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Código Florestal: Estados não poderão ampliar desmatamento permitido em lei Federal, afirmam juristas

Uma das controvérsias que cercam o projeto do novo Código Florestal (PLC 30/2011) refere-se aos limites da União e dos estados para legislarem sobre o assunto. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que é um dos relatores da proposta, pretende ampliar a atuação dos estados.

Da Redação

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Atualizado às 10:02


Código Florestal

Código Florestal: Estados não poderão ampliar desmatamento permitido em lei Federal, afirmam juristas

Comissões do Senado realizaram ontem, 13/9, audiência pública para debater aspectos jurídicos do projeto de reforma do Código Florestal (PLC 30/11 - clique aqui). Uma das controvérsias que cercam o projeto refere-se aos limites da União e dos estados para legislarem sobre o assunto. O senador Luiz Henrique (PMDB/SC), que é um dos relatores da proposta, pretende ampliar a atuação dos estados.

Mas, o professor Paulo Affonso Leme Machado afirmou que não pode haver conflito entre as normas fixadas pela União e as normas formuladas pelos estados. Já o ministro Herman Benjamin, do do STJ, disse que o novo código deve fixar exigências mínimas que terão de ser respeitadas pelos estados. E o ex-ministro do STF Nelson Jobim ressaltou que a legislação não pode permitir disputas interestaduais.

A definição de regras para as APPs (Áreas de Preservação Permanente) é um exemplo dessa discussão. Em seu relatório sobre a matéria, Luiz Henrique permite que os governadores definam situações em que a vegetação das APPs possa ser suprimida - atualmente, essa é uma prerrogativa exclusiva da União. Entre os que criticam tal proposta está o senador Lindbergh Farias (PT/RJ).

Normas gerais e suplementares

Professor da Universidade Metodista de Piracicaba e especialista em Direito Ambiental, Paulo Affonso lembrou que a reforma do Código Florestal se insere no âmbito das "competências concorrentes" (nas quais tanto a União quanto os estados podem legislar sobre um mesmo tema), conforme determina o artigo 24 da CF/88. E observou que, sendo assim, a União deve fixar as normas gerais, enquanto os estados se encarregam das normas suplementares.

O senador Luiz Henrique disse que "as normas gerais precisam deixar espaço para as competências concorrentes dos estados", acrescentando que, dessa forma, as especificidades regionais poderão ser respeitadas. Já Paulo Affonso, apesar de reiterar que as normas gerais do Código Florestal podem ser suplementadas, frisou que os estados "têm de ir no mesmo caminho das normas gerais, e não na direção contrária".

O ministro do STJ Herman Benjamin afirmou que as leis aprovadas pelo Congresso no âmbito das competências concorrentes devem funcionar como "norma piso", ou seja, estabelecendo os requisitos mínimos a serem atendidos. De acordo com esse raciocínio, estados e municípios podem ampliar, mas não reduzir, tais exigências. "A Assembleia Estadual de São Paulo, por exemplo, pode aprovar leis que protejam ainda mais um ecossistema fragilizado como o da Mata Atlântica", declarou ele.

Questão federativa

O professor Paulo Affonso Leme Machado também assinalou que "as normas gerais não esgotam uma matéria, mas têm de estabelecer um mínimo de uniformidade legal para o país". Essa unidade também foi defendida por Nelson Jobim, que foi deputado constituinte. Jobim argumentou que isso é necessário para evitar conflitos de caráter econômico entre os estados, como os que poderiam ocorrer se cada governo estadual definisse sozinho as dimensões mínimas das APPs. No entanto, ele reconheceu que é preciso abrir espaço para as particularidades de regiões como o Pantanal e a Amazônia.

Jobim acrescentou que o Judiciário acabará sendo acionado para disputas quanto à legislação, se a uniformidade legal for prejudicada por "ambiguidades" ou "formas indiretas de delegação de poderes" presentes no novo Código.

Ministério Público

Para a promotora de Justiça do MP/SP, Cristina Godoy Freitas, e para o subprocurador-geral da República, Mário José Gisi, o projeto do novo Código Florestal fere o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido pela CF/88. "O legislador constituinte fez opção expressa de defesa do meio ambiente. É uma cláusula pétrea, não pode ser modificada", explica Cristina.

Para a promotora, o texto fere o dispositivo constitucional ao prever a regularização das atividades agropecuárias em APP consolidadas até julho de 2008. A norma, na opinião de Mário José Gisi, "é uma afronta à sociedade brasileira". "Se formos admitir a figura da área rural consolidada, que seja pelo menos até da edição da Lei 7.803 de 1989, que ampliou as APPs", opinou o subprocurador.

Gisi manifestou ainda receio quanto a riscos à proteção dos topos de morros, defendendo a doção de normas para ajudar a reverter a destruição de áreas montanhosas. "São imagens tristes, de morros 'derretendo', APPs descuidadas", disse, citando como exemplo região entre o RJ e SP de antiga ocupação com o cultivo de café.

Outra preocupação dos representantes do MP diz respeito às mudanças nas faixas de mata ao longo dos rios. No código em vigor, a APP é definida a partir do leito maior do rio. Já o projeto determina que a mata seja medida a partir da calha regular do rio. "Com isso, várzeas ficarão desprotegidas e cursos d'água terão suas APPs diminuídas", diz a promotora. Ela afirma ainda que, se transformado em lei, o texto também resultará em redução da proteção ambiental por excluir da lista de APPs os cursos d'água sazonais ou intermitentes, aqueles que correm em alguns períodos do ano.

Acordos internacionais

O subprocurador também ponderou que a nova legislação deve respeitar compromissos internacionais assinados pelo Brasil, e que hoje são regras a serem seguidas internamente. Como exemplo, ele citou o Pacto de São José da Costa Rica e o Protocolo de São Salvador, que determinam a progressiva melhoria da qualidade ambiental. "O Brasil assumiu formalmente o compromisso de não haver retrocesso na qualidade do meio ambiente", disse.

Também citou, entre outros, a Convenção Internacional de Combate à Desertificação e considerou que o projeto falha por não prever obrigação de recuperação de áreas degradadas.

Para Gisi, o projeto, se transformado em lei, resultará no avanço do desmatamento. Conforme enfatizou, isso colocaria o Brasil na contramão da preocupação mundial de proteção aos recursos ambientais como forma de redução dos efeitos das mudanças climáticas.

Anistia

Outro aspecto muito discutido na audiência pública foi a possibilidade de o projeto induzir à anistia daqueles que desmataram irregularmente áreas protegidas.

O assunto mereceu atenção dos senadores Pedro Taques (PDT/MT) e Demóstenes Torres (DEM/GO), entre outros. Para o especialista em Direito Ambiental e professor Paulo Affonso Leme Machado, o texto leva à interpretação de anistia, "sem utilizar esse nome". "Perdoar não significa entender que tudo está certo e que se pode fazer o que quiser, ainda que se cause prejuízo. O perdão admissível é o que leva a alguma reparação da falta", alertou.

Em sentido oposto, o ministro Herman Benjamin, do STJ, entende que o projeto não determina a anistia aos que desmataram irregularmente áreas protegidas. "Anistia não é utilizada no texto porque não se quer anistia, mas isso precisa ficar claro no texto legal. O projeto poderia melhor trabalhar as responsabilidades dos que desmataram de forma irregular, sem receios", diz o ministro.

Já para Cristina Godoy, se a intenção não era conceder anistia, o texto é visto como anistia por aqueles que vão tratar a norma. A procuradora foi contestada pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO). Para a parlamentar, o projeto prevê regras para regularização de áreas desmatadas, sem anistiar os responsáveis.

Incentivos econômicos

A previsão, no novo código, de mecanismos de incentivo para a recuperação de áreas protegidas, ao lado das medidas de comando e controle, foi outro aspecto bastante discutido na audiência pública. A adoção da medida foi defendida pelo senador Eduardo Braga (PMDB/AM), que sugeriu medidas como redução de taxas de juros de programas de crédito e compensações tributárias para aqueles que protegem os recursos naturais.

Em resposta às senadoras Ana Amélia (PP/RS) e Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), o ministro Herman Benjamin lembrou que tramitam no Congresso diversos projetos sobre o tema.

Para ele, esgotar o assunto no Código Florestal deixaria de fora outras possibilidades constantes nos projetos. O ministro sugere que o assunto esteja previsto na nova lei, mas com a possibilidade de regulação em lei específica.

Duradoura

O ministro Herman Benjamin, do STJ, defendeu uma reforma duradoura do Código Florestal. Para ele, a nova lei deve ser clara o suficiente para que o Parlamento não precise, em futuro próximo, voltar a modificar o texto legal.

Na opinião do ministro, os debates em torno do novo código seguem alguns princípios comuns, como a determinação de que as mudanças propostas não visem ampliar ou estimular o desmatamento no Brasil.

Ele também defende a diferenciação, no código, entre o grande agricultor e o pequeno agricultor, já prevista na Constituição federal. "Não devemos temer fazer essa diferenciação também no Código Florestal, para ficar em sintonia com a Constituição federal".

Herman Benjamin considera que o projeto não determina a anistia aos que desmataram irregularmente áreas protegidas. "Anistia não é utilizada no texto porque não se quer anistia, mas isso precisa ficar claro no texto legal. O projeto poderia melhor trabalhar as responsabilidades dos que desmataram de forma irregular, sem receios".

Hermam Benjamin afirmou que as regras previstas no projeto acabam com a proteção das áreas úmidas do Pantanal. Para evitar a destruição desse bioma, ele sugere a criação de lei especial para regulamentar o uso da terra no Pantana.

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