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JF do MS condena advogado por racismo contra indígenas

Pedido do MPF é acolhido e a JF do MS condena o Isaac Duarte de Barros Junior por racismo praticado contra indígenas. O advogado publicou artigo no Jornal "o Progresso" em dezembro de 2008, em que discorria sobre a política indigenista no Brasil no tocante a remarcação de terras sul-mato-grossenses. De acordo com o MPF, o advogado referiu-se à população indígena de forma pejorativa.

Da Redação

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Atualizado às 08:35


Artigo

JF do MS condena advogado por racismo contra indígenas

Pedido do MPF é acolhido e a JF do MS condena o advogado Isaac Duarte de Barros Junior por racismo praticado contra indígenas. O advogado publicou artigo intitulado "Índios e o Retrocesso" no Jornal "o Progresso", em dezembro de 2008, em que discorria sobre a política indigenista no Brasil no tocante a remarcação de terras sul-mato-grossenses. De acordo com o MPF, o causídico referiu-se à população indígena de forma pejorativa.

O MPF afirmou que o acusado se utilizou de termos impróprios e ofensivos, e que incitou a discriminação e o preconceito, pois os argumentos e palavras utilizadas em seu artigo incutem e encorajam os leitores a esta prática contra a etnia indígena.

Na decisão, consta que "a conduta descrita na denúncia refere-se à prática de racismo a uma determinada etnia", crime previsto no art. 20 da lei 7.716/89 (clique aqui), "atentando contra os índios como um todo, pois revela desprezo e desconsideração dos costumes e tradições indígenas."

O advogado Isaac Duarte escreveu: "sou daqueles que comungam com o mesmo pensamento, pois no século vinte e um, são bem poucos os indígenas que podem ser tipificados como selvagens. Portanto, a preservação de costumes que contrariam a modernidade, são retrocessos e devem acabar. Quanto a uma civilização indígena que não deu certo e em detrimento disso foi conquistada pela inteligência cultural dos brancos, também é retrógrada a atitude de querer preservá-la." Na análise do artigo, a JF do MS considerou que diversas passagens da publicação evidenciam "o caráter ofensivo das alegações do acusado externando sua discriminação e pretensa superioridade étnica sobre a comunidade indígena".

Para o juízo da 1ª vara de Dourados/MS, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República, (art. 1º, inciso III, CF/88 - clique aqui), "prevalece sobre qualquer manifestação de pensamento que incite ao preconceito ou a discriminação racial, étnica e cultural."

Além disso, de acordo com os autos, ao publicar o artigo no jornal de maior circulação na cidade de Dourados/MS, "com idéias impregnadas de preconceito e discriminação racial", o acusado, além de praticar o delito em comento, "induziu e incitou os leitores ao racismo."

A pena determinada ao advogado foi de dois anos de reclusão. Sendo o réu primário e sem antecedentes desfavoráveis, o juízo substituiu a reclusão por prestação de serviços à comunidade, pelo período da pena privativa de liberdade imposta, e em tempo não inferior a seis horas semanais; e prestação pecuniária, no valor de 24 salários mínimos em favor de entidade apontada pelo juízo da execução.

Processo : 0000481-62.2009.4.03.6002

__________

*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio

Tipo : D - Penal condenatória/Absolvitória/rejeição da queixa ou denúncia Livro : 5 Reg.: 535/2011 Folha(s) : 54

Sentença Tipo DI-RELATÓRIOO Ministério Público Federal pede a condenação de ISAAC DUARTE DE BARROS JUNIOR nas penas do artigo 20 2º da Lei nº 7.716/89.

Sustenta-se: que o acusado, em artigo de sua lavra, publicou no Jornal "o Progresso" na data de 27/28 de dezembro de 2008; que discorrendo sobre a política indigenista no Brasil no tocante a remarcação de terras sul-mato-grossenses, referiu-se à população indígena de forma pejorativa; que se utilizou de termos impróprios e ofensivos, com clara pretensão de menosprezar e diferenciar tal coletividade, restando caracterizado a prática de preconceito; que induziu, incitou a discriminação e o preconceito, pois os argumentos e palavras utilizadas em seu artigo incutem e encorajam os leitores a esta prática contra a etnia indígena.

A peça catilinária se fez acompanhada do procedimento administrativo apuratório 2009.60.02.000481-5 para notificação para explicações.

A denúncia foi recebida em 23.09.2009 (fl. 26).

O réu foi citado à fls. 31-verso.

O réu oferece defesa prévia em fls. 32, pugnando pela não acolhida da acusação, requerendo a designação de audiência para seu interrogatório.

Às fls. 36/7, o MPF se manifestou acerca da defesa preliminar.O réu foi interrogado em fl. 65.

O Ministério Público Federal apresenta alegações finais em fls. 71/93 dos autos, conclamando pela condenação do réu nas penas do artigo 20, 2º, da Lei nº 7.716/89.

O réu apresenta alegações finais em fls. 98/106, na qual alega: preliminarmente, a incompetência desse Juízo Federal; no mérito, pugna pela absolvição do réu, por não caracterizar situação ensejadora da incidência do tipo penal descrito na denúncia.

Certidão de antecedentes às fls. 58/63.

Vieram os autos conclusos.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal, levantada pela defesa, porque a denúncia não se enquadraria no conceito de disputa sobre direitos indígenas.

Ocorre que a conduta descrita na denúncia refere-se à prática de racismo a uma determinada etnia, crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89, atentando contra os índios como um todo, pois revela desprezo e desconsideração dos costumes e tradições indígenas.

A. Materialidade

A materialidade delitiva da infração prevista no art. 20 2º da Lei nº 7.716/89, ficou demonstrada através do documento de fl. 06.

Tal publicação contém os supostos dizeres racistas pelo acusado, onde há sua identificação por fotografia.

B. Autoria

A autoria delitiva do acusado, do mesmo modo, é incontestável, pois o artigo (fl. 06) publicado no Jornal O Progresso foi assinado pelo réu, constando seu nome ao início ("ISAAC DUARTE DE BARROS JUNIOR"), e profissões e e-mail ao final (Advogado Criminalista, jornalista. E-mail: [email protected]). Ainda, a referida publicação constava a fotografia do acusado.

Nos dias 27/28 de dezembro de 2008, foi publicado no Jornal o Progresso, o escrito "Índios e o Retrocesso", escrito pelo acusado, que versava sobre a demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. No entanto, o acusado referiu-se à população indígena de forma pejorativa, usando termos impróprios, deixando evidente a prática do racismo, com a intenção de diferenciar tal coletividade.

De plano, insta analisar até que ponto a liberdade de expressão é manifestamente legal.

Certo é que a Constituição Federal garante a liberdade de manifestação de pensamento em seu artigo 5º, inciso IV, bem como a liberdade de comunicação em seu artigo 5º, inciso IX. Do mesmo modo, é assegurada pelo artigo 220, da magna carta, a manifestação de pensamento, inerente ao estado de liberdade do indivíduo.

Por outro lado, o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, expõe:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.Evidentemente, a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito ou discriminação é incompatível com a manifestação pelos meios de comunicação de atitudes racistas.

Nesse sentido, a liberdade de expressão é uma garantia constitucional que não se tem como absoluta, limitando-se aos marcos impostos pela própria Constituição Federal, em seu artigo 5º 2º, primeira parte.

A dignidade da pessoa humana, fundamento da República, (art. 1º, inciso III, CF), base do estado democrático de direito, prevalece sobre qualquer manifestação de pensamento que incite ao preconceito ou a discriminação racial, étnica e cultural.

Assim, o direito a liberdade de expressão, direito individual, não pode se pautar em manifestações de conteúdos imorais, abusivas e racistas que impliquem uma ilicitude penal.

Nesse sentir:

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.

1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).

2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.

3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.

4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.

5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.

6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo.

7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.

8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.

9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.

10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam.

11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso.

12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham.

13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.

14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.

15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável.

16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (STF, HC 82424; HC - Hábeas Corpus; Relator(a) MOREIRA ALVES).

Inicialmente, pontue-se que a forma de colonização a qual nosso país foi submetido, qual seja, colônias de exploração, conduziu a disseminação do racismo e da discriminação racial, étnica e cultural, sendo que suas consequências ainda refletem atualmente.

Nesse sentido, o protecionismo aos direitos humanos fundamentais é imprescindível, evitando-se que as minorias, de cor, raça, ou orientação sexual sofram por medo, preconceito ou exclusão social.

Previamente ao oferecimento da denúncia, foi oportunizada pelo Parquet Federal, explicações por parte do denunciado, sendo que ao prestar explicações a respeito de tais declarações, o mesmo, tentou esquivar-se da responsabilidade criminal de suas afirmações, somente explicitando o animus do artigo publicado.

Verifica-se que o acusado, ao ser interrogado sobre as declarações feitas em sua publicação, diferenciou a comunidade indígena, colocando como bugres somente os índios de mau caráter, má índole.

Percebe-se no vergastado escrito, o acusado cravou as várias expressões discriminatórias, açulando o ódio, a infâmia contra o índio como ser.

Preconceito é "o julgamento negativo e prévio dos membros de uma raça, uma religião ou dos ocupantes de qualquer outro papel social significativo, e mantido apesar de fatos que o contradizem".

Na análise contextualizada do artigo, evidencia-se claramente o caráter ofensivo das alegações do acusado externando sua discriminação e pretensa superioridade étnica sobre a comunidade indígena: "Quanto a mim, sou daqueles que comungam com o mesmo pensamento, pois no século vinte e um, são bem poucos os indígenas que podem ser tipificados como selvagens. Portanto, a preservação de costumes que contrariam a modernidade, são retrocessos e devem acabar. Quanto a uma civilização indígena que não deu certo e em detrimento disso foi conquistada pela inteligência cultural dos brancos, também é retrógrada a atitude de querer preservá-la".

Nota-se pelos trechos supracitados, o estereótipo racista do acusado, com idéias retrógradas e sem nenhuma base de preservação aos direitos humanos fundamentais, amplamente protegidos pela Constituição Federal, a fim de reprimir a difusão de idéias preconceituosas e segregacionistas.

Ainda no tocante ao artigo, merecem atenção especial os seguintes trechos: "confortável posição de viverem como tutelados em reservas indígenas, lugar onde na verdade podem permanecer praticando a vadiagem da caça e pesca." "O que necessitamos, com maturidade responsável, é dar urgente finalidade social e produtiva a todos os quinhões brasileiros, inclusive aqueles ocupados por "(...) enfim, o resto do nosso território nacional está correndo risco de regredir e ser declarado uma terra de índios". Verifica-se aqui, a intenção do acusado em demonstrar a superioridade étnica dos brancos sobre os povos indígenas, através de idéias etnocêntricas, arraigadas de potencial discriminatório, induzindo ao entendimento de que os povos indígenas não possuem direitos ao território nacional, sendo sequer considerados como cidadãos.

Destarte, vê-se discriminação destinada aos indígenas no tocante a sua cultura, atribuindo-lhes a pecha de "preguiçosos" e pouco afeitos ao trabalho, a qual teria como principal reflexo da dizimação por eles sofrida.

Ainda, em interrogatório perante o Juízo, o acusado afirmou: que sempre se preocupou com a situação indigenista; que sofreu um acidente em que lesionou a medula e vendo-se obrigado a ficar em cadeira de rodas e afastar-se da função de advogado, buscou na televisão uma forma de distração; que na televisão viu um comentário do general do exercito, dizendo que havia índios contrabandeando mogno, ouro, esmeralda, diamantes e que esses índios não falavam sequer a língua portuguesa, o que era um problema pra soberania nacional; que ficou preocupado, pois seu avô, um dos pioneiros da cidade de Dourados, lhe ensinou que todo índio que mata, que rouba, que trafica, que estupra, isso não é índio e sim bugre; que em virtude dessa lição secular tem essa linha de pensamento, sendo que chama de bugre a pessoa que tem essa espécie de comportamento; que não tem preconceito algum sobre os índios e sim respeito; que seu comentário no artigo foi um comentário generalizado e preocupado com pessoas que estavam cometendo crimes a quem os chama de bugres, mas em momento algum fez comentário desdenhoso com os índios ou qualquer etnia dessa região; que seu artigo foi interpretado de forma errônea; que pode ter cometido erro de expressão, mas absolutamente não quis ofender a integridade de ninguém e não tem preconceito contra índios; que não sabe se o artigo foi alterado; que acredita que os donos da terra são os silvícolas, deve haver uma distribuição de terras aos indígenas, no entanto deve-se alterar a política da Funai, que tem prejudicado os interesses indígenas; que ao seu ver bugre é bandido, índio não.

Tal alegação, ainda como uma tentativa de desvencilhar-se do crime que lhe fora imputado, não pode ser acolhida, pois ao diferenciar os índios em "espécies", o acusado atingiu toda coletividade, pois identificou um grupo social possuidor de homogeneidade cultural e lingüística, confirmando sua atitude discriminatória.Ademais, cumpre esclarecer o significado do termo bugre, o qual segundo Dicionário Aulete:BUGRE (bu.gre)s2g.1. Pej. Etnol. Designação depreciativa que os europeus deram aos indígenas no Brasil, por considerá-los sedomitas [Segundo algumas fontes, o termo foi us. Pela primeira vez no Brasil em 1555, por oficiais da marinha francesa, para designar os ramoios].2. Pej. Denominação depreciativa dada ao indivíduo de origem indígena, preconceituosamente tido como selvagem, rude, incivilizado e herético.3. Fig. Pej. Pessoa incivilizada, inculta.4. Fig. Pessoa arredia(...)[ F.: Do lat. Bulgarus, herético, pelo fr. Bougre. Neste mesmo passo, o dicionário Houaiss nos informa:1 Rubrica: etnologia. Uso: pejorativo. Diacronismo: obsoleto. denominação dada a indígenas de diversos grupos do Brasil, por serem considerados sodomitas pelos europeus Obs.: etnm.br.: Bugre2 Derivação: sentido figurado. Uso: pejorativo.indivíduo rude, primário, incivilizado3 Derivação: sentido figurado.indivíduo desconfiado, arredio substantivo masculino Rubrica: angiospermas.4 m.q. coração-de-negro (Albizia lebbeck)? adjetivo de dois gêneros 5 relativo a bugre (indígena) ou aos bugres (grupo)Do mesmo modo, o professor Jorge Eremites em seu texto, "Sobre o termo bugre e suas implicações", aduz: (EREMITES, Jorge, 2009)

Em Mato Grosso do Sul, o termo "bugre" é uma expressão altamente pejorativa e largamente usada por não-índios para se referirem aos povos indígenas em geral e seus descendentes.

Vê-se, pois, como inadmissível a alegação do acusado de que entende como bugre não o índio, mas sim aquele que é "bandido".

Ora, como pode uma pessoa com formação intelectual, descrever sobre questões indígenas e desconhecer o real significado dos termos por ele próprio utilizados?Corroborado a isso, nota-se pela leitura do artigo que as palavras "índio" e "bugre" foram utilizadas como sinônimos, conforme trechos abaixo transcritos: (...) enfim, o resto do nosso território nacional está correndo o risco de regredir e ser declarado uma terra de índios.(...) onde a bugrada está exportando madeiras nobres das nossas florestas e os produtos do subsolo (...).(...) Esses agitadores índios, não é sem tempo, deveriam simplesmente ser tratados como cidadãos comuns.

Observa-se ainda, a tentativa do acusado em ludibriar esse juízo, tendo em vista a discrepância existente entre o artigo e seu interrogatório.

Em artigo, o acusado relata que: "(...) enfim, o resto do nosso território nacional está correndo risco de regredir e ser declarado uma terra de índios"."Enquanto que na guerra local dos nossos índios, eles lutam pela sua terra no solo que em realidade pertence a todos os trabalhadores rurais brasileiros (...)".

No entanto, perante esse juízo, o acusado deixa claro: "que acredita que os donos da terra são os silvícolas, deve haver uma distribuição de terras aos indígenas, no entanto deve-se alterar a política da Funai, que tem prejudicado os interesses indígenas." "que não tem preconceito algum sobre os índios e sim respeito."O acusado, em nenhum momento, hesitou em expressar seus pensamentos notoriamente discriminatórios, externando em seu artigo a idéia da inferioridade dos índios com relação aos brancos.

Igualmente, o delito cometido pelo réu se enquadra no 2º, artigo 20, da Lei nº 7.716/89, porque houve a publicação de suas idéias em jornal da cidade local.

Sabe-se que os meios de comunicação são grandes formadores de opiniões. Desse modo ao publicar o artigo Índios e o retrocesso, no jornal "O Progresso", de maior circulação na cidade de Dourados, com idéias impregnadas de preconceito e discriminação racial, o acusado além de praticar o delito em comento, perfazendo a figura criminosa, induziu e incitou os leitores ao racismo.

Ora, através da veiculação de suas idéias, o acusado consciente de vontade, instiga, provoca e estimula os leitores à discriminação e ao preconceito.

Vale mencionar ainda, que a infração cometida pelo acusado, não se confunde com o crime de injúria qualificada, prevista no artigo 140, 3º, do CP.

No crime de injúria, a ofensa ocorre de forma estrita, a uma única vítima, já no presente caso, as expressões discriminatórias, abrangeram determinada etnia, caracterizando o crime da lei especial definida no artigo 20 da lei 7.716/89.

Por outro lado, não há que se falar em ausência de dolo na conduta do acusado porque teve a vontade e representação de disseminar o preconceito quanto a etnia indígena.

O acusado exteriorizou seu pensamento, através da combatida publicação, desvelando, em verdade, propósito de menoscabar a etnia indígena. Em várias partes do artigo, o acusado vulnera a cultura indígena: os aludidos antropólogos encontrarem os restos mortais de algum bugre enterrado nalgum lugar; onde a bugrada está exportando as madeiras nobres; são bem poucos indígenas que podem ser tipificados como selvagens; uma civilização indígena que não deu certo e em detrimento disso foi conquistada pela inteligência cultural dos brancos, também é retrógrada a atitude de querer preservá-la.

Desse modo, os fatos expostos demonstram que o acusado, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou, induziu e incitou a discriminação e o preconceito racial a etnia indígena, razão pela qual sua se mostra culpado no artigo 20, 2º da Lei 7.716/89.

Passo à dosimetria da pena (art. 68 do Código Penal).

A. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

Em relação às circunstâncias judiciais (art. 59), o acusado é culpável, já que tinha conhecimento do caráter ilícito do fato e condições de autodeterminação.

Nesse tópico, tenho que a mencionada culpabilidade é considerada em seu grau normal, não havendo motivos que determinem acentuação.

O réu é primário, de bons antecedentes. Sua conduta social não tem nada que a desabone, assim como sua personalidade. A culpabilidade é intensa, expressa no dolo.

Os motivos são repugnantes, pois o fato de expressar determinado entendimento sobre a demarcação de terras indígenas no país, não lhe dá o direito de ofender uma etnia que há séculos sofre os reflexos dessa discriminação social.

O comportamento da vítima é irrelevante. As circunstâncias do crime são normais. As consequências do crime devem ser consideradas, pois implicou na divulgação de idéias com caráter racista, o que indubitavelmente implica em graves prejuízos a toda coletividade.

Ante o exposto, tendo em vista as consequências do crime, fixo a pena base em 02 (dois) anos de reclusão.

B. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTESNão há circunstâncias atenuantes nem agravantes. Assim, mantenho a pena em 02 (dois) anos de reclusão.

C. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO

Não há causas de aumento tampouco de diminuição, o que torno a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão.

Como regime inicial para o cumprimento da pena fixo o regime inicial aberto, na forma do art. 33, 2º, c, do Código Penal brasileiro, mediante cumprimento de condições a serem estabelecidas pelo Juízo competente para a execução penal.

Contudo, há possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos das disposições contidas no art. 44 do mesmo diploma.

Tal norma vincula a substituição à aplicação de pena não superior a quatro anos, não reincidência em crime doloso e circunstâncias judiciais que indiquem ser a medida suficiente.

No caso dos autos, o réu ISAAC DUARTE DE BARROS JUNIOR foi condenado à sanção cujo montante é inferior ao limite máximo permitido pelo dispositivo. O acusado é tecnicamente primário, não existindo, ainda, antecedentes desfavoráveis ou registros de condutas sociais e personalidades negativas. Não há, tampouco, motivos ou circunstâncias que importem atribuição de maior gravidade à ação.

Assim, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos, nos seguintes termos: prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo Juízo da execução penal, pelo período da pena privativa de liberdade imposta, e em tempo não inferior a seis horas semanais; e prestação pecuniária, no valor de vinte e quatro salários mínimos em favor de entidade apontada pelo juízo da execução.

III- DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda penal, para acolher a pretensão punitiva do Estado. CONDENO o réu ISAAC DUARTE DE BARROS JUNIOR, CPF 139.275.311-20, às sanções previstas no artigo 20, 2º da Lei nº 7.716/89, a cumprir, inicialmente no regime aberto, a pena de 2(dois) anos de reclusão. Substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos, nos seguintes termos: prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo Juízo da execução penal, pelo período da pena privativa de liberdade imposta, e em tempo não inferior a seis horas semanais; e prestação pecuniária, no valor de vinte e quatro salários mínimos em favor de entidade apontada pelo juízo da execução.O réu poderá apelar em liberdade. Transitada em julgado a presente sentença, registre-se o nome do réu no rol dos culpados, oficiando-se os órgãos eleitorais de praxe, para fins do artigo 15, III da Constituição Federal.

Condeno o réu nas custas processuais.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Comuniquem-se.

Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

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