Insolvência em foco

20/5/2018
Carlos Barcellos

"Prezado dr. Paulo Furtado, advogado de uma lucidez invejável e um profundo conhecedor do Direito (Insolvência em foco - 2/5/18 - clique aqui). Como administrador judicial que sou, graduado em Administração de Empresas, venho através deste texto não contestá-lo, mas com toda vênia, despertar outros pontos de vista sobre uma matéria transversal e que gera ainda muita polêmica e dúvidas. Obviamente cabe obrigatória e exclusivamente ao Direito o poder coercitivo exercido do ponto de vista legal e até mesmo sociológico, entretanto a matéria é transversal, ultrapassa a seara do Direito pendendo para o lado da ciência da administração, e exatamente aí encontra-se o grande gap da lei 11.101/2005. Parte-se do pressuposto irrefutável de que quem administra empresas são os graduados em Administração de Empresas, e isso me parece óbvio, dada a concentração de ferramentas de gestão transmitidas nos bancos das universidades de administração ao longo de oito semestres em média. Vejo, como administrador judicial que sou, e administrador de empresas de formação, que o grande problema reside aí, vez que em nossas atividades de consultoria empresarial nada mais fizemos senão elevar o valor patrimonial das empresas, reduzindo seus passivos e tornando-as mais viáveis do ponto de vista econômico, projetando crescimento e solucionando os problemas relacionados à liquidez, ao giro da empresa, ao endividamento e por fim elevando sua lucratividade. É outro assunto, é outra matéria e que em nada se confunde com o Direito senão a observação dos pressupostos legais na condução de um negócio. Nos Estados Unidos 30% das empresas em recuperação se recuperam e basicamente porque os bancos, em geral, interferem nos planos de recuperação com seus profissionais habilitados para cada área. Desenvolver um plano de Recuperação Judicial envolve muito mais que fazer contas superficiais em que a receita menos os custos cobrem as despesas fixas e reduzem o passivo a ponto de recuperar a empresa no médio prazo. É preciso muito mais que isso. Se faz necessário uma correta leitura do cenário macroeconômico em que a empresa está inserida, uma análise apurada dos processos internos no sentido de elucidar as causas do desequilíbrio financeiro da empresa, e o mais importante, o desenvolvimento de um plano orçamentário realista, com base em um diagnóstico corretamente apurado, um orçamento que preveja as vendas da empresa com base na realidade de mercado e projeções futuras, o processo de precificação e o fator concorrencial e logístico, passando para os demais orçamentos, desde a quantidade a ser produzida com base na mensuração de sua demanda e níveis de estoques e redimensionando-o para os fins a que a empresa se propõe a partir deste momento, que é a eliminação do endividamento e a recuperação propriamente dita, e seguindo com os demais orçamentos até que os números finais sejam justificados em cada etapa do processo. Me parece lógico o exposto acima. Ocorre que a lei 11.101/2005 não previu isto, e não obstante, focando na seara do Direito, entretanto volto a dizer, é uma matéria transversal. Isto posto retornamos salientando que se absurdos 99% das empresas em recuperação no Brasil não se recuperam isto só pode ter ocorrido por duas razões, ou foram mal diagnosticadas quando do pedido de recuperação ou mal conduzidas durante a recuperação, fazendo com que alguns magistrados procurem entender inicialmente a real situação da empresa do ponto de vista jurídico e administrativo. A ostensividade deste prática reduziria as demandas judiciais, desafogaria o Judiciário, e sobretudo não geraria mais gastos ainda com toda a assessoria que uma empresa em recuperação necessita tais como corpo jurídico, administrativo, contábil, dentre outros. Ou seja, a maioria das empresas em recuperação, se analisadas do ponto de vista administrativo, não teriam mais recuperação, pois a condição de passivo a descoberto atinge tal nível que para liquidar os passivos a empresa torna-se inviável pela falta de liquidez no longo prazo. Neste sentido vejo como pertinente uma análise prévia da empresa e não somente no que diz respeito à organização da documentação, mas sim sobre a real situação da empresa. Penso que esta é uma matéria a ser tratada a quatro mãos, e não somente a duas, pois as estatísticas nos mostram o resultado dessa condição. Não tive o intuito de esgotar a matéria, mas deixo-a aberta a debates, dada a importância do assunto."

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