeira agravante está blindada à bolha de incertezas que hoje nos envolve. Veja-se, por exemplo, o que se passou recentemente com inúmeros grupos poderosos internacionais, desde o Lheman Brothers até o Citigroup.

Se uma parte razoável de sua clientela conseguir em juízo a suspensão da eficácia dos contratos que firmou, o caos se instala rapidamente, pela quebra de confiança e isso pode contaminar todo o mercado, que funciona no formato de vasos comunicantes.

Não verifico, data venia, fumus boni juris em favor da agravada, porque os contratos que celebrou previam exatamente a volatilidade do câmbio como um dos fatores de risco (na verdade, a gênese desse tipo de negócio).

Trata-se de operação de mercado futuro, é preciso deixar claro.

Como, então, limitar cotações a patamares pretéritos?

Isso é o mesmo que desfazer unilateralmente os pactos, e mais, sem exigir qualquer espécie de garantia por parte do devedor, porque a liminar foi deferida sem impor, sequer, a prestação de caução.

A jurisprudência, inclusive do STJ, se firmou no sentido de que:

No que diz respeito à inclusão do nome de devedores em cadastro de proteção ao crédito, nos termos da recente jurisprudência da Segunda Seção desta Corte de Uniformização Infraconstitucional (Resp 527.618/RS, 2ª Seção, unânime, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJU de 24.11.2003), esta somente fica impedida se implementadas, concomitantemente, as seguintes condições: 1) o ajuizamento de ação, pelo devedor, contestando a existência parcial ou integral do débito; 2) efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou do STJ; e 3) que, sendo a contestação apenas parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 817.530 ? RS (2006/0025895-6)

RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI

Do nosso Tribunal, dentre tantos outros precedentes, cita-se: Para que seja vedada a negativação do nome do devedor, necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) o ajuizamento de demanda com o intuito de discutir os valores exigidos no contrato; b) a presença de fundamentos que indiquem a verossimilhança das alegações, caracterizada pelo reconhecimento da abusividade da quantia pretendida; e c) o depósito da parte incontroversa ou, ainda, prestação de caução idônea.Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial, Apelação Cível n. 2008.005370-6, de Itajaí, Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento, julgada em 08/09/2008

Em arremate:

Não se verifica, pela mera leitura dos contratos objeto da lide, que o agravante tenha submetido a autora às armadilhas de cláusulas obscuras e duvidosas.

A "imprevisão" alegada estava "prevista" nos instrumentos contratuais.

Assim, a suspensão dos efeitos dos contratos, algemando a cotação do dólar, equivale à moratória".

É sabido que o autor não é pessoa leiga quando se trata de operações a termo uma vez já se utilizou deste tipo de contrato por inúmeras vezes, com instituições financeiras diversas.

Assim, no que concerne ao pedido de revisão do contrato in comento, não merece guarida as alegações do autor, haja vista que não restou identificada qualquer cláusula que colocasse limites de perdas financeiras tão-somente no que concerne unicamente a uma das partes.

E isso justamente é o fundamento para indeferir qualquer revisão ou mesmo resolução do contrato.

O Código Civil vigente estabelece que:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.(grifei)

Silvio Rodrigues assevera:

"A resolução por onerosidade excessiva tem por campo apensas o contrato de execução continuada ou diferida no futuro, o que equivale a excluir de seu alcance o contrato de execução imediata. É a idéia da velha cláusula rebus sic stantibus, em que se dizia que os contratos têm duração continuada, ou dependência de futuro, são entendimentos como se as coisas permanecessem as mesmas, contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur.

A idéia é evitar que nos contratos comutativos em que, por definição, há uma presumível equivalência das prestações, o tempo desesquilibre a antiga igualdade, tornando a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em relação à da outra. Se isso ocorrer e inspirado no preceito que evita o enriquecimento sem causa, permite o legislador que, a pedido do interessado, o juiz determine a rescisão do contrato". (in Direito Civil. V3, 30 ed. São Paulo: Saraiva,2004.p.134)

Contudo, conforme fundamentação supra não há que se falar em qualquer desiquilíbrio no pacto firmado entre as partes, eis que o autor requereu tão-somente a resolução contratual, não esclarecendo em que termos e a forma em que entende seja "reestabelecido o equilíbrio do contrato", ficando subentendido por esta magistrada, pois, que pretende usufruir dos proventos do contrato sem efetuar qualquer tipo de pagamento.

Em síntese, o fundamento da propositura da demanda, foi a modificação da taxa de câmbio, decorrente da recente crise financeira.

Entretanto, é sabido que o Judiciário, não pela primeira vez, vem enfrentando a situação da mudança brusca do câmbio, não se podendo tratá-lo como evento imprevisível, diante do regime de taxa flutuante e da oscilação natural da cotação da moeda.

Nesse diapasão, a Apelação Cível n. 2005.020981-6, da Blumenau, Relator Des. José Volpato de Souza, julgada em 16.10.08:

Não é crível que as autoras, no ramo de sua atividade, e acompanhando os mais sucessivos planos econômicos do governo brasileiro nas décadas de 80 e 90, pudessem realmente apostar na estabilidade econômica prometida e 'alardeada' pelas autoridades públicas da época. Em tempos de globalização, da diminuição de fronteiras entre os mercados, da velocidade em que circula o crédito e a informação, confiar ao governo brasileiro, unicamente, os rumos da política econômica de modo a garantir a estabilidade do valor de uma moeda estrangeira em relação à nacional, significa muito mais um exercício de fé do que uma análise racional e ponderada dos rumos da economia.

Não se cogita, pois, de aplicação da teoria da imprevisão.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 269, I do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora no sentido da resolução ou revisão do Instrumento Particular de Gerência de Operações a Termo de Moeda e das operações consubstanciadas nas notas de negociação n. 38783, 38812 e 38813, celebrados entre as partes.

Fica a parte autora incumbida, ainda, do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15%, na forma do artigo 20, § 3º, do CPC.

Ao cartório para que nos termo do art.174 e parágrafos do CNCGJ, proceda abertura do 2º volume, bem como a paginação dos autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Canoinhas (SC), 13 de maio de 2009.


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