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O "Rei do baião"

Luiz Gonzaga completaria hoje 92 anos

Da Redação

segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

Atualizado em 9 de dezembro de 2004 11:16


O "Rei do baião"


Luiz Gonzaga completaria hoje 92 anos. Conhecido como o rei do baião, Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, na fazenda Caiçara, município de Exu, localizado no sopé da Serra do Araripe, Pernambuco.

Aos doze anos, comprou sua primeira sanfona e aos quinze já tinha adquirido prestígio na região como sanfoneiro. Em 1939, foi para o Rio de Janeiro e passou a cantar e se apresentar no Mangue, onde havia muitos cabarés e gafieiras e em 1941, gravou seu primeiro disco pela RCA.

Seu filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, nasceu em 1945 e no mesmo ano ele iniciou sua parceria com Humberto Teixeira.

Em 1980, cantou para o Papa João Paulo II, em Fortaleza. Nessa ocasião, retirou da cabeça o seu chapéu de cangaceiro, que se tornara sua marca registrada e colocou-o, respeitosamente, na cabeça do Papa que o abençoou e disse "Obrigado, cantador!"

Luiz Gonzaga tornou-se um símbolo cultural brasileiro: subiu em palanques de presidentes da República, animou jantares de reis e chegou, inclusive, a se apresentar no Olimpia de Paris, em 1986.

Morreu aos dois dias de Agosto de 1989 e se consagrou como um dos artistas mais importantes da MPB.

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  • Homenagem

O migalheiro Abílio Neto gentilmente envia sua homenagem a Luiz Gonzaga:

"Na verdade o que escrevi é um arremedo de crônica. É a narração mais sucinta possível de um show encantador em todos os sentidos. Não poderia me furtar ao momento histórico que se vivia e de também dar as minhas estocadas no regime dos generais-presidentes."

Abílio Neto
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LUIZ GONZAGA, a última lembrança


Hoje, dia 13 de dezembro, se Luiz Gonzaga estivesse vivo, completaria 92 anos. Fecho os olhos e me transporto para o passado. Vem na memória a última lembrança viva e forte que guardo dele, que é de 1979. Vejo um salão de dança completamente lotado, e muita gente bonita. Naquele ano, assumiu o poder mais um general-presidente, e sendo perguntado se preferia o cheiro do povo ao dos cavalos, disse preferir o cheiro dos cavalos. O povo de Olinda, irreverente como sempre, de imediato fundou um forró na noite de cada sexta-feira no Clube Atlântico Olindense, tradicional na famosa Marim dos Caetés, cujo nome era Forró Cheiro do Povo. Pois bem, um dos primeiros artistas contratados pra animar o forró foi justamente Luiz Gonzaga. Na época eu ainda morava na antiga república de estudantes, Aconchego dos Matutos, um pequeno apartamento alugado na Praça Chora Menino em Recife. Fomos os seis componentes da república assistir Luiz Gonzaga: um cabra de Floresta, três de Arcoverde, um de São Joaquim do Monte e outro de Caruaru. O forró era freqüentado pela juventude universitária do Recife, pelos profissionais liberais, jornalistas, artistas, além de inúmeros integrantes da chamada esquerda festiva. Não poderia deixar de falar nas morenas de Olinda. Como dançavam bem e requebravam aquelas morenas, e quanto mais dançavam e suavam, mais cheirosas elas ficavam, com aquele aroma de suor misturado com o cheiro bom que toda mulher tem. E ainda tinha general-presidente dizendo que preferia o cheiro dos cavalos, mas como nesse mundo há gosto pra tudo, nada a estranhar! Ah como era bom ouvir Luiz Gonzaga animando forró pra gente dançar. O velho já tocava sentado, tinha outro sanfoneiro na retaguarda, mas o som alucinante que saíam daqueles instrumentos (sanfonas, zabumba, triângulo) era indescritível, principalmente quando o Lua sapecava:


Vem morena pro meus braços

Vem morena, vem dançar

Quero ver tu requebrando

Quero ver tu requebrar

Quero ver tu remexendo

Ao resfolego da sanfona

Até o sol raiar.

Ou então:

Madrugada entrando

E o fole gemendo

A poeira subindo

E o suor descendo

Quem não tava bêbo

Já tava querendo

E eu cambaleando

Ia te dizendo:

Quando tu balança

Dá um nó na minha pança.

Quando tu balança

Dá um nó na minha pança.


No ano anterior, Lua havia gravado um xote antológico de Humberto Teixeira, que ao cantá-lo, a platéia quase se rasgou toda. Eu via no xote a imensa diferença que existia entre o fraco velho nordestino que apenas queria melhorar a qualidade do seu sexo, e um arrogante senhor de certa idade que assumiu a Presidência da República, visivelmente doente da coluna, cheio de hérnia de disco, mas que fazia pose, montado a cavalo, querendo mostrar pro resto da nação que ele, e não o cavalo, era o cavalo do cão. A música falava desse velhinho (Sandoval) que não podendo dar o recado à sua mulher, deu tudo o que tinha por um chá milagroso do tipo levanta velho. A letra era deliciosa:


Sandoval, que chá é esse que tu bebe?

(bis)

É um chá que tem um tal pinhão de cheiro

A meizinha milagrosa que curou Tomé Ribeiro

Que estava no caixão, reagiu, ficou de pé

E saiu despinguelado perseguindo uma mulé

Quanto custa o danado desse chá?

(bis)

Por um litro bem medido em cabacinha

Dei a casa, dois garrote, e um quintá cheio de galinha

Valeu o sacrifício, que o diga a Nazaré

Pra curar minha leseira foi bastante uma culé

Pra lhe ser franco

Eu bebo desse chá

Mas não tolero chá

Eu gosto é de mulé!

(bis do coro)


A multidão ia ao delírio repetindo esse corinho.Tudo isto fazia o cabra se lascar todo, principalmente os matutos. Na verdade, aquela massa, forrozeira e devassa, deturpava algumas letras das músicas do cantor, pois um monossílabo trocado aqui e outro acolá, dava um sentido a um verso que Gonzaga não quis dar, pois detestava duplo sentido, era um homem sem maldade no coração. Luiz também não gostava de ver o povo dançando quando ele cantava Asa Branca. O velho Lua tinha tanto respeito pela sua música e de Humberto Teixeira que a considerava um hino do povo sofrido do sertão nordestino. Também quando tocou a música já era o fim do show, uma apoteose total, ninguém queria saber mais de dançar. Ah que saudades de seu Luiz, mas pra animar corações saudosos existem as festas que animam o 13 de dezembro. Já houve festa em Paulo Afonso/BA com os sanfoneiros tocando às margens do São Francisco, perto da antiga usina idealizada por Delmiro Gouveia e imortalizada na sua música e de Zé Dantas, o baião Paulo Afonso. Haverá festas em Recife e também em Exu, o lugar onde nasceu e está sepultado. Luiz está mais atual do que nunca e foi um homem que teve uma dimensão artística maior do que a do seu tempo. Agradeço a Deus por hoje ter em arquivos digitais toda a parte instrumental da sua rica obra tocada e 90% da sua obra cantada. São choros, valsas, polcas, xamêgos, xotes, mazurcas e baiões, músicas ricas em harmonias tão belas que encantavam até maestros e grandes músicos, como Guio de Moraes, Hervé Cordovil, Chiquinho do Acordeon, Orlando Silveira, Sivuca, Dominguinhos, Oswaldinho, Camarão, Zé Gonzaga, Julinho, Genaro, Mário Zan, etc. A comprovação de que não é um artista do passado, vem com um baião gravado na década de 1960, também cantado no show, Andarilho, e que ainda hoje reflete o sofrimento do homem que foge da seca e vai à busca da cidade grande pra sobreviver, porque a seca sempre se repete. E qual não é o seu desencanto ao ver que a cidade grande é pior do que o seu sertão seco e sem vida. Vejam os versos:


Caí do céu por descuido

Se tenho pai, não sei não

Velho de longe, seu moço

Um lugar chamado sertão

Vivo sozinho no mundo

Zombei da sede, zombei

Cortei com minha peixeira

Todo mal que eu encontrei

Fui caminhando, encontrando

A terra que o sol secou

Até chegar à cidade

Dos homens que Deus olhou

Que o Santo Padre perdoe

A triste comparação

Melhor viver no cangaço

Que a tal civilização

Brinquei com o mal, brinquei

Sorri quando matei

Eu vim pra ser melhor

Chegando aqui, chorei.


Eu via nessa música, gravada no ano de chumbo de 1968, um leve protesto contra os homenzinhos de verde.Depois desse show de Luiz Gonzaga no Clube Atlântico de Olinda nunca mais fui assisti-lo porque sabia que nenhum outro seria igual ao daquela noite de abril de 1979. Por melhor que fosse, não seria capaz de reproduzir tanto romance matuto em um cenário de lua no céu, de Lua no palco, da companhia de uma bela morena, e pra supremo deleite, ainda sentindo a brisa do mar de Olinda, tudo ao gosto de mais de vinte caipirinhas e batatas fritas. Abro os olhos e nada mais vejo, apenas escuto uma voz plangente ao longe a cantar:


" Oh Caiçara quem dera fizesse o tempo voltar

E de novo esse canto a gente pudesse escutar"...


Abílio Neto
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